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Sexta-feira, 9/6/2006
As IV Estações de Mim
Julio Daio Borges

Tenho dormido tarde, acordado tarde, trabalhado mais do que devo e menos do que preciso. Em dias como este, em que a luz do outono em Curitiba me entorpece, acabo por fazer mais bobagens do que me é normal.

Enlouqueci.

É assim todo começo de outono.

E este ano há dois agravantes. O primeiro é que meus hormônios estão como cavalos xucros vestidos em selas mal arranjadas: impossíveis de serem domados. O que não é incomum em nós mulheres, esses bichos em que não se pode confiar. Efeito colateral de nossas curvas.

O segundo é que me apaixonei por minhas fantasias. Perdidamente. Feito Florentino Ariza, ando comendo flores e bebendo perfume de tanto amor por elas.

Não posso fazer nada em relação ao primeiro, nem preciso: passa. Já quanto ao segundo...

Gosto dele.

E me divirto ficando à margem de mim mesma, tentando impor à vida um ritmo diferente do que ela realmente tem. Eu sei que tem.

Por isso não me estranhe. Não me leve a sério. Não se importe comigo. Não dê ouvidos às minhas solicitações manhosas.

É o efeito do perfume.

Que beberei até a última gota.

* * *

E viverei feliz até o inverno cair. E passarei meus dias a contar as últimas folhas de bordo que caem em meu jardim. E verei meu mundo cor de laranja escorrer cinza em forma de pingos no vidro de minhas janelas.

Meus amores me abandonarão.

E irei me esconder sob meus casacos, tal qual a rainha da Dinamarca a ocultar as lágrimas em óculos escuros e elegantes chapéus ingleses. Ouvirei Billie Holiday. Não limparei a lama em minhas botas sujas das calçadas molhadas que cercam os bares da cidade. Até que o perfume acabe.

Então cuide de mim. Diga que sente minha falta e que nada no mundo pode mudar o futuro que nunca tivemos.

* * *

Minha primavera será verde e rosa como Cartola. Chegará de uma só vez, igual às floradas de cerejeiras no Japão. E será tão intensa com todos aqueles seus cheiros doces e toda a gente na rua que me obrigará a não mais pensar em meus cavalos xucros e em minhas fantasias e nas minhas botas sujas. Passarei o pano limpo na janela cinza. E agora já sem os óculos nem os chapéus, desnuda em calcinhas de algodão, vou acordar acompanhada de um belo homem. Mas lembrarei de você ainda. E desejarei ter feito as coisas de modo diferente. Desejarei ter sido o que você queria tornar-se. Serei bela. Mas não serei sua.

Me esqueça.

* * *

Pois vou estar ocupada com o meu cio de verão, quando novos, breves e contrariados amores me farão passar os dias à beira da praia rindo com amigos, contando as indiscrições da noite anterior, até o clima e os ânimos e os cios amainarem-se e a minha árvore de bordo começar a soltar suas folhas.

* * *

E Curitiba irá me entorpecer de novo, como todos os anos. Sentirei saudades. Descerei com o cachorro até a pracinha na esquina de casa logo pela manhã; com um cigarro na mão; olhando para o céu e pensado em como diabos esta cidade é bonita nesta época do ano. E alimentarei fantasias que me preencham os dias. E tudo será alegre como hoje. E poderei então beber perfume e comer flores novamente, louca de amores por mim.

Michelle Martins Pinto, no Cornélio.

Julio Daio Borges
9/6/2006 às 08h31

 

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