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Segunda-feira, 24/9/2007
Polícia para quem precisa...
Ana Elisa Ribeiro

Arrombaram minha casa. Tudo bem que eu ainda não moro lá. É ainda uma obra, mas em estágio avançado. Meio casa velha, meio casa nova. Uma reforma que desafia toda a minha valentia. E aí um vagabundo entrou lá esta madrugada. Pelos sinais deixados, parece-nos o mesmo malandro que já estivera lá antes. O maldito rouba sempre as mesmas coisas: fios e todas as ferramentas dos pedreiros. Espátulas, talhadeiras, colheres, pás, níveis, prumos, serrotes, arcos de serra, martelos, marretas e outras bugigangas mais. Somando tudo, quase 2/3 de salário mínimo. Mas o que me doeu mais foi o que ele fez com a janela. Com um caibro, sobra do telhado, arrancou as grades incorporadas à janela de aço, de boa marca (ao menos era o que dizia o vendedor). A janela inteira ficou estragada, perdida mesmo. Dois salários mínimos. Pelas contas do pedreiro, o malandro vende o ferro velho roubado por não mais do que trinta reais. Raiva barata. Maconha? Há quem diga que é isso. Detonou mais dois cadeados, empenou as lingüetas dos portões e torceu, com a mão, uma travessa de uma porta interna. Tudo para sair com uma sacola de ferramentas.

Chamei a polícia. A famosa polícia militar mineira. Queria um BO para constar nalgum banco de dados que houve arrombamento naquele bairro. A polícia veio. Mal desceram do carro e me perguntaram a que horas havia sido o "evento". Talvez no domingo, pelo menos foi o que apuramos junto aos vizinhos. Então o policial deu meia volta. Não podem entrar. Só registram ocorrência se for fato fresquinho, como jornal do dia. Se foi antes, então eu que me dirija à delegacia mais próxima. E ainda me deu, solicitamente, o endereço uns cinco bairros adiante. Não, obrigada, moço. Deixa pra lá. Bobagem ocupar vocês com isso, não é mesmo?

A vizinhança toda ouviu os barulhos das pancadas do caibro na janela novinha em folha. Ninguém fez nada. Disseram que pensaram que fôssemos nós mesmos, às 5h da manhã, batendo pino. Só se for. E em todas as casas há uma plaquinha escrito assim: "Residência monitorada. Vizinhança Protegida". Diz que a polícia acorda com os vizinhos que cada um tomará conta de si e de todos. Aquele discurso do comunitário, da coletividade resolvendo o problema da segurança pública e tal e coisa. Cada um pagou 8 reais para ratear o custo das plaquinhas. E também cada um comprou um apito. Quando rola coisa suspeita na rua, alguém apita e todo mundo apita. Mas quando ouviram o barulho na minha casa, interpretaram tudo de um jeito bem menos trabalhoso.

Mas aí a vizinhança desprotegeu e a polícia não quis lavrar o BO, naquela linguagem tão peculiar. E eu fui buscar o serralheiro da família para ver se ele me dava um diagnóstico da janela e me sugeria umas grades, umas lingüetas e uns cadeados mais potentes. Ele veio. Quando eu ia levá-lo para casa, cruzei na rua com uma viatura da mesma PM que não pôde me atender. Não aquela mesma que eu havia chamado, mas outra, também com uma dupla de tiras. Eu andava devagar pelas ruas do bairro onde nasci, onde meus avós vivem até hoje, há mais de meio século. E de repente, quando olhei melhor pelo retrovisor, a viatura estava atrás de mim, armada como uma aranha, com os policiais aos berros, apontando um revólver na minha cara. Eu custei a acreditar na cena. Enfiei a cabeça pela janela para ver se a cena era real. Com essa mania de telas pequenas, fiquei desconfiada do meu retrovisor. Tive que descer do carro com as mãos para cima, pedindo pelo amor de Deus por uma explicação. O serralheiro não desceu. Como é mais escuro do que eu, teve medo de apanhar. Depois que eu consegui que os tiras me dissessem qualquer coisa, pedi que o meu parceiro do crime descesse também. Com armas em riste, os PMs fizeram menção de revistá-lo, não a mim. Depois vieram com uma explicação sobre riscos, moças indefesas seqüestradas, suspeitas de assalto a senhoras que dirigem, etc. Aproveitei para perguntar se eles também não estavam dispostos a lavrar um BO de arrombamento, já que os colegas de mais cedo não puderam fazê-lo. Nem fizeram caso da minha pergunta. É isso aí. Vizinhança protegida. Tomara que funcione assim se um dia eu realmente estiver em perigo.

Ana Elisa Ribeiro
24/9/2007 às 23h13

 

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