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Sábado, 20/10/2007
Palavra na Tela – Jornalismo
Tais Laporta

Três experiências e muito jornalismo. Foi o bastante para uma boa conversa no segundo encontro da série A Palavra na Tela: Jornalismo, Literatura e Crítica Depois da Internet (17/10), organizado pelo Digestivo Cultural, com a presença de Ana Maria Brambilla, Alexandre Matias e José Marcelo Zacchi (adiante, o perfil deles). O editor do Digestivo, Julio Daio Borges, mediou a mesa e pautou algumas das maiores polêmicas sobre a geração de conteúdo na Web.

Quem acredita que o termo "jornalismo colaborativo" rende pouco em duas horas, pode mudar de opinião depois de ouvir o áudio do encontro ou de acompanhar esta compilação seletiva. Verdade é que, ainda sob críticas dos conservadores, a rede de colaboradores virtuais se multiplica e se populariza pelos quatro cantos do mundo. Experiências concretas nascem por aí: o Ohmynews, o Digg, o Collective e o brasileiro Overmundo.

A dúvida de quem olha de fora fica por conta da credibilidade da colaboração irrestrita: seria confiável? Quais os critérios para um jornalismo colaborativo de qualidade? Existe, enfim, a separação entre conteúdo colaborativo e jornalismo? E quanto à profissionalização? Ainda é um terreno novo para definições concretas, mas sob o olhar de quem já participa do processo, é possível vislumbrar caminhos - e concordar ou discordar deles.

Cada um dos convidados tem uma história particular, responsável por moldar suas convicções sobre o próprio trabalho. A seguir, um pouco de cada um, seus respectivos projetos e os pontos altos do encontro.

Ana Maria Brambilla
Jornalista e blogueira formada pela PUC/RS, em 2003, viu na internet um chão seguro para o jornalismo. Baseou seu mestrado no jornalismo colaborativo, porta de entrada para ser a primeira correspondente brasileira do OhmyNews - em que colabora até hoje. Foi à Coréia do Sul em um fórum anual, quando conheceu jornalistas de todo o mundo com o mesmo interesse. Em uma "desconferência", chamada de BarCamp, conheceu sua futura chefe da editora Abril, onde edita atualmente projetos de jornalismo colaborativo.

- O que é OhmyNews?
É um noticiário criado por um jornalista sul-coreano, fruto de sua indignação com a imprensa local, fechada em interesses particulares. O lema "cada cidadão é um repórter" surgiu pioneiramente da idéia de um jornalismo open source. O jornal ficou conhecido em todo o mundo quando criou sua versão em inglês. Com layout limpo, semelhante ao site do The New York Times, além da extensa rede de colaboradores, tornou-se o principal da Coréia do Sul.

José Marcelo Zacchi
Pesquisou a circulação de informações culturais pelo Brasil e constatou (junto com Hermano Vianna, Alexandre Youssef e Ronaldo Lemos) que existia um grande potencial de disseminação deste conteúdo, até então reprimido pela imprensa convencional. Com base nesse diagnóstico, obteve patrocínio da Petrobrás, via Lei Rouanet, para criar o site mais popular de jornalismo colaborativo no Brasil - Overmundo -, o qual coordena.

- O que é Overmundo?
O site aceita textos de qualquer cadastrado, cujo conteúdo é aberto para revisão (todo mundo pode corrigir), triagem e votação do público - contagem que determinará a hierarquia do texto, sua visibilidade e aceitação. Desta forma, o material flui sem a intervenção dos moderadores. O espaço começou com 27 colaboradores remunerados (hoje, não mais) e conta, atualmente, com uma rede de 25 mil pessoas. Recebe, em média, 600 mil visitas mensais. É, nas palavras de Zacchi, um modelo experimental, cuja meta é descentralizar a notícia.

