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Segunda-feira, 18/2/2008
No banco
Guga Schultze

O inferno são os outros, como disse Sartre. Às vezes a gente tende a concordar com ele e sua frase infernal. Os outros não somos nós, claro. São as outras pessoas.

Elas gritam, descontroladas, nos restaurantes. Conversam aos berros. Maltratam os garçons na sua frente. Ouvem suas músicas em alto e bom tom, dentro dos seus carros iguais. Ficam horas nos caixas eletrônicos dos bancos, filosofando profundamente enquanto teclam aqueles números. São muito cuidadosas: teclam um botão e olham pra tela, pra ver se teclaram corretamente. Ok, tudo certo. Teclam outro e conferem de novo. Uma senha de nove dígitos lentos, no Banco do Brasil.

Cada gerente de banco cria uma fila de espera de indivíduos confusos. Obviamente, esses esperam com paciência que o tal gerente acabe seu telefonema. Os gerentes vivem pendurados no telefone, atendendo minuciosamente um cliente que, ao contrário de você, nem se deu ao trabalho de ir até lá. O gerente de banco, enquanto telefona, nunca te olha. Eles devem ser treinados assim.

Algumas pessoas tentam entrar no banco, passando pela porta giratória. A porta não gira. O segurança pede que alguém volte atrás da linha amarela mas, antes de terminar a frase, a pessoa dá um único passo para trás, sem passar da linha amarela e já está voltando, lutando contra a porta giratória, que não vai girar a menos que essa pessoa fique, por um momento, parada atrás da linha amarela.

Essas pessoas nunca esvaziam as bolsas, ou os bolsos, do metal que carregam. Não da primeira vez. Botam um chaveiro na caçamba da porta. A porta não abre. Dão um passo curto pra trás, voltam e botam um celular. A porta não abre. Botam um relógio de pulso. A porta não abre. Botam um estojo de maquilagem, um anel, moedas. A porta não abre. Do lado de dentro alguém quer sair. Toda vez que um tenta entrar, o outro tenta sair.

As filas nunca estão formadas de acordo com as linhas desenhadas no chão, para orientação. Muitas e muitas pessoas entendem uma fila como algo que deve se estender a partir das costas de alguém. Não importa pra que lado a pessoa à sua frente, na fila, esteja virada. De forma que uma fila pode se estender em qualquer direção, no interior do banco.

O balcão de informações. Não tem ninguém trabalhando lá. Quando a fila, nos três caixas que estão trabalhando, começa a engrossar, dois deles imediatamente se levantam e somem pela portinha dos fundos, levando um monte de papéis, cada um. Fica só aquele, de óculos, meio abobado.

Aí chega um senhor bastante idoso e pouquíssimo amigável. Fura a fila (com todo direito) e quer saber quanto tem na sua conta, mas esqueceu a senha e pergunta pro caixa qual é a sua senha. O caixa sempre responde, primeiramente, que "o senhor deve se dirigir ao caixa eletrônico, para operações com senha". O senhor explica, rosnando, que se ele lembrasse a senha não precisaria de estar ali perguntando pela senha, "entendeu, meu filho?"

Na hora do pique máximo o pessoal da manutenção resolve trabalhar e inutiliza, por prazo indeterminado, três caixas eletrônicos, dos cinco que existem. Você está no meio da operação e lê na tela: "terminal em manutenção". Vai procurar as duas máquinas que ainda funcionam. Mas uma delas é só para emitir cheques.

Saio do banco e acendo um cigarro ali mesmo, na calçada. Um tomador-de-conta de carro vem pro meu lado e pede fogo. Fumamos os dois, em silêncio, em mútuo entendimento, observando as pessoas que saem pela porta giratória. Olham pra gente e desviam, rápidas, o olhar. Seguramente nós dois estamos incomodando. Elas não fumam.

Guga Schultze
18/2/2008 às 15h23

 

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