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Sexta-feira,
11/10/2019
Blog da Mirian
Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
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Visitação ao desenho de Jair Glass
De autoria do desenhista Jair Glass, o livro intitulado Breviário de Decomposições , Ed. Pantemporâneo, foi lançado na Casa das Rosas, em São Paulo, em setembro deste ano de 2019. Sobre a produção artística de Jair Glass, trago aos leitores este conjunto de poemas que giram em torno do processo criativo observado por mim nos seus desenhos.
Meu pai era desenhista. Lápis de todas as cores e texturas. Papéis de gramaturas e cores várias. Até papel colorido de balão e bandeirinhas. O onirismo habitava a prancheta e, antes das refeições, revestia a mesa. Na verdade, o desenho habitava aquele tempo. O brinquedo preenchia a casa.
Revivendo a experiência dos materiais que conheci na infância, visitei os desenhos de Jair. Me reencontrei na poética desses materiais. Por isso me desviei da gramática. Por isso a poesia. E não um texto teórico. Eis meu breviário poético.
BREVIÁRIO DO ENCONTRO ÍNTIMO
Para Jair Glass
I
sob cores noturnas
em angustiado sossego,
caminho sem chão
ante o princípio das coisas
não havidas
dentro desse hiato, me reencontro,
oscilante prumo de instável amanhecer
longe da razão acorrentada
“diante do pensamento repetido
a girar em torno do próprio umbigo,
acolho o delírio que nos salva
da razão doente”
visitante do espaço que habita dentro de mim
faço acertos com minhas dúvidas;
meu respirar insiste em percorrer
as arestas do chão
à persistência do náufrago de pulmões de aço,
entrego-me inteira às decomposições do mundo
eu, fragmento desse jogo,
como não me reconhecer
lavrando terras de papel?
diante do espelho quebrado por Narciso,
vejo-me além da objetividade
no bolso, um pedacinho de lápis azul
II
ao desmonte das coisas acabadas,
sorvo transformações do anoitecer
porque a noite tem infinitas luzes
ao desmonte da infinitude,
delineio progressivo ir e vir
enquanto meus dedos deslizam
pelas entranhas da angústia
agregada ao papel
matéria viva, o papel,
tecido de fibras do lume poente:
tensos e lassos fios distendendo-se
de desprazer e gozo
ao impulso das mãos,
ressalto o mundo das coisas que pulsam
antes do pouso no papel
desdobrando traços, linhas, cores,
preencho vazios em meu percurso
ao fundo da Terra
seleiro dos trajetos originários,
a Terra é meu quintal
III
da Terra inteira, faço meu quintal
que me traz de volta ao inesperado
quando desdobro nervuras de papel,
meu cosmos agrega ossos, paredes,
águas, nuvens, manchas
quando redobro fibras de papel,
irrompem versos conduzindo
imagens, segredos e águas
alheia aos desígnios da nascente,
delineio rios sem margens
não mais que vazadouro, a poesia
não mais que vazadouro, o desenho
então me reencontro lavando papéis e objetos
e logo me reconheço mão sonhadora
ao plantio e ao cuidado desse meu quintal
meu quintal, também jardim das metamorfoses
sempre me reconheço
na sedutora indefinição das manchas,
nos cortes e recortes ressuscitando matizes
em meu solo fecundado
então, me reconheço no cultivo do impossível
então, me reencontro costurando hastes d’água
e bordando teias invisíveis na pele das cores
ao entrelace do bordado e da costura,
devolvo à terra o que um dia será terra
presenteio a terra com jornais e revistas
acalento a terra com o madrigal das folhas secas
numa caixa mágica,
minhas provisões do vindouro
reunindo e igualando bichos e humanos,
assim me reencontro arando a ante-linguagem
incontida na palavra
por isso me reencontro no desenho
IV
a germinar tessituras na folha inerte,
