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Domingo, 18/9/2005
São Francisco Xavier IV
Julio Daio Borges


(Começa aqui...)

* * *

Nosso último dia em São Francisco Xavier começou agitado na pousada Kolibri, com a presença de umas senhoras que praticamente haviam debandado de São Paulo, inopinadamente, no dia anterior, e que agora dividiam conosco o café-da-manhã. A mais simpática, e mais falante (também a primeira a acordar), reclamou muito das convenções sociais de São Paulo, etc. e tal, o que nos permitiu concluir que, talvez, freqüentasse a alta sociedade (longos bocejos nesta hora...). Para que se tenha uma idéia, do "ânimo" de seus compromissos sociais, preferia, em certas ocasiões, juntar-se à trupe dos Night Bikers (sim, dos Bicicleteiros Noturnos) a participar de uma festa ou de um jantar. Não sei se dizia isso só pra agradar (ou para se enturmar), mas o fato é que estava lá.

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Nesse dia, na biblioteca da Fred, finalmente meti as caras na sua coleção da Pléiade, de Flaubert, e passei uns bons momentos lendo a introdução às obras completas do autor de Madame Bovary (quase descobri porque o Milton Hatoum perdeu quase toda a vida em sua Educação Sentimental). As senhoras do parágrafo anterior, ao me verem refestelado na poltrona, com Flaubert ao lado, abriram e fecharam a porta, furtivamente, como se interrompessem uma reunião (quase as convidei para entrar, mas Flaubert, neste instante, me puxou pelo braço...). Preferiram sentar-se lá fora, mas eu podia ouvir ainda seu alarido através da porta. Quando a Carol chegou, conhecemos o cãozinho de uma delas - que havia participado também da viagem peremptória e que tinha um nome sugestivo, viril, embora fosse baixinho e atarracado: algo como "Conan, o Bárbaro", "Stallone Cobra", "Rocky, o Lutador" ou "Duro de Matar" (enfim, uma inspiração similar). Como contraponto, a Fred nos mostrou seu deck, contou-nos de sua filha estudando artes na França e ficamos de visitar os chalés da Kolibri mais tarde.

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Nossa próxima parada foi, de novo, A Rosa e o Rei. Entre o Fred e a Fred, mais uma vez. Como o Leitor deve se lembrar, ele havia nos convidado para uma "prática" lá, dois dias atrás (as aspas são por conta do mistério envolvendo a tal prática). O Fred, embora fosse um homem muito sério, determinado e objetivo, às vezes falava por parábolas. Naquele então, havia anunciado a "prática" como uma caminhada pelo rio (o Rio do Peixe), onde a água era muito fria e trazia o "praticante" obrigatoriamente "para o presente". "As pessoas não querem vir para o presente", o Fred enunciava. "As pessoas não querem mudança - as pessoas fogem da mudança", concluía solene. Segundo ele, até, naquele dia da prática, sentia a falta de mais pessoas, que também haviam recebido, como nós, o convite, mas que - conforme ele mesmo previra - fugiram da "prática", do rio, da água gelada e do "presente", por conseguinte.

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Para quebrar o tom solene, estava lá o Wilson, amigo de 30 anos do Fred (também apresentado aqui anteriormente) e que fazia piadas com o nosso guia: "Veja esse sujeito: ontem, ele estava na bolsa de valores, ganhando e perdendo milhões todos os dias - agora nos leva por esse rio acima...". O Fred não se abalava: "Agora, nós vamos voltar a andar de quatro. Cada um vai no seu próprio ritmo. Não confie nunca em nenhuma pedra. E só ajude o outro se o outro pedir. Nós temos essa mania de querer ajudar...". E num trecho mais pantanoso, onde supostamente havia o risco de encontrarmos alguma cobra: "Agora, aqui, nós vamos conhecer o medo...". Gozações e instruções à parte, a paisagem era deslumbrante, a água, geladíssima e os nossos companheiros de safári, divertidíssimos. Eu me lembrei do Bufo & Spallanzani, do Rubem Fonseca - daquela turma, daquela fazenda. A situação não era exatamente a mesma, mas eu via, em cada personagem, um potencial riquíssimo.

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Entre os "praticantes" estavam (vou descrever grosseiramente, tá?), além de mim, da Carol, do Fred e do Wilson, um casal, ele da área de eventos corporativos, ela aparentemente uma loira de outro país, mais um médico, que eu - provocativamente - chamava de "engenheiro". O Engenheiro, sim, queria nos trazer "para o presente" o tempo todo. Ficava a cargo dos detalhes estritamente técnicos da travessia. "Fred, você saberia me dizer qual é a temperatura desta água aqui?"; "Quanto tempo até a cachoeira agora, Fred?"; "Você já reparou [Fred] que a natureza não é nada linear e que o homem constrói tudo linearmente?". Nessa hora, não agüentei e disparei: "Você é engenheiro, não é?" (Eu sei, eu sou engenheiro por formação.) Não, não era: era médico. Mas seus irmãos eram todos engenheiros. (Não falei?) Estou sendo injusto com o Engenheiro; ele era simpático e, profissional da área "gastrointestinal", prometeu não esquecer o nome "Digestivo Cultural". "Um nome sugestivo", completou, lá trás na fila, o Wilson. (Doutor Engenheiro, se estiver lendo isto, mande um sinal de vida!)

