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Segunda-feira,
10/8/2020
Blog da Mirian
Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
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Gabbeh
Para Renata Machado
Ao tempo do filme,
pintei cores vivas no chão
que aguardaria meus passos à hora da saída.
Ao tempo do filme,
iniciei pontos e nós no desenho da estória
a ser gravada em meu tear de palavras.
Desfiando meadas de lã, ouço perguntas
que me despertam a fala:
─ Quem és?
─ Filha dos nós e pontos de areia.
─ Como te chamas?
─ Tecelã da Espera.
Em busca do tempo evadido de si mesmo,
minha tribo nômade atravessa ruas e cidades.
E não chega a lugar nenhum.
Desfiando outras vozes dirigidas a mim
entrelaço sentidos à minha fala irreverente e dúbia:
─ Que ofício te completa as horas?
─ Burilar palavras.
─ Pra que servem as palavras que esmerilhas?
─ Para tingir a alma dos tapetes e pés.
Em cada imagem urdida, atravesso o amarelo dos sóis.
Nas cores vivas, lavo o amor com tintas do cuidado.
─ Não sentes fome?
─ Me alimento de desejos.
Em tempos de penúria,
meus cavalos e sonhos
carregam peso e leveza do vazio.
Nas miragens dos espelhos,
pressinto provisões de água e frutos.
Ao tempo do filme,
avistei meu clã em nômade travessia
conduzindo minhas dúvidas.
Ao seu rastro me fiz tecelã das lendas
que quero viver.
Hoje e sempre.
Depois do filme.
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Gabbeh:
Título de filme, nome da personagem e espécie de tapete iraniano feito pelas tribos nômades de Gashhai. Numa região em que as mulheres não têm voz, as tecelãs podem contar através dos desenhos histórias pessoais e do lugar onde vivem.
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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
10/8/2020 às 09h36
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O estranho que me completa
Lugar das metamorfoses, o jardim.
Chuva que se torna tempo.
Poça que não se faz temporalidade.
Queda que não cai em corredeira.
Água que se torna invenção.
Teia dos ciclos da luz, o lago.
Fugindo das turbulências,
fugindo das repetições,
minhas mãos descem
à imagem.
Narciso, o estranho
que me completa o dia e o sexo,
ao aprendizado das transfigurações.
Minhas.
E do outro.
(Do livro: Vazadouro)
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18/6/2020 às 19h22
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No cortejo das águas
Olham meus olhos e pensamentos
pequenos cisnes a deslizar pelo verde
da barra na parede.
Enquanto contemplo o sossego do nado,
lambem-me a pele regatos transitórios.
Imersa em mim, embalo meus rios de memórias
nesse cortejo das águas e aves de azulejo.
À hora do banho, um pouco de nós se vai.
(Do livro: 50 poemas escolhidos pelo autor)
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17/5/2020 às 11h07
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Águas originárias
Das coisas que, em simultaneidade,
passaram e não passaram, regozija-me
o ter tido e o não ter tido tempo.
O ter sido paixão e cio.
Da escuridão ao dia seguinte,
viver ou ter vivido na confluência
das horas e intervalos.
Da fonte, soubesse eu.
Antes, muito antes.
Eros, cingindo-me o sexo
à vertigem das águas
originárias.
(Do livro Vazadouro)
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3/5/2020 às 17h31
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Flúmen do dia
Vertendo sussurros de calma, o líquido
repercute a voz da carranca de pedra.
Colar d’água, desliza o vazadouro
a circundar o umbigo da terra.
Lado a lado, corredeira e tempo.
Carregam palavras não ditas.
Recordam idos e havidos.
Livres, água e tempo descem à terra.
Entre córregos e limos, caminham.
Livres, rocha e queda sobem às nuvens.
Sobre o ilusório, evaporam-se.
Resta um tempo inexistente.
Corre um tempo enclausurado
de enlouquecedora trégua.
Surge um tempo que não passa.
Pudera eu parar o flúmen do dia.