meus dedos redobram luzes do dia,
meus olhos abrem-se ao estranhamento
perambulando pela casa
caminhante dos espaços velados,
meu lúgubre enlevo não esmorece,
minha vertigem me reanima na queda,
meu grito alcança o fundo do solo
atravessando a neutralidade da superfície,
meu corpo escorre pelas crateras do encontro
indo frutificar onde a terra nasce da terra
sob raízes da árvore-matriz
quando desdobro nervuras de papel,
meu ânimo irrompe múltiplo de motivos
agregando raiz, tronco, folha, fruto
ao devaneio do papel,
humanizado vegetal enlaça meu corpo
e preserva minha carne
que se recusa a morrer
reencontro-me na luz que veste o tempo
reencontro-me no tempo que despe a noite
o mundo, não mais que terra,
me oferece as tetas do leite primevo
à imensidão da vida
o nada reluz
V
nas cores, me reencontro
tingindo sombras e mistérios
porque assim se mostra a vida
porque assim o tempo jorra
porque retornaremos à terra
porque somos terra
atravessam a planície de fibras
semi-luzes dispersas no papel
o desenho ilumina o parto das coisas,
das coisas vistas pela primeira vez
primeiro olhar
primeiro gesto
primeiro ato
junto aos cadernos da escola,
minha caixinha de lápis de cor
nas coisas que me aguçam a memória,
me reconheço
nas coisas que me falam aos sentidos,
me encontro e me reencontro
sempre sempre sempre
VI
também me entrevejo
assustadora face que é minha
à densidade das cores tingindo meu rosto,
meu fôlego irrompe entre crateras vegetais
para lutar contra moinhos de vento
disposta a caminhar pelo “impossível chão”
jogo no lixo meus sapatos
para onde irei?
quem sou?
os fantasmas que me assombram
são os mesmos que me acalentam
na árvore originária, desenho a raiz,
desenho o fruto que proverá meu alimento
idealizo enfim a árvore do pecado
E o paraíso perdido
VII
aos abismos das cores
nada pergunto do inesperado visitante
sem alarde, Eros rompe as fibras do papel
e, recluso, declara-se à espera do outro
sensual,
o corpo não se permite reclusão permanente
exilado,
o corpo não aceita a infinitude
quanto ao Amor,
Eros permanece calado
no xadrez do jogo
ou no cruzamento das grades de grafite,
a vida sempre desdobra seu recomeço
sobre inesgotável campo de transformações
a pele se reconhece tessitura de papel
meu ânimo desperta ofegante
apercebo-me agora
o que não serei depois
muito além de mim
ao alcance das mãos,
um pedacinho de lápis azul
à explosão da vida,
o passado se aproxima
e se afasta da memória
o que virá depois
resguarda-se num esboço
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11/10/2019 às 20h37
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Quanto às perdas I
Irmanando-me à solitude dos astros
delineia-se meu roteiro de caminhante.
Ir em frente. Ir frente. O que se perdeu
seria agora fardo. Ou penitência.
Nas areias de um jardim perdi e achei
o anel gravado com minhas iniciais.
No trabalho perdi muitas canetas.
Guarda-chuvas, já se foram vários.
(Eu gostava daquele de tecido indiano.)
Livros? Sei que emprestei dezenas.
Sempre perco as agendas. E não me lembro
onde guardei meus diplomas.
Escaparam-me alguns eclipses.
Ganhei vazios. Salvei-me
do quintal que terminava
no fim do mundo.
Conheço todos os intervalos
do tempo paralisado e ativo.
Quanto às perdas, alegra-me
a fantasia do esquecimento.
(Do livro Nada mais que isto)
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10/10/2019 às 19h43
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Grito primal V
Em nosso leito deitam-se violetas
e camaleões que evadidos das pedras
descobrem clandestinos caminhos
de perfumes e mimetismo.
Sete dias. Sete noites.
Ao grito do tempo surge
o intervalo das durações.
De cansaço, fecham-se as horas.
