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Sexta-feira, 6/7/2007
A Flip como Ela é... II
Julio Daio Borges

Eu tinha todo um plano para repercutir as mesas na ordem em que elas iam acontecendo, mas, agora, houve uma tão espetacular que eu vou ter de, de repente, escrever na ordem das mais importantes para as menos importantes (na minha avaliação). Foi a mesa "A Vida como Ela foi...", reunindo os biógrafos Ruy Castro, Fernando Morais e - alguém que se revelou uma estrela da Flip 2007 - Paulo Cesar de Araújo, o biografo de Roberto Carlos, autor daquele livro que foi proibido, ameaça ser queimado e o escambau a quatro. Assisti na Tenda da Matriz, em meio a populares, e foi ótimo, porque a reação da platéia de fora é às vezes mais interessante do que a da de dentro, da Tenda dos Autores, onde o Arnaldo Jabor reclamou de haver muita gente da esquerda e da USP. (Paulo Cesar, hoje, falou em Geração de 68, o que, para efeito de Flip, é quase a mesma coisa...)

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Para vocês terem uma idéia da importância dessa mesa, o próprio Cassiano Elek Machado, diretor de programação deste ano, se dispôs a mediá-la e o fez muito bem, diga-se de passagem. Foi rápido nas perguntas que interessavam e filtrou melhor as perguntas da platéia (muito melhor, por exemplo, que o Arthur (ou Artur) Dapieve ontem, que causou a irritação de Will Self, talvez de propósito, o que é, a meu ver, infantil - mediador querendo chamar mais a atenção do que convidado da Flip...). Enfim, graças ao Cassiano, hoje talvez tenhamos um abaixo-assinado, cuja idéia surgiu na platéia, e que ele encaminhou aos participantes da mesa agora, pedindo ao Congresso Nacional que mude a Constituição e garantindo, à sociedade, o direito ao "livre fluxo de informações" (agora não me ocorre a expressão exata) - afinal, os três biógrafos tiveram problemas na Justiça, depois dos livros publicados, com seus biografados (ou seus familiares).

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Ontem, depois da mesa dos "autores novos", e durante a mesa de Will Self e Jim Dodge (o Rafa, que escreveu sobre ela aqui, talvez tenha outra impressão), eu pensava que a Flip já teve o seu auge - porque achei que nenhuma mesa "pegou", de verdade, ontem. A primeira, pelo que eu falei no Post de ontem mesmo; a segunda, porque, embora o Lobão tenha cantado e o Chacal declamado, achei que tivesse mais a ver com música do que com literatura. E, depois do almoço, parece que o Augusto Boal deu um belo depoimento sobre o Nélson, porque o conheceu pessoalmente, mas senti que não repercutiu como deveria. Will Self e Jim Dodge me pareceram meio perdidos, porque o Dapieve não soube amarrar os dois (ou talvez porque não houvesse mesmo possibilidade de amarração)... Basicamente, o Dodge observou tudo atordoado e deu depoimentos parcimoniosos sobre sua Fup. E o Will Self ficou desancando a platéia, ou as peguntas dela, bem à inglesa, enrolando bastante a língua e usando palavras rebuscadas.
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Falou coisas interessantes, eu até anotei, mas observando, a partir de hoje (em retrospecto), Will Self destilou sua habilidade verbal - senão não seria escritor - para investir contra uma platéia metida a besta (na Tenda dos Autores), num país de Terceiro Mundo. Na hora, deu a impressão de que ele saiu "por cima", afirmando que a televisão era o "supositório da cultura" (injetando merda por todos os lados), mas, passadas algumas horas, ele mostrou porque a mesma televisão é tão forte na Inglaterra, e em países anglo-saxônicos, afinal na TV inglesa (ou anglófona) eles convertem tudo em ironia e circo - até a literatura. Dapieve tentou puxar para a política e o nível do debate, ao contrário do de hoje, caiu, porque entraram em Bush, Tony Blair, Iraque, essas coisas todas. (Deve haver alguma indicação, da direção da Flip, nesse sentido, mas é assaz criticável - porque raramente funciona).

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O Edu Carvalho, que estava do meu lado blogando loucamente sobre tudo (depois confiram no blog dele, procurem "Eduardo Carvalho Blog" no Google), veio com uma teoria de que a estupidez, ocasional, da platéia da Flip irrita os ingleses, que não têm paciência para o debate rasteiro - e evocou, do ano passado, o caso do Christopher Hitchens. Era uma boa teoria, mas eu acho que foi mais, mesmo, falha da organização e da mediação. Ficou o sentimento de que Dodge e Self tinham pouco a ver um com o outro, além da língua comum, e o mediador - Dapieve -, menos ainda com os dois. Quando falam que os ingleses, e os americanos, globalizaram o gosto pela fofoca, pela vida íntima de famosos e pela celebritite aguda, eu sempre lembro do João Cabral, acusando o Byron de não ser tão bom poeta, mas de ter, por outro lado, uma vida sexual incrivelmente movimentada.

