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Quarta-feira, 11/5/2005
Livros felizes
Andréa Trompczynski

Em minha cidade há somente um escritor. Ele já publicou um livro, alguns anos atrás. Um escritor de cidade pequena, comum, foi até eleito vereador. Um escritor bom. Não, não que escreva bem. Ele é péssimo, fala sobre a mãe como a rainha do lar, essas coisas de escritor de cidade pequena. É bondoso, anda pelas ruas sorrindo, publica poesias no jornalzinho local e escreve crônicas bondosas em datas comemorativas. Não parece se atormentar com cruéis dúvidas sobre quem ele é, perder o sono tentando encontrar modos menos doloridos de escoar os malditos pensamentos.

O escritor bondoso foi homenageado na festa de fim-de-ano da escola de meu filho. Falou da importância de ler. Disse aquela frase do Lobato, construir um país com homens e livros. Eu não sabia o que sentir, era raiva, depois piedade. Foi aplaudido quando doou seus livros felizes para a escola. Então uma putrefata inveja veio de minha metade Mr. Hide. Os bons são aplaudidos nas cidades do interior, eu nunca seria aplaudida, merda. Minha mãe pegou em meu braço e sussurou: "olha, um dia será você ali. Eu sempre falo para todos que você escreve, filha". Agradeci em pensamento a um deus qualquer por ela nunca ter lido. Era melhor que pensasse que eu falava sobre brilho da lua e coisas assim, como o escritor bondoso, que pensasse que um dia eu estaria ali.

Andréa Trompczynski
11/5/2005 às 09h46

 

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