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Quarta-feira, 7/11/2007
Vida longa ao Cartum
Diogo Salles

Até hoje muita gente não sabe diferenciar o que é cartum do que é charge. Chega a ser compreensível, pois o público enxerga sempre à frente o humor gráfico, a crítica social, a ironia. Esquece, porém, da linha divisória que separa as duas coisas: a linha do tempo.

A charge é calcada nos fatos jornalísticos do cotidiano e, portanto, sai da vitrine noticiosa com a mesma velocidade que entrou. Hoje, a charge de ontem já amarelou, como uma foto antiga. Perdeu seu sentido e entrou para a posteridade. O olho está no noticiário de novo, pois já está na hora de pensar na próxima. Em tempos de informação à velocidade da luz, a internet proporcionou uma explosão de chargistas que buscam visibilidade em cima de sátiras políticas da atualidade. Ninguém pára pra pensar muito a respeito, mas nos tornamos ávidos devoradores de novidades, para depois descartá-las desdenhosamente. Talvez por isso, Jaguar andou dizendo que o cartum morreu. E não parou por aí. Disse também que, para poder publicar um cartum, precisa disfarçá-lo de charge. A situação é dramática, realmente, mas o cartum não morreu. Ainda. Ao longo do tempo, ele foi perdendo seu espaço, porém nunca perdeu seus apreciadores. Foi em cima da frase de Jaguar que o cartunista (e entusiasta da causa) Fausto encontrou a motivação para produzir o livro Viva Cartum (Editora Paradiso, 2007, 96 págs.). E acertou em cheio ao fazê-lo, pois mostrou o quanto sentimos falta do humor atemporal.

Sim, o cartum é atemporal. Ele pode ser político sem se referir ao presidente. Pode ser crítico sem atacar alguém específico. Não precisa coexistir com os noticiários. Experimente ler um livro de charges alguns anos depois de lançado. Requer que o leitor revire sua própria memória para encontrar a piada que se perdeu no tempo. Por isso, um livro de charges se torna uma espécie de livro cômico de história. Com o cartum é diferente. Um livro como o do Fausto o fará rir, mesmo daqui a 20 anos. Melhor. Poderá encontrar outras interpretações e simbolismos para cada desenho. Ziraldo, que escreveu o prefácio, é enfático: "O cartum não está morto, e o Fausto, reinaugurando-o no Brasil, está aqui para provar isso." E eu, como chargista - inerte diante da incapacidade de descolar meu trabalho dos noticiários -, serei sempre um dos primeiros a engrossar o coro: Viva o cartum!

Diogo Salles
7/11/2007 às 11h10

 

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