Recolhem-se meus pássaros.
Passaraiopassaraio,
quem me deixará passar?
Sete casulos. Setembro.
Improviso minha quietude.
Às curvas e voltas dos meses,
reinicio o festejo do gozo.
Aos sábados, a casa retorna
o jardineiro.
(Do livro Nada mais que isto)
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13/9/2019 às 21h38
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Grito primal IV
Às andanças do notívago, desce
da lua misterioso chão nacarado
concedendo-lhe rumo aos pés
sobre conchas lacradas.
Assim como no amor, o que não
conhecemos sufoca-se ou liberta-se
em gritos rompendo o tédio
do fim de festa.
Junto ao caminhante dos mistérios,
recebo a noite trazendo-me cantigas
de recolhimento. E despudorado pejo
dos lábios andarilhos.
Desavergonhado pejo dos lábios
beijando a carne das conchas.
(Do livro Nada mais que isto)
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13/9/2019 às 21h25
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Grito primal III
Com ingênuo erotismo transbordam
de viço as taças dos lírios ressonando
gemidos da carne nos vazios
das calmas vulvas brancas.
Não é tempo de espinhos.
Não é hora de despedidas.
Nem de langorosos amores.
Nem de incontidas paixões.
Vermelhos vermelhos,
os lábios do sol provam imaginária bebida
macerada entre pétalas de seda.
Também tem seu tempo
a voracidade da luz sorvendo
o sêmen das flores.
(Do livro Nada mais que isto)
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31/8/2019 às 09h02
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INDEFINIÇÕES
Dado o ermo das horas,
dos meus lábios flui aquilo que sinto.
Ou escondo.
Por isso reescrevo versos.
Por isso inicio diálogos com o desconhecido.
E a noite chega. E a casa dorme.
E no telhado repousam nuvens e teias.
E nas rosas de linha da cortina
sinto o perfume das flores vivas.
Mas a conjunção aditiva não ousa sustentar
palavra e carícia que, do indefinido,
se façam completude.
E nada poderá conter o que findará
em cópula e beijo.
E assim a espera não se conclui.
A desfiar o tecido das vestes, meu sangue flui.
Meu corpo estremece ante o desejo
de ser mensagem codificada.
Despojando-se à leitura.
Do livro 50 poemas escolhidos pelo autor.
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26/8/2019 às 10h03
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Grito primal II
Quando a vida concedeu-me o acalanto dos madrigais,
desde aquele dia, quaisquer ouvidos
ouvem-me a exaltada canção
do nascer de mim mesma.
Canto para as paredes. Canto para
o jardineiro. Ao moldar versos de argila,
minhas mãos repercutem meu grito.
Aos rituais da terra, há sonoridades da fúria.
Às vozes da fúria, há cantigas de docilidade.
Evocando o som das bacantes
meu grito repercute no barro,
moldando seios nas esfinges,
moldando falos nos sátiros.
Mas à reunião do macho e da fêmea,
a réplica do andrógino não os divide
em dois. Nem os dispersa.
Um só corpo.
Minha ambiguidade.
Minha fé.
E a meus pés, o asfalto distendendo-me
esta rua bem maior que o mundo.
(Do livro Nada mais que isto)
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11/8/2019 às 12h52
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Grito primal I
Meu grito gritando.
E recoberto de malícia meu corpo
em pele de bicho a rir-se muito muito
das amenidades da vida.
Meu grito gritando.
E ao descascar tangerinas, meus dedos
riem-se dos talheres de prata. Depois,
à hora do banho, o corpo inteiro escarnece
das roupas. Satiriza os enfeites. E ri
das proibições da nudez.
Meu grito gritando.
Porque há um tempo de gritar.
Porque antes das repercussões sonoras
canta em silêncio meu pássaro incriado.
Meu grito gritando.
Dos nervos ao púbis, realizo
variações em torno de um tema.
Meu grito beijando-te.
