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Segunda-feira, 13/4/2009
Clint: legado de tolerância
Vicente Escudero



Confusão ainda na fila: a maioria das pessoas aguardando para assistir a Gran Torino acreditava que a figura de Clint Eastwood, carregando um rifle em frente a um muscle car, seria outro anúncio de um filme de ação ou o retorno de Dirty Harry. Não foi à toa que a sessão acabou e a plateia permaneceu silenciosa, acompanhada pela voz rouca de Eastwood cantando um réquiem.

O filme é sóbrio e trata dos temas mais caros à América nos últimos anos. Clint Eastwood, atuando na direção e no papel que parece ser o último de sua carreira, interpreta Walt Kowalski, um recém-viúvo, metalúrgico aposentado e veterano da Guerra da Coréia vivendo em Detroit, num bairro onde a maioria dos vizinhos passou a ser de imigrantes orientais da etnia Hmong. Ranzinza, mal-humorado e racista, Walt se transforma aos poucos, até integrar-se à família dos novos vizinhos, numa convivência que é a metáfora do período de transição das últimas eleições nos EUA: a intolerância acaba derrotada pela mudança.

Clint se expõe corajosamente ao contrapor seu personagem ao antigo Dirty Harry, num exercício de desconstrução das antigas carnificinas através de ironias cortantes, como seus constantes disparos com as mãos, ridicularizando a violência e o uso de armas. Em meio a temas do dia a dia, como a banalização da violência, o consumismo e a imigração, Walt se transforma e escolhe as alternativas certas, os ideais tradicionais, formadores da sociedade americana ― a valorização do trabalho, além da aceitação dos estrangeiros ― e ensina Thao, seu jovem e tímido vizinho, um imigrante hmong, a perpetuar esses valores, numa demonstração do desencanto de Clint com parte da juventude americana atual.

Gran Torino é o melhor dos filmes de Clint Eastwood? Talvez. Embora trate de forma clara temas tão importantes para compreensão da atualidade, não é um filme simples, linear, com a exposição de um problema e sua solução. O enredo é repleto de alternativas para as encruzilhadas atuais da América. A leveza de Sue, que amacia a vida áspera de Walt, o esforço de seu irmão Thao para se afastar do ciclo mortal de violência das gangues e a união da família hmong acabam representando, além de soluções, um legado de tolerância deixado por Clint, numa interpretação cheia de sutilezas de um ator no auge da carreira. No final, o saldo é positivo: Gran Torino não é um legado apenas para Thao, mas também para toda a América.

Vicente Escudero
13/4/2009 às 10h08

 

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