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A mesa de Kiran Desai e do Agualusa (é com z?), a última do dia, foi ainda menos animada, porque não teve nem a platéia agredindo os convidados (e nem vice-versa). Me impressionei com o livro dela, quando recebi, achei interessante (pelo menos o começo), mas ontem, falando, ela me pareceu tediosa. Me lembrou, na hora, o Paulo Francis contando que algumas pessoas, quando conheciam o sotaque nordestino de Clarice Lispector, deixavam imediatamente de ler a autora de A Hora da Estrela. Certos autores, quando tomamos contato, nos causam certa repugnância. A Kiran não é fisicamente repugnante, é claro, mas me deu certa preguiça pensar num livro dela de centenas de páginas. Já o Agualusa é "freguês" da Flip - engraçado, simpático, cativante, mas não foi novidade o suficiente para me manter até o final. Até o Luiz Schwarcz, atrás de mim, me pareceu um pouco cansado.

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Animada foi a pizzada que promovemos para o Rafa Rodrigues, que aniversariava ontem no meio da Flip. Nesta comemoração de 2007, ele trocou a família biológica pela família da literatura (e do Digestivo). Não é bonito isso o que eu acabei de escrever? (Me ocorreu agora, juro...) Anyway - para evocar o Self -, fomos eu, a Carol, o Rafa e a Marília, jantar no Marguerita Café, a algumas mesas do Paulo Markun, e "cia. ltda." da TV Cultura, que tinha acabado de dar "piti" na hora do almoço (me contaram, eu não vi...). O Guilhermão Conte parece que passou mal, com um peixe estragado, e portanto não compareceu; o Edu Carvalho e a Cacá também não foram encontrados; nem o Daniel Bushatsky, que estreou no Digestivo, aliás, na Flip 2006. Enfim, vocês perderam! (E vocês, que estão aí lendo, também!) Viva o Rafa Rodrigues, meu Editor-assistente!!! (E viva a Débora Costa e Silva, que está segurando a onda para nós dois, em SP!!!)

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[Pausa para o almoço...] Meu caderninho de anotações tem uma folha lotada, sobre declarações dadas na mesa que acabou de manhã. Bem, todo mundo sabe que eu sou fã do Ruy Castro, e do Fernando Morais, mas eu não achava que o Paulo Cesar de Araújo fosse render tanto caldo. Contou a história inteira do processo movido pelo Roberto Carlos, contou da audiência e se emocionou quando revelou que dedicou a biografia à filha, para quando ela crescesse e, enfim, lesse. Disse que o seu objetivo, mais do que nunca, é continuar brigando para que o livro volte às livrarias, às bibliotecas etc. O Fernando Morais, de enorme talento político, e que nunca perde uma oportunidade, se dispôs, publicamente, ajudá-lo no que for necessário. Confessou que teve raiva do Paulo Cesar, quando ele recuou, deixando RC se apoderar dos livros remanescentes, mas, hoje, na Flip, passava a admirá-lo.

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Já o Ruy Castro, de gosto musical rigorosíssimo e bem conhecido por todos, não perdeu a oportunidade de atacar as composições de Roberto Carlos. Foi engraçado. Quando Paulo Cesar falou que era um absurdo RC exigir "privacidade", quando sempre cantou toda a sua vida nas canções, Ruy emendou: "Em 200 composições autobiográficas de péssima qualidade, diga-se de passagem". E quando Paulo Cesar contou que, para compensar sua ausência em casa, trazia, para a filha, um CD dizendo que, especialmente para ela, Roberto Carlos o havia gravado, o Ruy, mesmo num momento de grande comoção, não agüentou: "Ela nunca vai te perdoar por isso". (Tradução: a filha de Paulo Cesar nunca o perdoaria, quando crescesse, por ele haver-lhe dedicado músicas de tão baixa qualidade - músicas de Roberto Carlos).

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Muita gente perguntou se Paulo Cesar havia se decepcionado com seu ídolo, depois desse episódio, mas ele se saiu bem, dizendo que, ao biografá-lo, já conhecia todas as suas contradições e todos os seus defeitos. (Será mesmo?) Deu um tapa com luva de pelica em Roberto Carlos mesmo assim, porque concluiu que só alguém com "nenhuma intimidade com o objeto livro" poderia fechar um acordo desse, sob as bençãos da "justiça", ameaçando queimar milhares de exemplares em praça pública. Ruy Castro disse que não seria nenhuma novidade se, nos próximos anos, surgir a notícia de que uma chuva, ou outro fenômeno da natureza, dê cabo, acidentalmente, dos volumes confiscados que RC mantém em seu depósito. Fernando Morais lembrou de uma charge, em que um segurança na frente de uma mansão, ao receber um caminhão baú, comunica pelo rádio: "Doutor Roberto, chegou o bagulho".

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Agora acontece a mesa de Mia Couto com Antônio Torres. Mia Couto também é "freguês" da Flip, já o vi em entrevista de Bia Corrêa do Lago na TV, então não me interessou. "Álbum de Família", com Ahdaf Soueif (a Carol gostou muito dele, e se interessou pelo livro) e com Ana Maria Gonçalves, parece que foi legal [depois do Ruy, do Fernando e do Paulo Cesar...]. A Ana Maria me mandou, acho, seu primeiro livro, há alguns anos, com elogios do Millôr (ainda devo tê-lo autografado em algum lugar...). Depois, me enviou vários exemplares de Um Defeito de Cor, mas eu conheço só duas pessoas que "atravessaram" a obra de cabo a rabo - de outras tantas centenas de páginas - o Polzonoff e o Spalding (com resenha aqui no site, procurem pelo título...). Logo mais, vejo Guilhermo Arriaga (às 17) e Amós Oz (às 19), os dois que, ainda hoje, me interessam. [Se houver no site da Flip, prometo que coloco imagens...]

Julio Daio Borges
6/7/2007 às 15h43

 

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