Alexandre Matias
Jornalista, blogueiro, podcaster, editor-assistente do "Link", do Estadão. Começou como colunista do Diário do Povo, em 1994. Sempre ligado às artes gráficas e à produção musical, criou a coluna Trabalho Sujo, que se tornaria seu site profissional. Neste espaço, ganhou visibilidade entre amigos e gravadoras, principalmente as estrangeiras. Futuramente, seria convidado para trabalhar no projeto Trama Universitário.

- O que foi o Trama Universitário?
Através da já existente gravadora Trama (do João Marcelo Bôscoli), surgiu a idéia de criar um circuito de informações entre as universidades, onde havia uma vasta produção cultural, porém mal aproveitada. Nasceu como agência de notícias, passou a promover shows e pegou carona no recém-chegado Creative Commons para permitir que os internautas criassem o conteúdo do site, interferindo na produção musical dos artistas e sendo premiados por isso. Assim, o Trama Universitário cresceu e deu visibilidade a artistas que não apareceriam pelos padrões convencionais. Registrou 179 mil usuários. Recentemente, perdeu o patrocínio, mas o Trama Virtual continua.

Creative Commons
O conceito aliviou a rigidez do direito autoral, que reprimia a produção de arte, como conta Matias. "O advogado americano Lawrence Lessig conseguiu ampliar várias licenças para que o autor decidisse se sua obra sofreria interferência de terceiros", conta. Com a chegada do conceito ao Brasil, o jornalismo colaborativo ganhou aliados. "Não significa que liberou geral, mas que passaram a existir mais alternativas", acrescenta Zacchi.

Amadores?
Uma das maiores barreiras ao jornalismo colaborativo, segundo Matias, é a freqüente associação ao amadorismo. Para Ana Brambilla, os veteranos do jornalismo acreditam que não precisam se reciclar diante de novas tendências. "Já os jovens têm a cabeça mais aberta". Mas o editor do Trabalho Sujo discorda, em parte. "Tem gente mais velha com a cabeça aberta, da mesma forma que muito iniciante não gosta da tendência". Zacchi complementa que as pessoas tendem a ver mudanças com uma ameaça, ao invés de enxergarem oportunidades.

Falta de informação
Para a editora da Abril, o jornalismo colaborativo ainda está associado a desorganização. Por isso, defende que existam normas para manter a credibilidade do formato. Caso contrário, o público não entende a proposta e acaba por desprezá-la.

Problema no Overmundo
O próprio coordenador do projeto reconhece que, pela falta de intervenção centralizada, não há uma reflexão editorial e uma análise crítica do que é publicado no site. "Não se identifica lacunas - um desafio para o Overmundo", conta. As referências entre amigos são outro problema: uma vez que as recomendações geram pontos, é comum que conhecidos votem entre si, para favorecer um ao outro. "Vira um jogo", acrescenta o Julio.

Hard News colaborativo?
Ana Brambilla acredita que a colaboração coletiva não serve para as notícias instantâneas, porque seria preciso um amadurecimento. O hard news demandaria checagem, um processo indispensável. Ela cita um ótimo exemplo: a foto-montagem publicada no UOL no dia do acidente da TAM, enviada por um colaborador. Uma tentativa frustrada, segundo ela, de se fazer jornalismo colaborativo neste modelo. "O colaborador recortou o Tocha Humana (personagem dos quadrinhos) e colou na foto do acidente", lembra Matias, que não acredita ter sido má-fé, mas erro de apuração do site. Para o coordenador do Overmundo, pode-se tentar criar mecanismos de apuração coletiva para evitar o problema.

Fiscalização coletiva
Ana crê que a vantagem do jornalismo colaborativo na internet é o controle da qualidade. "A correção em espaço aberto ocorre mais rapidamente, está sob olhos mais atentos e a mentira tem vida curta", comemora. Para Matias, este é o tal do "jornalismo cidadão", em que há uma leitura crítica, uma fiscalização da notícia. "Isso porque um batalhão de antenas capta a informação. A credibilidade se coloca sozinha", complementa Zacchi.

