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Quinta-feira, 18/12/2008
Uma impressão sobre Capitu
Julio Daio Borges

Machado de Assis sumiu na Capitu de Luiz Fernando Carvalho. Pelo menos o Machado que mais me marcou. Lembro dele fácil, engraçado, de uma profundidade invisível. Mas Capitu tem um clima um pouco obscuro, pesado; e é intelectual demais. Também não sei se esse clima teatral combina com a naturalidade do texto de Machado, que é encantadora e não aparece em lugar nenhum na minissérie.

Essa naturalidade de Machado talvez seja a sua característica mais marcante e acho que aí está a sua maior graça. Machado tem um ritmo rápido, preciso, despretensioso, inclusive em seus momentos mais "profundos". Minha impressão é que a minissérie, ao contrário, está o tempo inteiro trabalhando para parecer inteligente, profunda. Machado ― cujo texto é acessível a qualquer colegial ― está quase impenetrável em Capitu.

Acho que tudo que é de fato inteligente ― como Capitu é ― corre o risco de parecer inteligente ― e de ficar pedante e perder a naturalidade. Em Machado, repito, a profundidade ― a observação psicológica mais delicada ― é transparente; ela borbulha pelo texto como se aquelas sacadas escapassem sozinhas. Em Capitu, o esforço para "respeitar a inteligência do telespectador" é óbvio ― e essa obviedade estraga tudo.

Não tudo, na verdade: porque Capitu é esteticamente deslumbrante. Gostei muito também da abertura, daquelas cartolas circulando por trens pichados no Rio hoje. E os atores também estão ótimos. A trilha sonora, agora, está um espetáculo à parte. Disse que a naturalidade de Machado não está em lugar nenhum na minissérie. Não é verdade: a forma como a música aparece em Capitu é maravilhosa. (Também fui atrás de Beirut etc.)

Li vários artigos sobre a minissérie e os elogios parecem unânimes. Nossa televisão é tão carente que os críticos se sentem obrigados a elogiar incondicionalmente qualquer suspiro de inteligência e beleza. Esperava de Daniel Piza, por exemplo, que ― apesar de ter contribuído como consultor ― fosse mais ponderado na sua avaliação, ou, pelo menos, que apontasse as restrições que deve ter encontrado em Capitu, como costuma fazer mesmo com filmes e livros de que gosta muito.

Mas as opiniões mais sensatas encontrei fora dos jornais. Um amigo, por exemplo, um cara que deve ligar a televisão duas vezes por ano, me disse que estava esperando Capitu como uma final de Copa do Mundo, e se decepcionou: achou difícil, pretensioso. Conversei com outras pessoas que acharam a mesma coisa.

Eu mesmo estou tomando cuidado para não escrever que a minissérie é ruim; não é. Vou continuar assistindo os próximos capítulos: achei muito boa, e é evidente que o pessoal se esforçou para isso. Só acho que talvez ela fosse um pouco melhor se esse esforço fosse mais discreto.

Eduardo Carvalho, no seu blog (que voltou a ser atualizado diariamente), na melhor opinião que li sobre Capitu até agora.

Julio Daio Borges
18/12/2008 às 13h33

 

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