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Quarta-feira,
24/7/2019
Blog da Mirian
Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
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EU, MOBY DICK e Caçando Moby Dick
“Eu, Moby Dick”, espetáculo teatral em cartaz no Espaço Oi Futuro (no Rio de Janeiro), até 28 de julho deste ano de 2019, apresenta profunda e sagaz releitura do texto de Herman Melville, trazendo ao público questões relacionadas ao Brasil e ao mundo nos dias atuais.
Direção: Renato Rocha
Dramaturgia: Pedro Kosovski, a partir da obra-prima de Herman Melville
Assistência de direção: Rafaela Amodeo
Elenco: Márcio Vito, Gabriel Salabert, Kelzy Ecard e Noemia Oliveira
Tocada de modo intenso pela seriedade do espetáculo “Eu, Moby Dick”, me identifiquei com os sentidos contidos e incontidos na ambiguidade da baleia imaginada por Herman Melville, e redesenhada pela dramaturgia, traduzindo-se para o público por meio do trabalho precioso, irretocável e esperançoso dos atores.
Assim, gostaria de homenagear a todos que participam desse espetáculo, dedicando-lhes imaginário diálogo entre a baleia e o mar. Para isso, publico hoje Caçando Moby Dick, texto inteiramente inspirado em “Eu, Moby Dick”.
Obs. Entre aspas, trechos de Os Lusíadas e da fala dos atores, estes em negrito.
CAÇANDO MOBY DICK
Forjando cores que jamais conheci,
me seduz impossível ofício
de animizar a palidez dos ossos.
─ Sozinho, só perguntas me chegam à solidão.
Aos longes da vida, posso imaginar-te imenso.
Quem és, desconhecido verdeazul?
─ Sou aquele do corpo d’água.
Me chamam de mar.
E quem és, nessa tua constante solidão?
─ Sou arcabouço imóvel,
o que resta da morte,
o que cinge a eternidade,
o que conheceu a finitude.
Me chamam de esqueleto.
─ Que mais queres saber de mim, alva clausura?
─ Inda não me conhecias
nem sequer sabias meu nome,
por que me acolheste em tua profundeza?
Por que insistes em lavar-me o corpo descarnado?
─ Guardar e distanciar-me,
carícia e afastamento,
eis meu ofício.
─ Então és humano, mar?
─ Quem, pálido desalento,
pode se dizer humano?
─ O que te diferencia dos humanos, ó corpo d’água?
─ Dizem que os humanos pensam e agem.
E procuram vanglórias:
“Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos Fama!”
─ Posso te dizer, ondeante azulametista:
pensar e agir, eis a falácia da humanidade.
Pensar e agir, dois atributos
“que podem levá-los à própria destruição”.
Também eu, neste meu corpo fluido,
absorto em águas de severa profundidade,
total instável pensar,
posso ser destruído.
E posso destruir praias,
pessoas, barcos.
E até cidades.
─ Tal poder não tenho, mar.
Entanto, conduzo atributos da minha terrível estirpe:
presentificar a morte.
E o medo da morte.
─ Ó templo das luzes veladas,
quem foste no passado?
─ Fui baleia de carne e osso,
barbatanas e leite.
─ O que te transformou em arcabouço das cinzas?
─ As mãos e a ira dos arpões.
Existirá nas correntes marinhas
algo mais perigoso que os arpões?
─ As mãos que os fabricam.
─ Existirá, corpo d’água, algo mais perigoso
que as mãos que os fabricam?
─ As mãos que os acionam
e me relembram versos:
“Deixa intentado a humana geração.
Mísera sorte, estranha condição!"
E existirá, pálido ermitão das cavernas abissais,
algo mais terrível ainda?
─ O comum acordo das duas faces da moeda
na razão do ouro matando a carne
e queimando o óleo das baleias.
E comandando uma nave cega.
─ Então, extinta luz, defendes a des-razão?
Exaltas o delírio?
─ Diante do pensamento repetido
a girar em torno do próprio umbigo,
acolho o delírio que nos salva
da razão doente.
─ Existe, esqueleto, algo pior que a razão doente
comandando uma nave cega?
─ Sim, imenso verdeazul,
o capitão que pensa conduzir a nave cega:
aquele que mata os rebanhos marinhos
incendeia tuas correntes d’água.
E almoça com os vendilhões do estaleiro.
─ Um tirano, esqueleto?
E o que poderá nos salvar do tirano
conduzindo a nave cega?
A razão?
