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Sexta-feira, 2/12/2005
Moinho de sonhos
Julio Daio Borges

A mulher e o menino iam montados no cavalo; o homem ia ao lado, a pé. Andavam sem rumo havia semanas, até que deram numa aldeia à beira de um rio, onde as oliveiras vicejavam.

Fizeram uma pausa e, como a gente ali era hospitaleira e a oferta de serviço abundante, resolveram ficar. O homem arranjou emprego num moinho próximo à aldeia. A mulher se juntou a outras que colhiam azeitonas em terras ao redor de um castelo. Levou consigo o menino que, no meio do caminho, achou um velho cabo de vassoura e fez dele o seu cavalo. Deu-lhe o nome de Rocinante.

Ao chegar aos olivais, o menino encontrou o filho de outra colhedeira - um garoto que se exibia com um escudo e uma espada de pau.

Os dois se observaram à distância. Cada um se manteve junto à sua mãe, sem saber como se libertar dela. Vigiavam-se. Era preciso coragem para se acercar. Mas meninos são assim: se há abismos, inventam pontes.

De súbito, estavam frente a frente. Puseram-se a conversar, embora um e outro continuassem na sua. Logo esse já sabia o nome daquele: o menino recém-chegado se chamava Alonso; o outro, Sancho. Começaram a se misturar:

- Deixa eu brincar com seu cavalo? - pediu Sancho.
- Só se você me emprestar sua espada - respondeu Alonso.

Iam se entendendo, apesar de assustados com a felicidade da nova companhia. Avançaram na entrega:

- Tá vendo aquele moinho gigante? - apontou Alonso. - Meu pai sozinho é que faz ele girar.
- Seu pai deve ter braços enormes - disse Sancho.
- Tem! Mas nem precisava - respondeu Alonso. - Ele move o moinho com um sopro.

Sancho achou graça. Também tinha uma proeza a contar:

- Tá vendo o castelo ali? - apontou. - Meu pai disse que o dono tem tanta terra, que o céu não dá pra cobrir toda ela.
- E se a gente esticasse o céu como uma lona e cobrisse o que tá faltando? - propôs Alonso.
- Seria legal - disse Sancho. - Mas ia dar um trabalhão. Temos de crescer primeiro.
- Bom, enquanto a gente cresce, vamos pensar num jeito de subir até o céu! - disse Alonso.
- Vamos! - concordou Sancho.

Sentaram-se na relva. O cavalo, a espada e o escudo, entre os dois. Um sopro de vento passou por eles. Já eram amigos: moviam juntos o mesmo sonho.

João Anzanello Carrascoza, autor de Dias raros e O menino que furou o céu, no Rascunho de outubro.

Julio Daio Borges
2/12/2005 às 11h37

 

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