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Domingo,
3/5/2020
Blog da Mirian
Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
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Águas originárias
Das coisas que, em simultaneidade,
passaram e não passaram, regozija-me
o ter tido e o não ter tido tempo.
O ter sido paixão e cio.
Da escuridão ao dia seguinte,
viver ou ter vivido na confluência
das horas e intervalos.
Da fonte, soubesse eu.
Antes, muito antes.
Eros, cingindo-me o sexo
à vertigem das águas
originárias.
(Do livro Vazadouro)
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3/5/2020 às 17h31
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Flúmen do dia
Vertendo sussurros de calma, o líquido
repercute a voz da carranca de pedra.
Colar d’água, desliza o vazadouro
a circundar o umbigo da terra.
Lado a lado, corredeira e tempo.
Carregam palavras não ditas.
Recordam idos e havidos.
Livres, água e tempo descem à terra.
Entre córregos e limos, caminham.
Livres, rocha e queda sobem às nuvens.
Sobre o ilusório, evaporam-se.
Resta um tempo inexistente.
Corre um tempo enclausurado
de enlouquecedora trégua.
Surge um tempo que não passa.
Pudera eu parar o flúmen do dia.
Pudera eu alimentar o redil
do meu coração em chamas.
(Do livro Vazadouro)
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18/4/2020 às 10h23
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Águas sedentas
Alimenta-se de perenidade
a garganta da pedra a engolir o mundo
à verticalidade das mansas águas
quedando lentas.
Mansas águas umedecendo
ritos, seixos, sentimentos.
Água cadente. Estrela liquefeita.
Água que se vai ao destino ignorado.
Dia longo a travar dia breve.
Água doce ou salmoura na ferida.
Água funda escondendo água rasa.
Igualam-se fonte e tempo.
Águas sedentas,
lambendo lábios
de pedra.
(Do livro Vazadouro)
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4/4/2020 às 09h47
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Nas linhas das minhas mãos V
Naquele que não era Pedro,
amei a negação do amor ante o casual
encontro que lhe revelou meu corpo.
Mas de Pedro eu me perdi.
Porque de Pedro eu me afastei,
antes de tê-lo conhecido.
Naquele que Pedro não é, amo a paixão
antes de sabê-la parte de mim.
Naquele que não é Pedro,
amo a fragilidade.
Amo a pressa de ir-se antes,
bem antes, do bocejo da manhã.
No outro, amo aquele
que não é Pedro. Amo-lhe o sexo
vazando-me tempestades de sêmen
nas entranhas do amor.
Perfeita imperfeição,
aquele que à minha casa retornou,
Pedro não era. Mas sempre
lhe espero o retorno.
Ainda que junto a mim não se demore
após trazer-me as chaves do quarto.
(Do livro Canções de amor
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14/3/2020 às 10h35
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Nas linhas das minhas mãos IV
Às previsões das linhas cruzadas,
minhas mãos outra vez acolheram o visitante
que retornou, tal fosse o filho pródigo
renascido no parto da espera.
E, à sua chegada, matei o novilho.
E cozinhei o pão. E lhe servi o vinho.
E lhe entreguei o fruto
que a abelha adoçou.
E outros amei.
E amei outro que não era Pedro.
Aquele que na imagem de muitos
se revelou uno, confesso que amei.
Em Pedro amei o caminho dos remos.
E ao trazer-me cestos de bons augúrios,
pesada sua barca. Teimosa a rede,
a reiniciar a pesca.
Teimosa a perseverança
humanizando a Terra.
Em Pedro, amei o ofício.
E, se estrangeiro ele fosse,
o seguiria à terra de origem.
Do livro Canções de Amor
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29/2/2020 às 10h26
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Nas linhas das minhas mãos III
No visitante que em três dias retornou,
reconheci Pedro. Pedro, perfeição imperfeita,
em teu caminho encontrarei
minha pedra de humanidade.
Pedro, o que retornou à minha casa,
no que me deixou de presença e vazio,
amei-lhe o rosto. Daquele que se fez indefinição,
amei-lhe o perfil. Amei-lhe as palavras.
Nele amei a negação, ante o desolado
canto do galo que lhe anunciou a fé.
