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Sexta-feira, 15/5/2009
Há três anos, era 1533...
Vicente Escudero

Lembro com a clareza da luz emitida pelos postes de rua todo o frenesi que tomou conta de São Paulo há três anos, quando a firma 1533 decidiu, com a ajuda maciça dos paulistanos, decretar feriado na cidade.

Passei o dia 15 de maio e os seguintes sem entender nada do que acontecia. À tarde, no primeiro dia, os jornais mostravam pessoas deixando o trabalho apressadas, correndo para os ônibus, como se um tsunami estivesse prestes a atingir uma cidade distante do litoral. Tudo muito estranho; mesmo assim, mantive a rotina.

Fim da tarde. Lembrei da entrega de alguns filmes na locadora. Saí de carro, acompanhado da minha namorada, temerosa de que eu andasse na rua sozinho, ainda que a caminhada fosse de apenas três quarteirões. Absurdo: quando chegamos lá, os funcionários haviam afastado o caixa, localizado no balcão perpendicular à vitrine, colocando-o do lado oposto, distante de "tiros que poderiam vir de fora", segundo o atendente.

O estranhamento crescia. Decidi aproveitar a tranquilidade e jantar na padaria-restaurante ao lado da locadora. Os funcionários ficaram irritados com a nossa presença, ansiosos para fechar as portas e cruzar os braços. Bebemos sopa. Na saída, ao lado do carro, vimos o segurança de uma empresa dormindo na calçada, sentado em uma cadeira apoiada na parede. Foi então que alguém da firma passou para deixar um recado.

Um ratataear fortíssimo quebrou o silêncio. O barulho vinha do início da rua, duma curva, sem que pudéssemos ver sua origem. O segurança que dormia acordou, subitamente caiu de lado no chão e engatinhou como um filhote de onça assustado por debaixo do portão de arame da empresa. Antes que ele conseguisse soltar as costas do portão, o suposto tiroteio se revelou: um motorista idoso, com o rosto colado ao volante, dirigia uma Brasília velha, que não primava pela qualidade do motor. Rimos até o segurança se livrar, com a ajuda de amigos, do portão que o esmagava. Voltamos para casa.

Lembro de ter sido questionado várias vezes sobre as circunstâncias que levaram a firma a decretar o toque de recolher do dia 15 de maio de 2006. E a polícia, por que não impediu? E o Estado, não deveria agir com rigor? Pena de morte, pena de morte já! E eu pensava nos detentos que tinha visto no centro de Detenção Provisória I de Guarulhos, que visitei quando era estagiário do Ministério Público, acompanhando o Promotor das Execuções Penais. Aqueles caras presos? Aqueles caras amontoados, acocorados, andando em círculos, usando drogas, sem educação formal, vivendo num quadrado de concreto, dentro da cadeia, conseguiram fechar o maior centro financeiro da América Latina com um boato?

Depois de três anos, muitas reformas foram feitas. A mais importante de todas, a ortográfica, mudou o nome da firma 1533, para 1633. Alguém se habilita a dar umas aulas de português no Centro de Detenção?

Para ir além
Há 3 anos.

Vicente Escudero
15/5/2009 às 13h21

 

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