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Sábado, 23/7/2005
Ed Motta: Jazz na Praça
Fabio Silvestre Cardoso

Quem passasse pela Praça Santos Dumont ontem (sexta-feira, 22), por volta das 20h, jamais diria que ali, alguns minutos depois, o local abrigaria o show de estréia do novo álbum de Ed Motta, Aystelum. O coreto estava vazio, e o local parecia fadado a ser contaminado pelos fortes ventos que cortavam a noite de Búzios. Para o bem e para o mal, as aparências enganam. É bem verdade que o cantor atrasou mais que o esperado; é bem verdade também que, no início, sua persona pareceu um tanto distante do público presente, chegando a demorar 20 minutos para saudar os presentes; nada disso, no entanto, foi capaz de ofuscar sua brilhante aparição no 8º Visa Búzios Jazz & Blues.

Ao som dos aplausos, Ed Motta subiu ao palco e a cena que se seguiu foi, no mínimo, curiosa. Junto com o Septeto Euphonico Moderno, o cantor caminhou tranqüilamente até seu piano elétrico. Silêncio. Uma vez acomodado, o público assistiu uma eletrizante polifonia instrumental, como se os instrumentos partissem cada qual de seu universo particular para adentrar um outro, em conjunto. A partir desse momento, o sax, tocado por Idriss Boudriua, e a bateria de Renato Calmon tomaram controle da situação e o jazz finalmente se sobrepôs àquela espécie de introdução dodecafônica (ou, como disse uma jornalista ao meu lado, "música para músico").

Além dessa música, digamos, incidental, havia outro detalhe dissonante na formação de Ed Motta e de seu septeto. No palco, os músicos se organizavam em formato oval, sendo que a bateria ficava do lado esquerdo e a guitarra, tocada por Paulinho Guitarra, ficava ao fundo. Ed Motta, que revelou ter adotado esse formato com base nos conjuntos de Jazz dos anos 50, ficou ao centro, como que no controle das vibrações e das ondas sonoras. Assim, e não por acaso, notava-se uma unidade musical no grupo que poucos conjuntos possuem, até mesmo os mais ensaiados. Cada instrumento fazia sua parte em prol do conjunto, muito embora tenha havido espaço para os solos e para as improvisações de cada um.

No que se refere à música, entretanto, ao mesmo tempo em que se mostrava impressionado, até aquele momento não existia uma conexão muito forte entre artista e público. Essa "relação" começou a virar quando, ao expor alguns elementos do novo disco, Ed Motta seguiu nos vocais e entoou "The Rose that came from blue", numa quebra de ritmo e de estilo, utilizando as singulares nuances de sua voz, do grave para o agudo, como se as cordas vocais fossem o teclado de piano a ser usado aleatoriamente. Em seguida, agora embalando os namorados da Praça, cantou um dos poucos "hits" clássicos de seu repertório (todo voltado para o novo CD): "Fora da lei". Decididamente, as pessoas já estavam mais à vontade.

E foi graças a isso, quase numa ironia, que ele ficou mais livre para interpretar, e como ele mesmo disse depois na entrevista, adaptar ao vivo o repertório exaustivamente ensaiado em estúdio. A platéia, mais animada, já interagia com sinceridade às apostas jazzísticas do excelente Septeto, que, além dos já citados, é formado por Rafael Vernet (teclado), Jessé Sadoc (trompete) e Alberto Continentino (baixo acústico).

Na última parte da apresentação, o que mais surpreendeu não foi a esperada reação da audiência durante a execução de "Colombina", mas, sim, a participação geral quando Ed Motta incitou a platéia a repetir sua vocalize. Em coro, a Praça consentiu. A recíproca foi tão verdadeira que o cantor ficou impressionado no público e no privado, e na entrevista subseqüente se disse surpreendido pelo fato de ninguém ter pedido para ele tocar "Manuel". Perguntado por este repórter qual seria sua reação se isso tivesse ocorrido, a resposta foi categórica: "Não faria. O artista não está onde o povo está; o artista está na cabeça dele". Uma consideração para lá de sincera, da mesma forma que a atitude do público ao longo do espetáculo.

* fotos de Sylvana Graça.

Ingleses e americanos nos palcos de Búzios

A noite ainda não havia acabado. De volta ao Pátio Havana, no mesmo momento em que um bem-humorado Ed Motta jantava e concedia uma animada coletiva aos jornalistas, o percussionista James Harris e o saxofonista Trevor Watts, da Inglaterra, iniciavam a apresentação mais virtuose desse festival. Assim, de um lado, ficou evidente que a dupla possui um talento e uma técnica instrumental muito peculiar. Por outro lado, é também notória a distância de sua arte para com o público médio (em que pese o fato de estarmos num gênero, o jazz, cuja educação musical funciona como uma espécie de pré-requisito). Prova disso foi a temperada resposta dos presentes no Bistrô durante a apresentação. Alguns beliscavam seus pedidos; outros conversavam; e poucos prestavam verdadeira atenção na dupla.

Comportamento absolutamente diferente para com o duo norte-americano formado pelo multi-instrumentista Kurt Brunus e pela versátil cantora Cynthia Bland. O repertório, que verdadeiramente incendiou a platéia do Chez Michou, teve de tudo um pouco: reggae, rap, hip hop, soul e muito rythm & blues, talvez a principal assinatura do conjunto. No auge do show, após terem tocado clássicos como "No Woman, no Cry" e "I shot the sheriff", houve espaço até para uma de Jorge Ben: "Mas que nada", num português espantosamente bem pronunciado. Sem dúvida, o espetáculo em que o público mais interagiu.

Última noite
Hoje, o festival se encerra com a apresentação do Mestre de Cerimônias Léo Gandelman na Praça Santos Dumont (20h) e de Vernon Reid e The Masque no Chez Michou (24h), entre outros.

Confira a programação completa aqui.

E amanhã tem mais.

Fabio Silvestre Cardoso
23/7/2005 às 14h31

 

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