Pudera eu alimentar o redil
do meu coração em chamas.
(Do livro Vazadouro)
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18/4/2020 às 10h23
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Águas sedentas
Alimenta-se de perenidade
a garganta da pedra a engolir o mundo
à verticalidade das mansas águas
quedando lentas.
Mansas águas umedecendo
ritos, seixos, sentimentos.
Água cadente. Estrela liquefeita.
Água que se vai ao destino ignorado.
Dia longo a travar dia breve.
Água doce ou salmoura na ferida.
Água funda escondendo água rasa.
Igualam-se fonte e tempo.
Águas sedentas,
lambendo lábios
de pedra.
(Do livro Vazadouro)
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4/4/2020 às 09h47
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Nas linhas das minhas mãos V
Naquele que não era Pedro,
amei a negação do amor ante o casual
encontro que lhe revelou meu corpo.
Mas de Pedro eu me perdi.
Porque de Pedro eu me afastei,
antes de tê-lo conhecido.
Naquele que Pedro não é, amo a paixão
antes de sabê-la parte de mim.
Naquele que não é Pedro,
amo a fragilidade.
Amo a pressa de ir-se antes,
bem antes, do bocejo da manhã.
No outro, amo aquele
que não é Pedro. Amo-lhe o sexo
vazando-me tempestades de sêmen
nas entranhas do amor.
Perfeita imperfeição,
aquele que à minha casa retornou,
Pedro não era. Mas sempre
lhe espero o retorno.
Ainda que junto a mim não se demore
após trazer-me as chaves do quarto.
(Do livro Canções de amor
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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
14/3/2020 às 10h35
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Nas linhas das minhas mãos IV
Às previsões das linhas cruzadas,
minhas mãos outra vez acolheram o visitante
que retornou, tal fosse o filho pródigo
renascido no parto da espera.
E, à sua chegada, matei o novilho.
E cozinhei o pão. E lhe servi o vinho.
E lhe entreguei o fruto
que a abelha adoçou.
E outros amei.
E amei outro que não era Pedro.
Aquele que na imagem de muitos
se revelou uno, confesso que amei.
Em Pedro amei o caminho dos remos.
E ao trazer-me cestos de bons augúrios,
pesada sua barca. Teimosa a rede,
a reiniciar a pesca.
Teimosa a perseverança
humanizando a Terra.
Em Pedro, amei o ofício.
E, se estrangeiro ele fosse,
o seguiria à terra de origem.
Do livro Canções de Amor
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29/2/2020 às 10h26
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Nas linhas das minhas mãos III
No visitante que em três dias retornou,
reconheci Pedro. Pedro, perfeição imperfeita,
em teu caminho encontrarei
minha pedra de humanidade.
Pedro, o que retornou à minha casa,
no que me deixou de presença e vazio,
amei-lhe o rosto. Daquele que se fez indefinição,
amei-lhe o perfil. Amei-lhe as palavras.
Nele amei a negação, ante o desolado
canto do galo que lhe anunciou a fé.
Amei-lhe a pureza, antes de sabê-la
parte de si. Amei-lhe a dúvida.
Em Pedro, amei a recusa.
Amei o temor.
Amo a contrição.
Do livro Canções de Amor
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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
15/2/2020 às 14h49
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Nas linhas das minhas mãos II
Naquele dia ele veio, trazendo
bandeiras de festa. Ele era um. E era muitos.
E sem saber-lhes batismo ou descendência,
à minha mesa sentaram-se.
Nos vários fragmentos deixados por todos,
pressenti contradições. Em irrealizada unidade
imaginei completude. No visitante, vi outros
que, sem procurar, encontrei.
Encontrei aqueles que de mim
se apartaram antes da chegada,
naquelas ruas e horas vazias
onde inda prossigo na busca.
Pelos desenhos indecifráveis
nas linhas das minhas mãos.
Do livro Canções de Amor
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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
2/2/2020 às 10h06
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Julio Daio Borges
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