Minha rosa de carne. Meus lábios d’água.
Ao jardim e ao corpo pertence
o que só os pássaros veem.
(Do livro Nada mais que isto)
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27/7/2019 às 09h27
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Pelagem de flor V: BRANCO
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27/7/2019 às 09h09
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EU, MOBY DICK e Caçando Moby Dick
“Eu, Moby Dick”, espetáculo teatral em cartaz no Espaço Oi Futuro (no Rio de Janeiro), até 28 de julho deste ano de 2019, apresenta profunda e sagaz releitura do texto de Herman Melville, trazendo ao público questões relacionadas ao Brasil e ao mundo nos dias atuais.
Direção: Renato Rocha
Dramaturgia: Pedro Kosovski, a partir da obra-prima de Herman Melville
Assistência de direção: Rafaela Amodeo
Elenco: Márcio Vito, Gabriel Salabert, Kelzy Ecard e Noemia Oliveira
Tocada de modo intenso pela seriedade do espetáculo “Eu, Moby Dick”, me identifiquei com os sentidos contidos e incontidos na ambiguidade da baleia imaginada por Herman Melville, e redesenhada pela dramaturgia, traduzindo-se para o público por meio do trabalho precioso, irretocável e esperançoso dos atores.
Assim, gostaria de homenagear a todos que participam desse espetáculo, dedicando-lhes imaginário diálogo entre a baleia e o mar. Para isso, publico hoje Caçando Moby Dick, texto inteiramente inspirado em “Eu, Moby Dick”.
Obs. Entre aspas, trechos de Os Lusíadas e da fala dos atores, estes em negrito.
CAÇANDO MOBY DICK
Forjando cores que jamais conheci,
me seduz impossível ofício
de animizar a palidez dos ossos.
─ Sozinho, só perguntas me chegam à solidão.
Aos longes da vida, posso imaginar-te imenso.
Quem és, desconhecido verdeazul?
─ Sou aquele do corpo d’água.
Me chamam de mar.
E quem és, nessa tua constante solidão?
─ Sou arcabouço imóvel,
o que resta da morte,
o que cinge a eternidade,
o que conheceu a finitude.
Me chamam de esqueleto.
─ Que mais queres saber de mim, alva clausura?
─ Inda não me conhecias
nem sequer sabias meu nome,
por que me acolheste em tua profundeza?
Por que insistes em lavar-me o corpo descarnado?
─ Guardar e distanciar-me,
carícia e afastamento,
eis meu ofício.
─ Então és humano, mar?
─ Quem, pálido desalento,
pode se dizer humano?
─ O que te diferencia dos humanos, ó corpo d’água?
─ Dizem que os humanos pensam e agem.
E procuram vanglórias:
“Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos Fama!”
─ Posso te dizer, ondeante azulametista:
pensar e agir, eis a falácia da humanidade.
Pensar e agir, dois atributos
“que podem levá-los à própria destruição”.
Também eu, neste meu corpo fluido,
absorto em águas de severa profundidade,
total instável pensar,
posso ser destruído.
E posso destruir praias,
pessoas, barcos.
E até cidades.
─ Tal poder não tenho, mar.
Entanto, conduzo atributos da minha terrível estirpe:
presentificar a morte.
E o medo da morte.
─ Ó templo das luzes veladas,
quem foste no passado?
─ Fui baleia de carne e osso,
barbatanas e leite.
─ O que te transformou em arcabouço das cinzas?
─ As mãos e a ira dos arpões.
Existirá nas correntes marinhas
algo mais perigoso que os arpões?
─ As mãos que os fabricam.
─ Existirá, corpo d’água, algo mais perigoso
que as mãos que os fabricam?
─ As mãos que os acionam
e me relembram versos:
“Deixa intentado a humana geração.
Mísera sorte, estranha condição!"
E existirá, pálido ermitão das cavernas abissais,
algo mais terrível ainda?
