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Segunda-feira, 27/12/2010
Castells sobre o WikiLeaks
Julio Daio Borges

Como documentei no meu livro Comunicação e Poder, o poder se baseia no controle da comunicação. A reação histérica dos Estados Unidos e outros governos contra o WikiLeaks confirma isso. Entramos numa nova fase da comunicação política. Não tanto porque se revelem segredos ou fofocas mas porque eles se espalham por um canal que escapa aos aparatos de poder.

O vazamento de informações confidenciais é a fonte do jornalismo de investigação com que sonha qualquer meio de comunicação em busca de furos. Desde Bob Woodward e sua "Garganta Profunda" no Washington Post até as campanhas de Pedro J. [Ramírez, fundador do diário El Mundo] na política espanhola, a difusão da informação supostamente secreta é prática usual protegida pela liberdade de imprensa.

A diferença é que os meios de comunicação estão inscritos num contexto empresarial e político suscetível a pressões quando as informações resultam comprometedoras. Daí que a discussão acadêmica sobre se a internet é um meio de comunicação tem consequências práticas. Porque se o é (algo já estabelecido na investigação) está protegida pelo princípio constitucional da liberdade de expressão, e os veículos e jornalistas deveriam defender o WikiLeaks porque um dia pode ser a vez deles.

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Em qualquer hipótese, ninguém duvida que, se essas informações chegassem aos meios de comunicação, estes também quereriam publicá-las (se poderiam é outra questão). E mais: uma vez difundidas na rede, publicam-nas. O que está em questão é o controle dos governos sobre seus próprios vazamentos e sobre sua difusão por meios alternativos que escapam à censura direta ou indireta.

Um tema tão fundamental, que motivou uma reação sem precedentes nos Estados Unidos, com apelos ao assassinato de Assange por líderes republicanos e até colunistas do Washington Post e uma grita mundial generalizada de [Hugo] Chávez até [Silvio] Berlusconi, com a honrosa exceção de Lula e a significativa reação de [Vladimir] Putin.

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Com o mensageiro atrás das grades, falta mandar para lá a mensagem. E aí começam pressões que levam a que PayPal, Visa, MasterCard e o banco suíço do WikiLeaks fechem suas contas, que cancelem seu domínio e que a Amazon o remova de seus servidores (o que não impede a Amazon de oferecer por 7 dólares o conjunto completo de e-mails vazados).

A contraofensiva internauta não se fez esperar. Os ataques de serviços de inteligência contra a rede do Wikileaks fracassaram porque proliferaram as redes espelho, ou seja, cópias imediatas das redes existentes, mas com outro endereço. A esta altura há mais de mil em funcionamento (se quiser ver a lista google wikileaks.mirror). Em represália à tentativa de silenciar o WikiLeaks, Anonymous, uma popular rede hacker, coordenou ataques contra as empresas e instituições que o fizeram. Milhares de voluntários se juntaram à festa, utilizando o Facebook e Twitter, embora com crescentes restrições. Os amigos do WikiLeaks no Facebook superaram o milhão e aumentam a uma pessoa por segundo. WikiLeaks distribuiu a 100.000 usuários um documento encriptado com segredos supostamente mais danosos para os poderosos, cuja chave se espalharia caso a perseguição se intensifique.

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Como dizia Hillary Clinton em sua declaração de janeiro de 2010: "A internet é a infraestrutura icônica da nossa era... Como acontecia com as ditaduras do passado, há governos que se voltam contra os que pensam de forma independente usando esses instrumentos". Agora ela aplica a si mesma essa reflexão?

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A ciberguerra começou. Não uma ciberguerra entre Estados como se esperava, mas entre os Estados e a sociedade civil internauta. Nunca mais os governos poderão estar seguros de manter seus cidadãos na ignorância de suas manobras. Porque enquanto houver pessoas dispostas a fazer leaks e uma internet povoada por wikis surgirão novas gerações de wikileaks.

Manuel Castells, em tradução do Observatório da Imprensa.

Julio Daio Borges
27/12/2010 à 00h09

 

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