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Quinta-feira, 9/8/2007
Auto-afogando-se em números
Pilar Fazito

Na coluna anterior, fiz revelações bombásticas sobre o meu hábito de leitura. Digo que as revelações foram bombásticas porque a reação de amigos, familiares e conhecidos me deu bons motivos para risadas durante essa semana. Uns me olharam torto por acharem que não meti pau na literatura de auto-ajuda como deveria. Outros por acharem que meti pau mais do que deveria. E outros ainda decepcionados por eu assumir que leio livros de auto-ajuda. Talvez eu até tenha perdido alguns pontos aí. Acho isso uma bobagem tremenda. Mais importante do que o título do livro que se lê é o que se faz com essa leitura, seja ela de tratados gastronômicos, cânones da literatura ou da Seleções do Reader's Digest (que, aliás, eu detesto).

Sim, confesso, eu leio auto-ajuda. Leio auto-ajuda, teorias acadêmicas, histórias em quadrinhos, pesquisas científicas, literatura e o que mais cair nas mãos e tiver um primeiro parágrafo instigante. Como diria um velho sábio chinês, "eu não tenho preconceitos, odeio a todos igualmente". Mas antes de odiá-los, eu pago para ver. Ou melhor, não pago. E aí vai outra confissão: eu leio livros de auto-ajuda, mas nunca tive coragem de gastar dinheiro com um. Caiu na mão, eu leio, mas não contribuo com a auto-ajuda financeira do editor.

O fato é que certo dia eu acabei me embarafustando na livraria de um shopping perto da minha casa. Não estava a fim de um livro de auto-ajuda, mas de literatura mesmo. Saí sem livro nenhum e com um embrulho no estômago ao me dar conta de que não há mais prateleira de auto-ajuda ali. A livraria inteira é uma prateleira de auto-ajuda.

A livraria, no caso, é a Leitura, do shopping Del Rey. A Leitura sempre foi uma das maiores livrarias de BH, e depois que outras livrarias de grande porte sucumbiram na capital mineira, ela tinha tudo para sobressair em termos de qualidade de títulos. Mas não foi isso que aconteceu. Mesmo com uma megastore em outro shopping da cidade, a Leitura afogou-se em números e entregou-se, como outras grandes livrarias do Brasil, à distribuição editorial de auto-ajuda. Na loja em que entrei, encontram-se todo o tipo de item de papelaria e bugigangas, além de estandes e mais estandes de livros dessa linha.

No primeiro estande, pode-se escolher entre vinte títulos de auto-ajuda internacional. São Josephs, Dorotys, Johns, Toms e toda a nação norte-americana com seus aprendizados vazios e ensinamentos de vida.

Já o segundo estande é destinado à auto-ajuda empresarial. E aí você pode aprender a se tornar um líder, fazer amigos, conquistar seu chefe, liderar equipes, vencer no trabalho e na vida, enriquecer juntos e por aí vai.

O terceiro estande é destinado à fofoca de auto-ajuda, ou às histórias de vida pitorescas e inúteis: uma prostituta de alta sociedade que faz sucesso no mundo virtual, a mulher que conta como perdeu o marido para a referida prostituta, a gordinha que se assume para a mãe, a mulher de 30 anos que não casou, a mulher que perdeu o filho, o filho que perdeu a mãe, o filho da mãe que... ops.

Quanta originalidade!

E depois de conseguir passar por todos esses estandes sem ser engolida, ainda encontro, mais à frente e finalmente, uma estante com a plaquinha "auto-ajuda". Valha-me! E os outros todos eram o quê, então?

Continuemos a saga: a estante era enorme. Interminável. E os itens ali eram de auto-ajuda espiritual e religiosa. Ou seja, chegou o momento em que o volume de títulos de auto-ajuda é tão grande que é preciso subdividi-los em categorias.

Eu não nego o lugar dos livros de auto-ajuda. Só reivindico a estante da literatura brasileira que, no caso desta livraria, é minúscula e muito mal organizada. Difícil é encontrar livros de novos autores brasileiros ali.

Não é possível que os títulos de auto-ajuda engulam todo o resto de uma livraria e de um mercado editorial. E aqui, eu repito o que disse antes, o problema não está nos livros, mas no leitor. É ele quem deve diversificar a própria leitura e cobrar essa diversidade de títulos das livrarias e das editoras também.

Enfim, pelo menos há, em Belo Horizonte, a livraria Ouvidor e outras menores, do tipo "livraria-café", como a Dom Quixote e a Travessa, para acolherem essa minoria étnica que são os que compram livros de literatura. E os que não gostam de best-sellers, como eu.

Pilar Fazito
9/8/2007 às 19h08

 

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