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Segunda-feira, 9/1/2006
Para além do jornalismo
Fabio Silvestre Cardoso

Dia desses, um amigo, que é professor de jornalismo, mandou um e-mail para uma lista de colegas (eu incluso) em que fazia loas e vivas a uma reportagem da Folha de S.Paulo, assinada pelo repórter Sérgio Dávila. Segundo este amigo, o texto da Folha era uma resistência do chamado jornalismo investigativo, pois trazia um completo relato feito no battlefield, e não um trabalho meramente burocrático, feito da própria redação, como a maior parte dos jornalistas faz hoje. Não sou de responder essas mensagens, assim, gerais, mas repliquei ao meu colega dizendo que, apesar da qualidade daquele texto em questão (e Sérgio Dávila é um jornalista que não precisa de apresentações), o que jornalismo brasileiro pratica em termos de reportagem é pífio, salvo as raras exceções de sempre.

Exagero? Ora, o leitor que quiser colocar isso à prova basta apreciar (esta é a palavra) o brilhante texto do jornalista norte-americano Isidor Feinstein Stone no livro O julgamento de Sócrates, reeditado agora pela Companhia das Letras a propósito do selo Companhia de Bolso. Como o título tão bem sugere, trata-se de uma reportagem investigativa acerca do julgamento do filósofo grego Sócrates. Isso mesmo. Esqueça a cobertura arroz-com-feijão das CPIs, do cotidiano do Congresso e de toda essa politicagem miúda que se faz no Brasil. O que I.F. Stone produz é um estudo que levou anos para ser finalizado. Para tanto, o autor utilizou toda sua experiência como jornalista independente (sua newsletter era lida por nomes como Albert Einstein e Eleanor Roosevelt) para trazer a compreensão dos eventos daquela época.

Na apresentação inicial, I.F. Stone assume as dificuldades de trazer um relato acerca do julgamento de Sócrates. De um lado, porque, ao contrário de outros eventos, esse não pôde ser noticiado ali, no calor da hora. Logo, era necessário recorrer às fontes secundárias para trazer o relato. Por outro lado, o autor explica porque esse mesmo relato necessita ser desconstruído (arre, Derrida!) a fim de encontrar o "Sócrates histórico". A esses dois elementos, é necessário trazer um outro à baila: I.F. Stone mergulhou num universo para além da relação culpado/inocente, pois, como se não bastasse, o assunto é Filosofia.

O jornalista assim remonta inicialmente o cenário daquele período, mais precisamente a perspectiva de Sócrates a respeito das divergências básicas entre o que significava a polis. Seria a cidade livre, como queriam os gregos, ou um rebanho, como pensava Sócrates? Como diz o chavão, este era apenas a ponta do iceberg. Num olhar mais atento, observa-se que Sócrates possuía até mesmo um ideal de vida que divergia daquele pensado para os gregos. Para o filósofo, o ideal era a não-participação na vida pública, o que para os gregos era inviável, para dizer o mínimo, porque todos precisam ter uma função. Stone analisa os argumentos de cada uma das partes e mostra como Sócrates estava mais dissidente do que se imagina.

Em determinados momentos, tanto pelos termos empregados - conseqüência do tema - como pela natureza absoluta e abstrata da discussão, o leitor tem a sensação de que acompanha não uma reportagem, mas um tratado que se encerra em si mesmo. Contudo, observa-se que I.F. Stone não foge às regras do jornalismo de resultados, se assim é possível chamar, e parte para uma conclusão original de sua investigação. Aqui, novamente chama a atenção a referência a estudos e a variadas interpretações - sendo que a de "caça às bruxas em Atenas" é uma das mais curiosas.

Pode-se argumentar, com razão, que o jornalismo vive uma de suas piores crises e que não há, por parte das empresas de comunicação, investimento adequado na realização de trabalhos jornalísticos em profundidade. Entretanto, não custa lembrar que a pesquisa de I.F. Stone não demandou recursos financeiros por parte de grandes empresas - até porque, como assinala Sérgio Augusto no prefácio, ele não era cortejado pelo status quo - mas, isso sim, talento, leitura e uma dedicação de abnegado. É por isso que o leitor vai desconfiar. Está além do nosso jornalismo.

Fabio Silvestre Cardoso
9/1/2006 às 17h55

 

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