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Quarta-feira, 22/10/2008
Satã, uma biografia
Guga Schultze

O livro Satã, uma biografia (Globo, 2008, 388 págs.), de Henry Ansgar Kelly, é meio surpreendente, mas não de uma maneira muito elogiosa. A surpresa principal está no fato de que o autor leva o assunto a sério.

Há uma diferença entre fazer uma pesquisa séria, que é o ponto positivo desse livro, e levar a sério o assunto dessa mesma pesquisa. O pesquisador deve, necessariamente, ter uma noção clara da natureza da matéria sobre a qual se dedicou tanto (o livro tem 385 páginas de uma catalogação de dados exaustiva. Eu, pelo menos, considero isso uma dedicação infernal).

Alguém pode fazer um estudo em profundidade da história e da práxis da alquimia medieval, por exemplo. Mas quando o pesquisador começa a acreditar na Pedra Filosofal e faz com que você possa imaginar que ele está em casa tentando transformar moedinhas de cobre em moedinhas de ouro, aquela pesquisa talvez fique comprometida.

Kelly pesquisou a Bíblia, toda ela, atrás das pegadas do Dito-Cujo para chegar à conclusão de que o capeta que todos conhecem, o chifrudo sinistro ou bagunceiro, não é bem aquele que está lá, no livro original. Ou aqueles, já que aparece sob nomes diferentes a ponto de sugerir entidades diversas.

Segundo Kelly, o capeta bíblico é mais como uma espécie de advogado (bastante apropriado isso) de Jeová. Mas o próprio Senhor não tem certeza se ele está na folha de pagamentos e, se indagado a respeito, com certeza desconversaria: "Pergunte pro Jó, fale com São Paulo, eles é quem sabem, sei lá. Tô ocupadíssimo aqui com Moisés, tá me dando muito trabalho, agora não posso responder, volte outra hora". O nome "satã", na Bíblia, é freqüentemente usado como o antigo substantivo que realmente é, significando "o adversário", ou "o inimigo" (e qualquer semelhança com um advogado pode ser mera coincidência. Ou não).

Mas o que fica mesmo da leitura é a constatação da fantástica (porque incrível) falta de bom senso, unidade ou simples coesão do texto bíblico. Se por um lado a presença factual do Canhoto é rara e esparsa no calhamaço que é a Bíblia, por outro lado ele garante sua presença demoníaca no suplício que é tentar levar a sério um texto completamente maluco.

Nota do Editor
Leia também "Dos Lobisomens".

Guga Schultze
22/10/2008 às 15h52

 

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