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Não descemos até a tal cachoeira mais ambicionada pelo Engenheiro. O Fred, comprovando nossa falta de habilidade, para o canyoning, aconselhou pegarmos a trilha, por terra (ele sabiamente nos encontraria depois na recepção da pousada). A cachoeira - na linha d'A Rosa e d'O Rei - era maravilhosa, mas geladíssima. Ali, sim, voltei para o presente; e conheci o medo. (O medo da cãibra.) A Carol - muito mais experiente em cachoeiras do que eu - não agüentou. Saldo sem cãibra (ao contrário do que o previsto): um joelho meio ralado e um "calombinho" na perna esquerda. Tudo bem, pois até o Fred, nosso guia, arrancou de si uma lasca. A despedida, de todos, incluindo a Simara, que nesse momento arranhava um violão com o filho (ela é crooner, lembra?), foi breve, porque nos aguardava um almoço no Dakini Restaurante. O Doutor Engenheiro ainda nos segurou, por alguns minutos, contando detalhes da sua lua-de-mel ali perto, em Monte Verde, e calculando incessantemente os declives (e aclives) d'A Rosa e o Rei.

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O Dakini Restaurante começou no centro da cidade. Acontece, porém, que o dono da mais tradicional pousada de São Francisco Xavier, a Vila Santa Bárbara, freqüentava muito o lugar e, como cliente bastante assíduo de lá, um dia sugeriu à Cláudia (proprietária) que o instalasse na sua pousada. A combinação deu certo, mas o antigo dono da Vila Santa Bárbara estava se dividindo exaustivamente entre São Francisco Xavier e Ubatuba (onde efetivamente residia), "de formas que" decidiu oferecer a pousada para a mesma Cláudia. Profissional de coaching e de eventos empresariais em São Paulo, a Cláudia, por sua vez, estava cansada da vida-louca-vida da metrópole, e decidiu fincar suas raízes, definitivamente, em São Francisco Xavier. Hoje, como dona de restaurante e de pousada (a mais indicada pelo Guia Quatro Rodas), trabalha igual ou até mais do que em São Paulo - mas está mais realizada (e morre de preguiça de voltar, mesmo que por tempo limitado, quando tem - por exemplo - de visitar a sobrinhada...). A Cláudia nos convidou para almoçar no Dakini e conhecer a Vila Santa Bárbara.

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Comemos boas massas e boas saladas com uma vista privilegiada para um outro vale (não sei se a foto mostra...). Nossos companheiros, além de um casal conhecido na noite anterior, no Photozofia, graças ao Luiz Fernando e à Debora, foram os pássaros coloridos da pousada da Cláudia. Pretos, azuis e até vermelhos, vinham comer lascas de mamão e resistiram bravamente aos clicks da Carol (vocês, infelizmente, não vão poder vê-los...). Era com um certo pesar que já nos preparávamos para abandonar São Francisco Xavier. Depois do almoço, da sobremesa e do café, ainda fomos conhecer os chalés por dentro (ou antes?), e admiramos as decorações sempre em tons de verde, enquanto ouvíamos atentamente os planos que a Cláudia tinha para alguns aperfeiçoamentos. A Cláudia ainda nos convidou para ser a nossa próxima anfitriã, numa próxima ida a São Francisco Xavier (Cláudia, devemos tomar isso a sério? Olha que tomaremos...).

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O adeus à Fred, nossa anfitriã na Kolibri, foi auspicioso, cheio de promessas de novos encontros (Fred, aguarde). Visitamos, antes de ir, os chalés dela (já que ficamos numa "baia", lembram?). Num círculo um pouco mais afastado da recepção da Kolibri, os chalés se encontravam num território da mais pura tranqüilidade. No caminho, pisando nas pedrinhas, eu e a Carol planejávamos uma excursão familiar pra lá... O adeus à Fred foi tão difícil quanto o foi também, creiam, à Soquete, nossa amiga gata, que mereceu clicks exclusivos da Carol e que, por isso, tem agora até comunidade no Orkut (lá, a Fred proclamou: "Veja que, para fazer sucesso na mídia, não é preciso ser bonita"). O adeus ao Sandro e à Patrícia, do Photozofia, foi igualmente melancólico mas igualmente auspicioso, no sentido de guardar promessas de retorno. A surpresa ficou por conta do encontro inesperado com a Gyata, talentosa artista plástica, de quem víamos os quadros em todo lugar (mas bastante conhecida também por prezar muito sua privacidade). Com a Gyata, havíamos completado a nossa saga. Tchau, São Francisco Xavier... Tchau a todos - amigos - e até a volta!

* fotos de Ana Carolina Albuquerque

Julio Daio Borges
18/9/2005 às 17h37

 

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