Amei-lhe a pureza, antes de sabê-la
parte de si. Amei-lhe a dúvida.
Em Pedro, amei a recusa.
Amei o temor.
Amo a contrição.
Do livro Canções de Amor
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15/2/2020 às 14h49
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Nas linhas das minhas mãos II
Naquele dia ele veio, trazendo
bandeiras de festa. Ele era um. E era muitos.
E sem saber-lhes batismo ou descendência,
à minha mesa sentaram-se.
Nos vários fragmentos deixados por todos,
pressenti contradições. Em irrealizada unidade
imaginei completude. No visitante, vi outros
que, sem procurar, encontrei.
Encontrei aqueles que de mim
se apartaram antes da chegada,
naquelas ruas e horas vazias
onde inda prossigo na busca.
Pelos desenhos indecifráveis
nas linhas das minhas mãos.
Do livro Canções de Amor
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2/2/2020 às 10h06
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Nas linhas das minhas mãos I
Sem demora, ele veio trazendo no bolso
as chaves da noite. Ele era um. E muitos.
Sem saber-lhe do rosto ou da demora,
tornou-se outros que em vão procurei.
Ao revelar-se uno e plural
tornou-se ele o que sempre almejei
aquele que incessantemente eu procurava
em lugares onde nunca estive:
Dentro da cidade dos pássaros
Em meio à relva da arcádia de Pã
Na garganta dos ventos
No topo dos montes sacros.
Pedro mostrou-se outros que encontrei
nos lugares onde não pude habitar:
Nos fios do tecido das roupas
Nas linhas das minhas mãos.
Pedro, aquele que eu buscava.
O que, no íntimo, tento encontrar.
(Do livro Canções de amor )
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29/12/2019 às 11h32
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Homenagem a Rubens Jardim
No dia 3 de dezembro de 2019, o Sarau Gente de Palavra Paulistano homenageou Rubens Jardim, numa festa-surpresa organizada pelo poeta Cesar de Carvalho. O evento, realizado na Livraria Patuscada, contou com a participação musical do maestro Daniel Faria e com a colaboração do editor Eduardo Lacerda (Ed. Patuá), que reuniu numa antologia cerca de 70 poetas homenageando Rubens Jardim. Essa publicação inclui meu poema “Verso-fêmea”. Entanto, inspirada nas imagens de um poema de Rubens Jardim, recentemente publicado no Facebook, outro poema de minha autoria foi escrito e lido no dia do sarau: “Enigmas e cantares”, que ora apresento aos leitores e amigos.
Enigmas e cantares
“Mas como
como explicar este meu corpo...”
Rubens Jardim
Não me perguntarei pelo teu corpo.
Mas como
como não me perguntar
sobre teu sentimento
sem margem e sem limite
explodindo o fôlego do poema?
Não me perguntarei pelo teu corpo.
Mas como
como não me perguntar
pelo arremesso da palavra gerando
o alimento na panela?
Como não me perguntar pelas chamas
dançando na cozinha ao preparo do teu verso?
Como não me perguntar pelo enigma
da lâmpada iluminando o sol
na véspera do teu poema?
Tudo que me perguntei
sobrevive naquilo que desconheço:
enigma da paixão sonâmbula
despertando teus cantares.
Por isso,
não me perguntarei pelo teu corpo.
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14/12/2019 às 09h37
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Quanto às perdas V
Entender o impossível, não quero.
Não quero saber da ceifa instigando
o fio cego da morte. Nas lápides, não desejo
ler a medida do vazio que aguarda aquele
cujo nome eu não sei.
Afeita ao cotidiano, retomo
a colheita dos matizes.
Em meus lençóis os bordados esperam
o visitante, enquanto nas samambaias
o sol perfura rendas verdes
que me adornam a sala.
À mesa, disponho cadeiras
para o afeto. O que sei deste dia
resume-se no gosto do licor.
Das perdas, consolam-me
pequenos danos.
Foram-se os anéis.
Agoniza o tempo.
O instante resfolega.
Nada mais que isto.
(Do livro Nada mais que isto)
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14/12/2019 às 09h04
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Julio Daio Borges
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