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Segunda-feira, 17/7/2006
O Chico Buarque do Rock
Marcelo Spalding

Vidas interrompidas são vidas eternas, são vidas pela metade, são vidas com afazeres, promessas não cumpridas mas gravadas no imaginário de cada fã. Vidas de artistas, quando interrompidas, não interrompem a arte, multiplicam-na; a metade que lhes falta é preenchida pelo mito. E este parece ser o caso de Renato Russo.

Muitos de vocês lerão aqui no site sobre os 20 anos do segundo disco do Legião Urbana, Dois, e, de certo, muitos adjetivos, superlativos, lembranças e saudades desfilarão por estas páginas. Mas quero ficar com uma definição corajosa e precisa feita por Nelson Motta em seu livro Noites tropicais: "Renato Russo é o Chico Buarque do rock brasileiro".

Nossa geração, nascida entre os anos 70 e 80, talvez considere a comparação um disparate, enquanto a geração de nossos pais - e especialmente as nossas mães - pode considerá-la uma heresia (com o Chico). Mas não se trata de escolher um degrau mais alto em um pódio imaginário para um ou outro: quando Nelson Motta coloca em linha Chico e Renato está olhando por trás da música, por trás da voz, por trás da personalidade, por trás das polêmicas; está lendo a letra.

Para mim, Renato Russo é acima de tudo um grande letrista. Não cheguei a ver nenhum de seus shows, não convivi com o Renato homem, apenas o Renato mito, já falecido. Portanto não posso falar do artista. Menos ainda gosto da origem punk, e talvez por isso o Acústico póstumo me soou tão bem ("Teatro dos Vampiros", a sete, é fantástica). E a prova de que as letras sobreviveram ao compositor é que hoje ela está eternizada em milhões de páginas da internet, milhares de agendas escolares, estampadas em camisetas e regravadas pelos novos nomes da MPB. Sobreviveram ao próprio artista, ao contexto político em que foram escritas, à geração que outrora foi adolescente e hoje não encontra quem tão bem descreva suas angústias como o fez aquele poeta dos anos 80.

Só que Chico - e sua geração - lutava(m) por uma causa concreta, o país bem ou mal se democratizou e aqueles que estavam ao seu lado hoje estão no poder. Renato já era filho da ditadura combatida por Chico, natural da capital de concreto, a causa dele já não era tão clara, seus gritos já não tinham tanta certeza. Morreu, deixou-se morrer e levar pelo vício, pelo vírus, como não poderia deixar de ser. Mas tendo interrompido sua carreira e suas promessas, fica uma angústia desesperada por saber o que teria feito Renato na idade dos cabelos brancos.

Quantas chances desperdicei
Quando o que eu mais queria
Era provar pra todo mundo
Que eu não precisava
Provar nada pra ninguém.


Vinte anos e a gente ainda sabe a letra inteira. E isso num mercado de sucessos-relâmpago, celebridades fugazes, hits descartáveis. Vinte anos e, "quase sem querer", o poeta dos anos 80 atravessou o milênio e encanta (também) a geração dos filhos de Eduardo e Mônica.

Marcelo Spalding
17/7/2006 às 13h44

 

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