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Domingo, 24/6/2007
Literatura israelense
Pilar Fazito

Etgar Keret é um dos principais escritores da nova geração em Israel e seus livros andam sendo um estouro de vendas por lá. Keret começou escrevendo HQ's e atualmente também dirige cinema. Seu feito mais recente foi ganhar um prêmio no Festival de Cannes deste ano pelo seu primeiro longa-metragem intitulado Meduzot, traduzido para o inglês como Jellyfish.

A primeira vez que li algo sobre Etgar Keret foi em 2003, numa nota de um jornaleco francês de subúrbio que relatava as novidades do Salão Literário de Lyon daquele ano. A nota anunciava o lançamento de Crise d'asthme, a tradução francesa de um livro de contos, escrito originalmente em hebraico.

A matéria do jornaleco apresentava o trecho de "Des chaussures", ou "Sapatos" numa tradução literal. Nesse conto, um garoto judeu fica dividido entre o desejo de ganhar um tênis Adidas no aniversário e a reprovação constante do irmão mais velho, para quem a empresa alemã ergueu-se sobre as cinzas do avô.

Escrito em primeira pessoa, o conto traz as reflexões de uma nova geração que sofre com o peso da tradição de seu povo e, por isso mesmo, não encontrou ainda o seu lugar. A novidade dos contos de Keret é que essas reflexões são destiladas aos poucos, por meio de um humor ácido e niilista que passa longe da agressividade.

A temática judaica, aliás, está presente em muitos de seus contos, mas em vez de exaltação semita, o que se vê é uma crítica à insistência de temas como a diáspora ou a Shoah. Keret sobrepõe a elas os anseios individuais da infância e da juventude dos dias atuais, as motivações humanas universais que independem de raça, credo e religião.

A tradição judaica acaba, dessa forma, virando o antagonista em muitos de seus contos, remetendo-nos ao Complexo de Portnoy, de Philip Roth, em que o judaísmo passado de geração em geração ao longo de anos acaba tolhendo a liberdade individual. Sobre o divã, Portnoy e muitos personagens de Keret não têm que matar simbolicamente apenas os pais, mas também os avós, os bisavós e todo o antigo testamento.

Em outros contos, o judaísmo sequer é mencionado. Isso mostra como o autor dá importância ao tema, mas não é movido por ele. A linha que conduz as narrativas de Keret são as relações pessoais do dia-a-dia focadas pela luz do incomum. Personagens, lugares e fatos inusitados são tratados com naturalidade e o humor ácido e niilista de Keret adquire um tom bizarro. Divertidamente bizarro. É o caso do motorista de ônibus que queria ser Deus; ou da moça que passou a infância sentada sobre a geladeira; ou ainda do mágico que tirou a cabeça decepada de um coelho de sua cartola em plena festa infantil.

A escrita de Etgar Keret é ágil e entra em conformidade com o que está na moda literária: uma narrativa bem visual, que se aproxima da cinematografia. O que ele traz de novo, entretanto, é esse circo de horrores e bizarrices narrado por uma voz singela, perspicaz e observadora. É preciso destacar que o humor é ácido, o narrador não. O equilíbrio entre acidez e sensibilidade, nesse caso, é o que impressiona nas histórias de Etgar Keret.

A editora Casa da Palavra manifestou, em junho de 2006, a intenção de editar uma tradução para o português brasileiro. Entretanto, até hoje isso não foi feito.

Enquanto as editoras nacionais perdem uma boa oportunidade de lançar um item certo na lista de "mais vendidos", quem se interessar pode procurar pelas traduções dos contos de Keret em inglês, espanhol e francês. Ou ao menos matar a curiosidade com uma tradução meia-boca realizada por esta que vos escreve.

Pilar Fazito
24/6/2007 às 18h22

 

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