─ Se a razão estiver amordaçada, mar,
ela jamais nos salvará da morte.
Eu que fui um dia
livre navegador do teu mundo líquido
e livremente escolhi caminhos de ir i vir,
sei que sozinha, doente, muda e atada,
a razão nada pode.
─ Eis que me pergunto, esqueleto,
pode o capitão da nave cega nos salvar,
já que é ele quem conduz a morte?
─ Não, “ele não”.
─ Ficaremos então, ó alva presença,
à mercê do delírio em busca da vida?
─ Posso te dizer, mar, que o delírio
nos conduz à arte de sobreviver.
Com ele escrevemos poemas e panfletos.
E, da utopia, fazemos realidade.
─ Não temes “sucumbir em nome do delírio”,
imóvel presença?
─ Não percebeste, mar, o alcance do delírio?
Ele nos acende o desejo.
É ele quem nos anima a fala.
E dá vida à poesia.
─ Mas podes sucumbir em nome do desejo da poesia,
esqueleto.
─ Eu, restolho do desejo da morte,
diante da razão fraca e vazia,
assumo o delírio que luta contra o arpão
e contra o tempo,
porque o tempo
tudo pode.
E nada pode.
─ Existe algo que nos possa livrar, Moby Dick?
Alguma coisa que nos livre dos arpões?
Algo que nos permita dobrar o irresoluto tempo?
─ Pressinto, verdeazul-corpo-d’água,
que “todos estamos num barco,
lutando com nosso monstro particular”:
Eu e meu monstro?
E quem é esse monstro, me pergunto?
E me respondo: o que não sabemos de nós.
E o que deixamos o outro decidir por nós.
─ Nós? Mas o eu não é coletivo, esqueleto.
Em sincronia, ambos são um e outro,
indivíduo e multidão entre águas e areia:
“A branca areia as lágrimas banhavam,
Que em multidão com elas se igualavam.”
─ Por enquanto, mar,
só tenho perguntas e dúvidas.
E vivo fugindo da razão do caçador
que persegue meus descendentes:
─ Partejamos petrificada solidão
ante as ameaças, esqueleto.
O que então nos percorre o existir?
─ O desejo de vencer o tempo,
a vontade de vencer o arpão.
─ O que é o tempo, Moby Dick?
─ O tempo é muitos.
Pode se tornar arpão da morte urdida pelo tirano
ou vontade do tirano executando o castigo da quilha.
─ Renovo a pergunta: haverá, baleia, algo pior
que a nave cega conduzida pelo tirano?
─ O súdito que coroa e aclama o tirano.
E àqueles que aplaudem o séquito do tirano,
rememoro outros versos de além-mar:
“Chamam-te Fama e Glória soberana,
Nomes com quem se o povo néscio engana!”
─ O que nos resta, Moby Dick?
─ Por enquanto, em volta de nós,
águas abissais.
Razão doente.
Nave cega.
Mas há o palco.
O desejo de entrar de entrar em cena.
O desejo de escrever e dirigir o espetáculo.
E o desejo de atuar.
Para isso nos basta o delírio.
E mais: o corpo e a palavra.
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24/7/2019 às 21h26
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Pelagem de flor IV: AZUL
Acariciado por madressilvas no lugar das rédeas,
o cavalo azul encontrou par. E em cópula
atravessou a noite.
Que se tornou leito enluarado.
Chegando das selvas de junco,
o deus de anil repousa do coito ininterrupto.
E em campo de feno, ganha forças
do desejo em recomeço.
Plumas de pavão envolvendo-lhe o corpo;
atravessando rios, ele domina a sede,
para galopar dia e noite o corpo da fêmea.
Patas azuis, olhos de andorinha
cavalgando hortênsias. AZUL, ele veio do mar.
Às origens do êxtase, sempre retornará.
(Do livro O camaleão no jardim )
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17/7/2019 às 08h41
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Pelagem de flor IV: AZUL
Acariciado por madressilvas no lugar das rédeas,
o cavalo azul encontrou par. E em cópula
atravessou a noite.
Que se tornou leito enluarado.
Chegando das selvas de junco,
o deus de anil repousa do coito ininterrupto.
E em campo de feno, ganha forças
do desejo em recomeço.
Plumas de pavão envolvendo-lhe o corpo;
atravessando rios, ele domina a sede,
para galopar dia e noite o corpo da fêmea.
Patas azuis, olhos de andorinha
cavalgando hortênsias. AZUL, ele veio do mar.
Às origens do êxtase, sempre retornará.
