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Quinta-feira, 20/7/2006
Memórias de Dois
Renata de Albuquerque

Eu tinha só dez anos quando Dois foi lançado. Na quarta série primária, parecia mais óbvio gostar de Xuxa, Balão Mágico, essas coisas. Mas o fato é que tenho um tio apenas doze anos mais velho que eu. Em 1986, portanto, ele tinha 22. Idade perfeita para gostar de Legião Urbana.

Então, nessa tenra idade, por influência dele, com quem convivia de perto, eu já ouvia Lulu Santos, Kid Abelha & os Abóboras Selvagens, Legião Urbana. Com o tempo, claro, fui apurando meus gostos, achando meus próprios ídolos musicais e criando uma identidade particular. Mas tem coisas que são tão fundamentais na vida da gente que ficam para sempre. E o gosto por Legião Urbana foi uma dessas coisas.

Me lembro que, aos dez anos, "Daniel na Cova dos Leões" era um grande enigma para minha compreensão. Aliás, muitas das canções desse disco só começaram a fazer sentido, anos depois, quando eu cheguei à pré-adolescência.

Mas a mais profunda lembrança que tenho desse disco é "Índios". Aquela música me emocionava todas as vezes que eu a ouvia (na verdade, ainda hoje me emociona). E eu, ainda menina, sabia por que. Era a "saudade que eu sinto de tudo o que ainda não vi".

Esse disco reverberou na minha vida por muitos e muitos anos. E talvez uma das provas concretas disso seja a repetição que dele há em minha coleção: fita K7 (gravada a partir do LP do meu tio), disco de vinil, CD avulso e, por fim, o CD que veio junto com a caixa Legião Urbana - 1984/1993, que contém todos os discos da banda lançados até então.

Dois foi o primeiro disco "adulto" do qual eu realmente gostei, e o primeiro que eu quis ter para mim: juntar mesada, ir à loja com trocados no bolso e pedir orgulhosa, para o vendedor, um vinil novinho em folha, só meu.

Uma das perdas da minha vida, lá pelos quinze anos, foi embalada por "Andrea Doria" ("tenho o que ficou e tenho sorte até demais"). As dores da adolescência pareciam ter tradução na voz de Renato Russo: "tenho andado distraído, impaciente e indeciso".

Quando decidi ter aulas de violão, logo quis aprender a tocar "Eduardo e Mônica", provavelmente a história de amor mais cantada dos anos 80. "Tempo Perdido", de tantas vezes ser repetida na rádio e cantada pelas rodas de violão, quase perdeu a graça para mim. Mas bastava deixar de ouvi-la por alguns dias para que ela voltasse, renovada, a ter a beleza lírica original. E o verso de que eu mais gosto ainda é "E a tempestade que chega é da cor dos teus olhos castanhos". "Central do Brasil", sem letra, doía sem que eu soubesse por que. Depois, descobri que é dessas partidas e chegadas de que a vida é feita e refeita.

Legião Urbana tornou-se minha banda preferida e assim foi durante muito, muito tempo. Dois foi meu disco predileto durante anos. Ainda hoje, na verdade, ele me toca profundamente. Traz lembranças lindas e importantes. E, vinte anos depois, ainda mareja meus olhos e ajuda a entender como eu passei a gostar de música pop, porque comecei a ler poesia e como parte da ingenuidade da infância ainda mora dentro da mulher em que me transformei. "É saudade, então".

Renata de Albuquerque
20/7/2006 às 12h48

 

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