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Domingo, 3/6/2007
Zodíaco
David Donato

É fácil reconhecer um filme do diretor David Fincher. Cenas rápidas, estilizadas, muita pós-produção, histórias extraordinárias, pessoas incomuns... De aliens, deslocados e serial killers, só este último sobrevive em Zodíaco, e sem tanto do virtuosismo dos primeiros filmes.

Isso absolutamente não desmerece o thriller, que, se não pode (e nem deve) ser comparado com Seven, se emparelha com grandes filmes investigativos como Todos os homens do presidente (1976 - Alan Pakula) e O informante (1999 - Michael Mann), onde o que importa é o ritmo lento e constante da trama. Mais ainda, o filme se apóia na frustração de um caso até hoje não solucionado, o do serial killer auto intitulado Zodiac, que fez vítimas na região de San Francisco a partir de 1968.

Ainda assim, a tecnologia e o cuidado com os detalhes permanecem. O filme foi rodado inteiro em digital, e, embora não seja pioneiro nisso, conseguiu um resultado mais do que satisfatório, mesmo nas cenas mais difíceis, com muita ou pouca luz.

Uma direção de arte primorosa replicou com perfeição as três décadas por onde o filme transita. Os planos que focalizam apenas objetos, como canecas e lápis numa mesa, por exemplo, verdadeira obssessão de Fincher, estão todos lá, mas desta vez são obscurecidos pela história real de um assassino inteligente (mas não insuportavelmente culto como um Hanniball Lecter).

O grande mérito do filme é criar um suspense sólido e envolvente sem cair na armadilha de tentar solucionar o caso (embora se incline para um suspeito em especial. Culpa do escritor do best-seller que baseou o filme, Robert Graysmith, interpretado no filme por Jake Gyllenhaal).

A construção da investigação desde os primeiros crimes, a burocracia da polícia e, principalmente, o sentimento de impotência de seres humanos comuns como o cartunista Graysmith e o detetive David Toschi (numa interpretação excepcional de Mark Ruffalo) vendo pista após pista dando em nada carregam o espectador durante as mais de duas horas e meia de projeção.

Isso não significa que o filme não tenha momentos tensos, muito pelo contrário. A exemplo do encontro com o informante Garganta Profunda no filme de 76, há cenas arrepiantes simplesmente porque não se sabe o que vai acontecer. Além disso, algumas cenas de assassinatos são fortes o suficiente para fazer a alegria de quem se lembra dos filmes de maníaco dos anos 80.

O medo da sociedade, o papel da mídia e o culto às celebridades são temas relevantes que o filme aborda, mesmo que não diretamente.

No estilo "Jack, o estripador", o assassino mandava cartas criptografadas aos jornais da cidade e dava pistas sobre seus crimes. Curioso notar a mobilização imediata da mídia em publicar as cartas e "alertar" a população, num ato heróico de utilidade pública. Atendem prontamente todas as exigências do assassino, até mesmo colocando-o ao vivo num programa de TV matinal, mesmo que isso não fosse uma condição para parar de matar.

Ele quis ser uma celebridade, e foi exatamente isso que ele se tornou. Até hoje, há um verdadeiro culto ao seu redor. Filmes, documentários, livros e centenas de sites onde detetives amadores se prestam a solucionar o caso. De certo ponto de vista, o assassino venceu, a sociedade perdeu e ainda ajudou o criminoso em todos os seus propósitos. Nada traz maior impotência.

Que o assunto fosse tratado com seriedade era a preocupação de muitos quando o nome do diretor foi associado ao projeto. As expectativas foram superadas com uma direção bastante consciente e com uma preocupação com o realismo maior do que com a simples verossimilhança. E é exatamente isso que o filme entrega.

David Donato
3/6/2007 às 20h07

 

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