(Do livro O camaleão no jardim )
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17/7/2019 às 08h41
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Pelagem de flor IV: AZUL
Acariciado por madressilvas no lugar das rédeas,
o cavalo azul encontrou par. E em cópula
atravessou a noite.
Que se tornou leito enluarado.
Chegando das selvas de junco,
o deus de anil repousa do coito ininterrupto.
E em campo de feno, ganha forças
do desejo em recomeço.
Plumas de pavão envolvendo-lhe o corpo;
atravessando rios, ele domina a sede,
para galopar dia e noite o corpo da fêmea.
Patas azuis, olhos de andorinha
cavalgando hortênsias. AZUL, ele veio do mar.
Às origens do êxtase, sempre retornará.
(Do livro O camaleão no jardim )
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17/7/2019 às 08h41
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Pelagem de flor III: AMARELO
Das sementes da papoula floresceu
o pelo-de-topázio. Carregando fardo ameno,
ele resfolega atento ao que lhe pulsa
entre as veias e as costas.
Molhando-lhe o dorso, escorre a seiva
da amazona de lírios, que ao repouso
lhe roça o falo com sedução.
E lábios de pétalas.
Vindo do Leste, ele acorda os pássaros.
Meu cavalo da manhã despertando
para o coito.
Meu cavalo de sol carregando
a vida. Que o recebe em berço
de gozo.
(Do livro O camaleão no jardim
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6/7/2019 às 08h48
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Pelagem de flor II: NEGRO
Nas manhãs nunca fora visto.
Nunca fora visto nas tardes do jardim.
Chegara o visitante notívago. Meu animal lendário
exibindo pelagem de negrume.
Da escuridão, ele chegara. Mas os hábitos
das flores noturnas não o queriam fúnebre.
Nem a madrugada em seu corpo
o queria temido.
Descendo-lhe o dorso de sombras,
o manto de narcisos luzindo sedas.
Luzindo texturas de carícia.
Ao bicho dos eclipses, as cores
da noite o faziam lânguido.
Acendendo-me desejos.
(Do livro: O camaleão no jardim)
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23/6/2019 às 08h59
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Pelagem de flor I: VERMELHO
Em alameda livre, saltam meus cavalos
de carmim. Saltam com narinas afeitas
ao que vive ao redor da casa.
E ao redor dos limites do portão.
Eriçando a pele, meu cavalo de rosas
respira. Do mundo da fábula, chegou-me
este centauro de corolas abertas. Afoita cauda
correndo atrás do vermelho da crina.
À procura de pouso e fêmea,
meu cavalo do verão se olha
no lago das chuvas.
Lambendo a imagem desfeita,
ele ergue imenso falo. E a tarde
o amansa às horas de lascívia.
Do livro O camaleão no jardim.
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8/6/2019 às 09h29
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Direções da véspera V
Ao longe, o aeroporto se reconta
nos mitos dos roteiros permanentes.
Ansiando merecido pouso, minha aeronave de papel
retorna do trajeto diurno.
Olhando as ruas, projeto aterrissagem
em terra amiga. No fundo dos mares
ressonam estrelas. E náufragos.
“A canoa virou / Deixaram ela virar”.
No relevo da cidade, farejo travessias.
Ao desajeito dos meus versos, canto
utopias e cantigas de roda.
(Do livro Travessias
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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
28/4/2019 às 09h59
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Direções da véspera IV
Fora-se o brilho dos tempos dourados.
Em esquiva das penas, o viajante sorvia
insânia. E se alimentava da própria carne.
Naqueles lugares de angústia, – entre mortos
e feridos – salvou-se a Arca de Noé.
Os homens? Se salvariam?
Alguns perderam a memória. Outros,
na pele gravaram lembranças.
No calendário, mudaram-se as datas.
Mas, que vestígios são esses
no miolo do pão, esfriando sempre?
(Do livro Travessias
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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
6/4/2019 às 09h12
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Direções da véspera IV
Fora-se o brilho dos tempos dourados.
Em esquiva das penas, o viajante sorvia
insânia. E se alimentava da própria carne.
Naqueles lugares de angústia, – entre mortos
e feridos – salvou-se a Arca de Noé.BR>
Os homens? Se salvariam?
Alguns perderam a memória. Outros,
na pele gravaram lembranças.
No calendário, mudaram-se as datas.
Mas, que vestígios são esses
no miolo do pão, esfriando sempre?
(Do livro Travessias
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6/4/2019 às 09h12
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Julio Daio Borges
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