Redação física
"Será que ela tem futuro?", foi a pergunta do Julio. Para Matias, a noção de tempo, pelo menos, muda radicalmente na rede. "Trabalhar em horário fixo não funciona mais. O trabalho rende mais por meta do que por tempo. Até reunião de pauta poderia ser feita pelo Skype", sugere.

Home do site
O editor do Trabalho Sujo acredita que, com a disseminação dos links, pode-se entrar nos sites pela porta dos fundos. "As homes estão ficando obsoletas. Elas deixam de ser a parte mais importante do site", acredita. Ele concorda com Zacchi que a home do NYT acaba sendo mais que um jornal. Seria um agregador de feeds. No Overmundo, por exemplo, Zacchi assegura que pouquíssimos visitantes entram pela porta da frente.

Google News
Surgiu a dúvida de que o Google News pudesse ser um jornal colaborativo, já que permite a colaboração de blogueiros. Não na opinião dos três. "A triagem é automática, dispensa a intervenção humana. O objetivo é agregar e distribuir conteúdo, não produzi-lo", diferencia Zacchi.

O leitor decide
O coordenador do Overmundo gosta de ler jornais tradicionais, mas também acha ótimo decidir o que interessa ler. "Não se deve infantilizar o leitor a ponto de supor que é um perigo expô-lo ao que lhe interessa", opina. Matias deixou um questionamento: "Falamos de quem produz e não de quem lê. Sabemos o que o cara quer realmente ler?". Pouco se discute, de fato, como ele descobrirá os canais de leitura que prefere.

Quem é jornalista
Para Matias, o fato de qualquer um colaborar na Web não significa que é jornalista. "Ele tem, no entanto, o direito de dar um furo. Sabe que pode ser um jornalista, se quiser". Em seu blog Ana faz uma nítida diferenciação entre o "cidadão-repórter" e o "jornalista profissional", cujo termo, para ela, é redundante.

Produtores de conteúdo
As pessoas, como garante Matias, estão gerando conteúdo na internet sem perceber. "O Orkut é a pesquisa dos sonhos de qualquer instituto. Tem tudo sobre o perfil do cidadão. É o fim da privacidade", diz. Por outro lado, Zacchi considera a geração espontânea de conteúdo uma revolução. Conta que, na apresentação do Overmundo, uma afirmação reforça a idéia: "Nenhuma equipe de jornalistas, por maior e mais bem qualificada, pode ter o dinamismo para captar informações de um país inteiro quanto no ambiente colaborativo". Dinamismo - ele completa - que o OhmyNews construiu e, por isso, cresceu tanto.

Imparcialidade
O jornalismo colaborativo nem sempre se compromete a ser imparcial. Um exemplo de site que aceita conteúdos sem restrição, e, além disso, permite opiniões completamente tendenciosas, é o Centro de Mídia Independente (CMI), como lembram os participantes. O Overmundo também traz textos com posicionamento, embora faça a triagem e seja um veículo neutro. Para o coordenador do site, a área cultural permite essa liberdade, diferente de política, que exige uma cobertura mais factual.

Conteúdo colaborativo x jornalismo
Ana Brambilla vê uma clara diferença entre esses dois conceitos. Ela acredita que o CMI, assim como Orkut, YouTube e Flickr são espaços de conteúdo colaborativo. Para ser jornalismo, precisa ser feito por jornalistas e não pode ser parcial. Mas Matias discorda que o CMI não faça jornalismo, já que acredita que a noção de imparcialidade mudou. "Imparcialidade pode ser ruim, mas não deixa de ser jornalismo", defende, citando Michael Moore, absolutamente tendencioso em seus documentários. Para Ana, no entanto, o conteúdo opinativo deve ser declarado. "Não pode se esconder no rótulo da informação, como noticiário padrão", acredita.

Para ir além
"A Palavra na Tela"

Tais Laporta
20/10/2007 às 18h02

 

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