─ O comum acordo das duas faces da moeda
na razão do ouro matando a carne
e queimando o óleo das baleias.
E comandando uma nave cega.
─ Então, extinta luz, defendes a des-razão?
Exaltas o delírio?
─ Diante do pensamento repetido
a girar em torno do próprio umbigo,
acolho o delírio que nos salva
da razão doente.
─ Existe, esqueleto, algo pior que a razão doente
comandando uma nave cega?
─ Sim, imenso verdeazul,
o capitão que pensa conduzir a nave cega:
aquele que mata os rebanhos marinhos
incendeia tuas correntes d’água.
E almoça com os vendilhões do estaleiro.
─ Um tirano, esqueleto?
E o que poderá nos salvar do tirano
conduzindo a nave cega?
A razão?
─ Se a razão estiver amordaçada, mar,
ela jamais nos salvará da morte.
Eu que fui um dia
livre navegador do teu mundo líquido
e livremente escolhi caminhos de ir i vir,
sei que sozinha, doente, muda e atada,
a razão nada pode.
─ Eis que me pergunto, esqueleto,
pode o capitão da nave cega nos salvar,
já que é ele quem conduz a morte?
─ Não, “ele não”.
─ Ficaremos então, ó alva presença,
à mercê do delírio em busca da vida?
─ Posso te dizer, mar, que o delírio
nos conduz à arte de sobreviver.
Com ele escrevemos poemas e panfletos.
E, da utopia, fazemos realidade.
─ Não temes “sucumbir em nome do delírio”,
imóvel presença?
─ Não percebeste, mar, o alcance do delírio?
Ele nos acende o desejo.
É ele quem nos anima a fala.
E dá vida à poesia.
─ Mas podes sucumbir em nome do desejo da poesia,
esqueleto.
─ Eu, restolho do desejo da morte,
diante da razão fraca e vazia,
assumo o delírio que luta contra o arpão
e contra o tempo,
porque o tempo
tudo pode.
E nada pode.
─ Existe algo que nos possa livrar, Moby Dick?
Alguma coisa que nos livre dos arpões?
Algo que nos permita dobrar o irresoluto tempo?
─ Pressinto, verdeazul-corpo-d’água,
que “todos estamos num barco,
lutando com nosso monstro particular”:
Eu e meu monstro?
E quem é esse monstro, me pergunto?
E me respondo: o que não sabemos de nós.
E o que deixamos o outro decidir por nós.
─ Nós? Mas o eu não é coletivo, esqueleto.
Em sincronia, ambos são um e outro,
indivíduo e multidão entre águas e areia:
“A branca areia as lágrimas banhavam,
Que em multidão com elas se igualavam.”
─ Por enquanto, mar,
só tenho perguntas e dúvidas.
E vivo fugindo da razão do caçador
que persegue meus descendentes:
─ Partejamos petrificada solidão
ante as ameaças, esqueleto.
O que então nos percorre o existir?
─ O desejo de vencer o tempo,
a vontade de vencer o arpão.
─ O que é o tempo, Moby Dick?
─ O tempo é muitos.
Pode se tornar arpão da morte urdida pelo tirano
ou vontade do tirano executando o castigo da quilha.
─ Renovo a pergunta: haverá, baleia, algo pior
que a nave cega conduzida pelo tirano?
─ O súdito que coroa e aclama o tirano.
E àqueles que aplaudem o séquito do tirano,
rememoro outros versos de além-mar:
“Chamam-te Fama e Glória soberana,
Nomes com quem se o povo néscio engana!”
─ O que nos resta, Moby Dick?
─ Por enquanto, em volta de nós,
águas abissais.
Razão doente.
Nave cega.
Mas há o palco.
O desejo de entrar de entrar em cena.
O desejo de escrever e dirigir o espetáculo.
E o desejo de atuar.
Para isso nos basta o delírio.
E mais: o corpo e a palavra.
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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
24/7/2019 às 21h26
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