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Sábado,
27/10/2018
Blog da Mirian
Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
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Casa de couro II
Juntando imaginárias folhas, cobria eu
o telhado da casa, protegendo-a do verão
e do inverno, que num só dia desciam ao chão
do deserto. Minha mãe cuidava da comida.
Costurava nossas roupas. De noite, estava
de volta o pai, recitando orações à hora do jantar.
Pão nosso de cada dia. Sol nosso dos trabalhos diários.
Viagem nossa de todos os dias.
Casa da memória. Mala da espera.
Era, sempre, colheita a terra. E, o rio,
meu túnel dos navios e bandeiras.
(Do livro Travessias)
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27/10/2018 às 09h52
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Casa de couro III
No alçapão, encontramos a mala de viagem.
Sob o forro, descobrimos moedas e cartas.
Imaginamos, então, fortuna e selos. E, diálogos,
com desconhecidos de todas as terras. Brincando
de esconder, o irmão menor deixava de fora os pés.
Seguindo improvisada embarcação,
todos chegávamos à foz das águas.
Naquele cais, ancorei minha alma.
Navio de couro. Navio marrom.
Naquele cais, ancorou minha arca prometida.
Naquele cais, senti febre de terra à vista.
(Do livro Travessias
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14/10/2018 às 09h40
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Casa de couro I
De manhã, fazíamos o pão. Ao fim da tarde,
contemplávamos os séculos da Esfinge,
que guardava entre as patas a alma dos deuses.
Naquele reino eu e meus irmãos plantamos trigo.
Naquele deserto desejávamos escavar nossas
tumbas, ouvindo a canção dos ancestrais.
Pela cidade, nasciam mundos fluindo no rio
as lendas do lugar. Minhas lendas e barcas.
Terra da infância. Terra do desterro.
Ao chão, atei a placenta da espécie.
Da chuva, ouvi canções de ninar.
(Do livro Travessias)
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24/9/2018 às 20h55
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Casa de couro
Quem sou? O estrangeiro? O desterrado?
Antes do nome, ensinaram-me as direções.
E o ermo nos caminhos das cidades.
Ao silêncio de ontem, nada me responderia.
Repetindo a sina dos antepassados,
a memória das raízes emerge nos oceanos.
Viagem, gravou-se este meu nome de batismo.
Dos caminhantes, herdei o Livro do Êxodo.
Barcaça do tédio, quem pelos mares
ora te conduz, tão cega e precisa?
(Do livro Travessias)
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18/8/2018 às 09h07
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PRESSÁGIOS. E CHAVES V
Antes da voz do adivinho, estiraram-se
no porto as horas da espera. Acostumado
ao salto do instante, o rosto do pai anteviu
a partida. E, dias de penitência, a encurralar
pérolas e conchas. Preparando a viagem,
meu útero de couro guardava roupas.
Almejando a cor dos trópicos,
meu ventre guardava a véspera.
Carregando os navios, o habitante do cais.
Na terra natal, ficaram as dores do degredo.
Dentro da mala, as dores do parto.
(Do livro Travessias)
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28/7/2018 às 11h24
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PRESSÁGIOS. E CHAVES IV
Na minha rua morava o adivinho,
contando estórias de oceanos e barcas.
Olhando o céu, ele dizia o futuro.
Leques de palmas. Carruagens de sol.
Sob os astros, era eu personagem das visões.
Sob os astros, meu corpo tornou-se alvo da guerra.
Ante a proa dos couraçados, trancava-se a casa.
Fechava-se o dia. Enclausurava-se a vida.
Dividindo a cena, a esquiva do olhar.
O mago previa a passagem dos cometas.
E as coisas que eu já sabia de mim.
(Do livro Travessias)
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14/7/2018 às 10h02
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PRESSÁGIOS. E CHAVES I
Pesadelo? Ou rumor da noite obsedada
pelo vento? E aquela substantiva imagem
dos fantasmas engolindo a casa. E emperrando
as chaves. À luz do dia, as portas cerraram-se
sob a tempestade, sufocando telhado
e paredes. Ao fogão, desceram
ameaças de estranho augúrio
a extinguir o fogo.
Matando a fome de pão, a sede das águas.
Dentro da mala, autogerava-se o mar
conduzindo a trégua, possível.
(Do livro: Travessias)
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30/6/2018 às 11h42
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PRESSÁGIOS. E CHAVES II
Eclipse? Ou noite alucinada irrealizando
as viagens? Afogando-se no porto, o sangue
dos navios sufocando as próprias artérias.
Iniciado o êxodo, tardia fizera-se a voz
do viajante, convocando camelos.
Em estações de penúria apodrecendo
o trigo, da extinta luz irromperam
espectros exalando urina e enxofre.
Em distâncias, corria a fuga dos dias.
Sete pragas. Sete anos. Sete Mundos.
Eu viajei todos os mares do exílio.
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16/6/2018 às 09h34
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Presságios. E chaves III
Era uma vez o tempo dos homens rondando
as Esferas. Era uma vez a galáxia das primeiras
viagens. Contemplando o azul da Terra,
chegara o tempo dos astronautas.
Abstraindo fronteiras, pintei a casa da infância.
Era uma vez o tempo dos longes, anilando
as borboletas. Minha casa, eu a desejava
dossel. Eu a desejava templo das águas.
Eu a desejava berço.
À escrita dos deuses, minha barca dos dias.
Abertas as portas, fertilizaram a terra
meus presságios. E chaves.
(Do livro Travessias)
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29/5/2018 às 09h10
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A alforja de minha mãe
Para Norma, Feliciano, Leslie, Julie e Susie
Carregando, sem mágoas,
coisas que o mundo exige do feminino,
a alforja de minha mãe acalenta o fôlego da vida.
Às dobras do tempo, a alforja de minha mãe
traz numa oração a fé que suportou dias de penúria
quando a sobrevivência movia as mãos
que fizeram na medida certa
o redondo dos docinhos.
Tal um ninho de dádivas, a alforja de minha mãe
até hoje alegra os dedos que costuravam roupas.
E guarda agulhas que cerziram o vestido roto
e os casaquinhos das crianças.
Berço acolhedor, a alforja de minha mãe
embalou com bons augúrios o remédio dos filhos.
Seguindo a magia dos ritos, a alforja de minha mãe
preserva o fogo sagrado que no dia a dia cozinhava
nosso alimento. E até hoje amadurece o abacate
para a refeição do pai.
Em meio ao trabalho, esse abrigo
se dispõe ao plantio das gérberas do jardim.
Aos percalços da vida, essa alforja
nunca se esvaziou do afeto por todos nós.
Com carinho, olha o retrato dos amigos
e registra palavras ouvidas na infância.
Na alforja de minha mãe,
há também espaços reservados à esperança.
Do lado do coração, acolhe a América Latina
onde nascemos à espera de algo
que ainda não aconteceu.
Assumindo-se útero e oferenda,
a alforja de minha mãe
guarda o ovo do quetzal azul e branco
que um dia nos anunciará
igualdade e liberdade
para todas as etnias.
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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
12/5/2018 às 18h27
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Julio Daio Borges
Editor
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