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Domingo, 12/1/2003
Vargas Llosa e Wittgenstein
Julio Daio Borges

E Mario Vargas Llosa descobriu, em Máncora, Wittgenstein...

"(...) leio a excelente biografia a ele dedicada por Ray Monk (Anagrama) e descubro nessas páginas que esse príncipe da lógica e das matemáticas, deve ter sido uma pessoa irresistível. Genial, sem dúvida, mas intratável e feroz, sobretudo com seus colegas e amigos que o admiravam e queriam bem e que faziam de tudo para ajudá-lo, como Bertrand Russell ou John Maynard Keynes.

"Com certeza, ele não teria aprovado o hedonismo, nem o materialismo, nem a frívola ligeireza da vida desses jovens ansiosos de gozar a todo custo (à custa de tudo), ávidos de bens materiais. Não. Ele pertencia a uma das famílias mais ricas da Europa, mas renunciou a toda a sua abundante fortuna para viver com austeridade monacal. Foi jardineiro de conventos, trabalhador industrial, mensageiro de laboratório e tentou seriamente deixar sua cátedra de filosofia de Cambridge para ir trabalhar como operário mecânico na Rússia.

"Ele sempre acreditou que o trabalho manual dignificava e que, em troca, o labor intelectual, sobretudo em sua versão acadêmica, tinha algo de irreal e, portanto, desprezível. Mas, apesar dessas idéias, foi um intelectual em grau extremo e deixou uma obra que continua fermentando nos claustros universitários de meio mundo, enquanto esses brilhantíssimos alunos de seus cursos, aos quais ele convencia a renunciar à filosofia e tornar-se camponeses e operários - foi esse o caso de seu amante Francis Skimmer - acabaram quase todos muito mal.

"Aqui em Máncora, nesse belíssimo lugar, Ludwig Wittgenstein teria sentido repulsa, horror no meio de todos esses belos adolescentes que cultivam seus corpos e são sensuais, alegres, superficiais, frívolos e que, em sua grande maioria, não chegam a desprezar a cultura, pois nem mesmo têm consciência de que ela existe. Mas também ele não teria aprovado essas vocações despertadas e aproveitadas pelo integralismo católico, apesar da religiosidade profunda que marcou sua vida e, talvez, também sua obra (ele acreditava que sim, mas os filósofos não o aceitam).

"Seu cristianismo não foi jamais gregário nem institucional, mas uma forja solitária, um esforço individual para reprimir em sua vida tudo aquilo que não fosse coerente com sua lista particular de valores, segundo a qual era preciso viver com total sobriedade e modéstia, desprezando o êxito, mas era lícito castigar os maus alunos (e ele fez isso como mestre-escola na Áustria) e humilhar publicamente os colegas menos talentosos do que ele (quase todos, na sua opinião).

"A biografia de Ludwig Wittgenstein me fascinou (...)"

[Hoje, no Estadão.]

Julio Daio Borges
12/1/2003 às 17h49

 

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