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Terça-feira, 23/2/2010
Guia afetivo da periferia
Egeu Laus

"Saber perder-se numa cidade não significa muito. Requer ignorancia, nada mais. No entanto, perder-se numa cidade, como alguém se perde numa floresta, requer um aprendizado especial." (Walter Benjamin)

As narrativas sobre as ruas do Rio sempre despertaram meu interesse - pois me ajudam a reconstruir permanentemente o meu Rio de Janeiro. Minha autoviação, que contém nomes como Radial Oeste, Piumbí e Piancó, Taylor e Moraes e Vale, Rezende e Gomes Freire. Ruas que comecei a trilhar (sim, andar é a melhor maneira de pensar) quando o autor do Guia afetivo da periferia (Aeroplano, 2009, 183 págs.) tinha um ano de idade.

Mas, com algumas poucas e boas exceções, as narrativas que conheço são aquilo que se diz das viagens com guias turísticos: um jogo de cartas marcadas. Mesmo um Antonio Fraga, no seu Desabrigo, de 1945, elogiado por Oswald de Andrade, me parece uma apropriação da linguagem das ruas para a sua literatura, mas sem a fluência da língua de quem fala (quem viveu nas ruas percebe uma gíria usada fora do exato sentido ou contexto).

O Guia afetivo da periferia, de Marcus Vinicius Faustini, no entanto, mais que mostrar um vivido Rio "periférico" revela um Rio interior e, portanto, "central": os sentidos do próprio autor e por essa janela aquilo que, pelo jeito, só os alemães conseguiram reduzir a uma palavra: Weltanschaaung ("visão de mundo", na falta de outra palavra).

Mas é interessante como, através de sua visão extremamente pessoal, descobrimos um Rio de Janeiro (e posso dizer um Brasil) moderno, que foi sendo construído da década de 1980 para cá. Um Rio sem políticas públicas mas com sons, cheiros, ruídos, visões, sobrevivências, desfoques, encontros, tramas, conexões, enfim, construções de toda sorte à margem dos poucos programas públicos, mas contendo aquilo que Jane Jacobs considera essencial para a vida de qualquer cidade: a diversidade das pessoas com suas vontades.

Portanto, além de muito saborosa, é generosa a narrativa. Ela nos permite, ao olhar para o que fizemos (e fazemos), pensar sobre o que somos e, quem sabe, nos ajudar a construir o que queremos. Algumas das bússolas deste século XXI, vislumbradas neste Guia, já parecem apontar alguns dos caminhos. A noção e a presença do Território como foco prioritário das ações urgentes para o desenvolvimento sustentável parece ser um deles.

Faustini nos entrega, como presente, uma caixa natalina contendo um kit com um jogo de lentes que aproximam/distanciam (cinema, talvez?), além de cartas para embaralhar num moderno Jogo da Memória onde o objetivo é juntar pares por oposição e, não, semelhança, acompanhado de uma fita com uma "Trilha Sonora de Sons e Sentidos". Mas, repare: olhando bem, você vai notar que no fundo da caixa está escrito Tupperware.

P.S.: Também gosto muito de conversar com as caixas de supermercado.
P.P.S.: Se puder, (para o seu Jogo da Memória) leia esse guia tendo ao lado Guimbaustrilho e outros mistérios suburbanos, de Nei Lopes, lançado em 2001.

Nota do Editor
Egeu Laus é designer, gestor cultural e communities manager.

Egeu Laus
23/2/2010 à 00h31

 

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