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Domingo, 23/7/2006
FIT 2006 II
Marília Almeida

Ontem pude, enfim, conferir três das cinco produções internacionais que participaram da edição 2006 do FIT. As outras duas foram Materia Material, do grupo peruano Teatro Lot, que buscou mostrar em sua apresentação novas formas não-convencionais de utilização de objetos e Una Madre Coraje y sus hijos em el purgatório, dos grupos Teatro Del Silencio e Karlik Danza Teatro, produção chilena com co-produção espanhola. Este é o segundo ato de uma produção inspirada livremente na obra A Divina Comédia, de Dante Alighieri. A primeira foi nomeada Inferno. Criado em 1989, o Teatro Del Silencio é caracterizado por fundir dança, teatro, músicas e técnicas circenses.

A grande decepção foi quanto ao cancelamento de uma produção russa do Festival Internacional de Teatro Tchekhov em associação com o tradicional grupo inglês Cheek by Jowl: Twelfth Night, adaptação de Noite de Reis, de William Shakespeare. Mesmo adiando em um dia sua estréia no festival, a organização do FIT não conseguiu com que os equipamentos do grupo fossem liberados no Aeroporto Viracopos, em Campinas, onde estão retidos há cerca de um mês por causa da greve dos fiscais da receita federal. Junto com outra produção do grupo, Boris Godunov, ela iria abrir a Estação de Teatro Russo - Brasil 2006, que acontece em São Paulo do dia 25 a 08 de outubro, que, provavelmente, também será prejudicada.

Mas as três peças mais concorridas da programação, muito diferentes entre si, não decepcionaram. Cuentos Pequeños, do peruano Teatro Hugo & Inês, é encantadora e não poderia ser diferente. É um espetáculo fácil e sem qualquer recurso de cenário a não ser uma iluminação mínima. O recurso técnico mais eficiente consiste na própria dupla de bons atores, Hugo Suarez e Ines Pasic, que também dirigem o espetáculo. Hugo, mais especificamente, é tão expressivo que concorre, em pé de quase igualdade, a atenção com o boneco criado por si, muito mais chamativo visualmente.

O espetáculo é uma tragicomédia que arranca gordas risadas da platéia a cada minuto. Ele consiste de pequenas histórias protagonizadas por diferentes personagens: bonecos compostos por diferentes partes do corpo da dupla (até mesmo, surpreendentemente, barriga e boca) e alguns pequenos acessórios, como narizes e olhos. O apelo visual é incontestável: a aparência meiga conquista o público no primeiro olhar. Para finalizar, a técnica mímica dos dois atores beira a perfeição. Separados ou juntos, não há erro nos movimentos milimetrados dos personagens, que assumem características humanas, seja no leve andar, na liberdade e diversidade de seus movimentos e gestos caricaturais que conseguem captar tipos de personalidade. Pudera: desde 1986, época de criação do grupo, eles se interessam pela expressão de diferentes partes do corpo humano.

Les feuilles qui resistént au vent vai na contramão, apesar de ter também forte apelo visual. Ela é uma produção do bailarino e coreógrafo Koffi Kôkô, que também atua na peça e é considerado um dos mais inovadores da dança contemporânea africana. O espetáculo de dança é denso e trata basicamente dos ensinamentos da vida através da expressão do corpo. A tradução de seu título, As folhas que resistem ao vento, explica bem o que vemos: o ato de subir na vida, a tristeza da solidão do topo, o trabalho que escraviza, o esquecimento de si mesmo e do outro e a agonia são belamente expressas apenas pelo ato da dança, que tem seu ápice na vertiginosa e surpreendente dança dos bailarinos em cima de finos e altos bambus. Até mesmo a pintura de tinta branca que cobre o corpo dos bailarinos serve de recursos visuais à medida que o suor de sua dança a transforma de novo na cor negra.

O local da apresentação, o Swift Seringueira, coube perfeitamente na peça, eminentemente naturalista. Composto por um quadrado de areia e uma alta arquibancada, além de fartos recursos de iluminação de diversas cores e duas seringueiras enormes, faziam com que os movimentos livres e tribais dos bailarinos tivessem suas sombras projetadas nas duas árvores, o que provocava a sensação de retorno a um mundo esquecido pela civilização ocidental e tão próximo às nossas raízes. Os movimentos frenéticos em um material movediço como a areia trazem efeitos que consolidam o espetáculo. Os três músicos são um espetáculo à parte ao trazerem um som forte, composto basicamente por batucadas e efeitos de som de teclado, que dá ao som afro um tom de experimentação e, ao espetáculo, o efeito de um transe e torpor infinito.

Por fim, a produção francesa Aberration du Documentaliste, do Théâtre de la Massue, é muito prejudicada pela barreira da língua. Mas este problema é em parte contornado pela atuação expressiva de Jack Fornier como o bibliotecário solitário que, por ler toda a criação do mundo, começa a ter visões fragmentadas do que a consistiu. Estas visões são mostradas na forma de miniaturas de bonecos, manipulados por dois homens invisíveis no cenário. Neste, aliás, criado em um antigo galpão, ouvimos efeitos sonoros de pingos de água e é circundado e isolado por grandes painéis negros e altos e ilustração de uma biblioteca.

Para quem quiser conferir, ainda dá tempo. Hoje os três espetáculos têm apresentações, respectivamente, às 19h, 20h e apresentação dupla às 19h e 23h.

Marília Almeida
23/7/2006 às 13h51

 

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