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Sexta-feira, 1/4/2005
Paraísos artificiais
Julio Daio Borges

Paulo Henriques Britto

A meu ver, Faulkner é um escritor bem mais tradicional do que Rosa e Joyce. É um ótimo contador de histórias, criador de personagens e enredos rocambolescos, com muito melodrama - incesto, assassinato, estupro, mestiçagem (tema que ainda causava frisson na época dele). Mas Ulisses desabou sobre Faulkner como uma espécie de imposição: é preciso ser moderno, ser experimental, ser difícil. E aí ele escreveu O som e a fúria, livro dificílimo, com quatro focos narrativos diferentes, muito stream of consciousness, diálogos sem pontuação, etc. O primeiro narrador é retardado; o segundo está se preparando para o suicídio; mas o terceiro e o quarto episódios são bem mais lineares, e ao final do livro tudo está esclarecido. Esse fato - a necessidade de deixar tudo explicado no final - já aponta para a contradição entre o tradicional e o moderno que chama a atenção no livro. A complexidade de Faulkner sempre me dá a impressão de ser um pouco postiça, sem a integração orgânica com a totalidade da obra que vemos em Joyce ou em Rosa.

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Na minha opinião, existe muita coisa boa na poesia brasileira atual, e não acho que o que se faz agora não passe de pastiche de Cabral e Drummond (...). É natural que os poetas de agora estejam explorando o imenso território desbravado pelos modernistas clássicos. É de se esperar que estejam dialogando com Cabral e Drummond, e Bandeira e Pessoa e Murilo Mendes, e Eliot e Pound e Rilke e Mallarmé e García Lorca, e também com o concretismo e com a grande música popular dos anos 60 - para mim e para muitos da minha geração, Chico Buarque e Caetano Veloso e Bob Dylan também são mestres. É assim que se faz poesia: dialogando com os antecessores, respondendo a eles, por vezes até brigando com eles - Harold Bloom escreveu uma série de livros muito bons sobre isso, mostrando como os românticos ingleses tiveram que enfrentar a sombra acachapante de Milton. É justamente este diálogo com os "poetas fortes" das gerações anteriores que faz o que se chama de uma tradição.

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A poesia marginal foi uma reação saudável ao excesso de cerebralismo dos concretos. A maior parte dela ficou datada, mas alguma coisa sólida restou do movimento, como o melhor de Ana Cristina César e Chacal, entre outros. A poesia de Chico Alvim, que tem alguns pontos de contato com a poesia marginal, na verdade desde o começo tinha um diferencial: longe de ser um derramamento ingênuo das emoções pessoais, ela dava voz ao outro; com o passar dos anos ficou claro que o projeto dele é personalíssimo, e a meu ver admirável. Quanto a Leminski, seu trabalho me parece uma diluição do poema-piada oswaldiano com pitadas de concretismo, um poesia que depende acima de tudo de trocadilhos e outros achados verbais que, quando lidos pela segunda vez, perdem boa parte do interesse.

Paulo Henriques Britto, senhor tradutor, poeta e agora contista, no Rascunho (porque o Rogério Pereira é, como eu, um faz-tudo).

Julio Daio Borges
1/4/2005 às 14h48

 

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