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Sábado, 5/12/2015
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metamorfoses

De poeira
à purpurina

Fênix nosso
de cada
dia.

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Postado por Metáforas do Zé
5/12/2015 às 16h44

 
Conheça Carácolis (parte 1)

Carácolis é um país perdido no continente antártico, num lugar cujo relevo tem todas as condições necessárias para a sobrevivência. Ignorado até há bem pouco tempo pelo resto do mundo, tornou-se conhecido depois que passou a exportar caracóis, tornando-se a principal economia da nação.

"Não é mol a casca del caracol" é o primeiro verso de seu hino. A língua oficial é uma mistura de espanhol e português chamada enrolês. Falam devagar, assim com são umas lesmas quando se trata de trabalhar. O produto de exportação, portanto, não poderia ser outro, afinal não dá muito trabalho criá-los.

O regime político é o presidencialismo de casca, que funciona da seguinte forma: o povo elege o governante que, por sua vez, refugia-se na sua casa, uma espécie de caverna em forma de concha de caracol. De lá, executa as leis escritas nas paredes pelos antepassados que, dizem, teriam vindo de um país da América. De vez em quando o presidente, atualmente uma presidenta, põe a cabeça para fora para ver se está tudo tranquilo. Como nunca está, refugia-se de novo e convida seus correligionários para comemorar o sucesso do governo.

Conta-se que a atual governante foi proibida de falar em público, pois se enrolava muito mais do que o próprio enrolês que já é enrolado. A população, por sua vez, também evita falar e prefere se comunicar com celular, uma das poucas invenções do exterior que deram certo em Carácolis. A escrita, no entanto, me pareceu mais enrolada ainda. Conseguem complicar e tornar mais ilegível o que já é complicado e legível. Dizem, porém, que conseguem se comunicar e é o que importa.

Há controvérsias quanto à origem do nome do país. Numa pouco frequentada biblioteca, livros enrolados como os antigos papiros nos contam duas versões. Uma, a que me parece mais óbvia, diz que o nome deriva, por suposto, do plural de caracol. Outra versão, mais mitológica, diz que os primeiros habitantes teriam chegado numa espécie de canoa plana, sem remo (acredito que seja uma prancha de surfe) e, quase mortos de frio, ao verem a beleza e a singularidade do lugar, exclamaram "caraca!".

"Caraca!" exclamei também eu (na verdade não foi bem essa a expressão que usei) quando fui assaltado em plena rua. Nisso eles são ligeiros, ah! como são! Mas isso é um assunto para um próximo relato, se não roubarem meu notebook.

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Postado por Blog de Cassionei Niches Petry
5/12/2015 às 12h30

 
Diário

Em cada roupa
u'a postura

Cada vez mais
vejo que
tudo é uma
questão de
empunhadura

Como é que pode
trocar de alma
como quem troca
de roupa,
ou será o contrário?...

................

A memória funciona
como um
verdadeiro
origami

Os vincos
deixados no
papel em branco
jamais serão
removidos

Aquela velha jaqueta
guardada
é uma
autêntica
armadura

Os gestos
se diluem
e as intenções
se petrificam.

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Postado por Metáforas do Zé
5/12/2015 às 10h22

 
Chocolate - Filmes

Escorrendo da fonte de sementes,
o amargo se mistura ao açúcar adoçando
lábios e desejos que me arrepiam a pele.
E as coisas do dia a dia comemoram
a metamorfose do fruto ao calor da cozinha.

Em minha aldeia de cacau, amoroso cheiro
entranha-se no coração e no gosto do confeito.

Aos ritos natureza, à língua do visitante
dissolvem-se peixes de amêndoas
aninhados em rendas de açúcar.
E, animizando bonequinhas de bombom,
o licor dos Mamilos de Vênus amamenta
o namoro dos deuses e humanos.

Fechadas ou abertas,
as asas do fogo iluminam-me olhos e púbis
enquanto as cinzas das avós
enternecem o Vento Norte
aquecendo-se ao fogão.

Em minha aldeia de cacau, a cada visitante
o sabor exato ao tempo do amor.

Em minha aldeia de lendas, o passado
dissolve-se na panela adoçando a vida.


(Poema do livro VAZADOURO. São Paulo: Escrituras, 2011)

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Postado por Blog da Mirian
5/12/2015 às 09h43

 
Paródia, paráfrase & cia.

Mentiram-me,
mentiram para mim e para o Affonso
mentiram amanhã, hoje e ontem
mentem e metem
mentiras na cabeça da gente.

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Postado por Blog de Cassionei Niches Petry
4/12/2015 às 15h56

 
Divisões históricas

Uma notícia em um portal sobre a adaptação do livro Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, de Leandro Narloch, para a emissora History Channel, provocou um debate estranho. De um lado aqueles que se dizem de esquerda atacaram a proposta pelo fato do autor ser ligado à Veja e que seria paradoxal realizar uma produção financiada com dinheiro público. Já os ditos de direita apoiaram, pois seria uso de verba pública para a divulgação de um ponto de vista que não seja o da esquerda.

Esse debate é fruto de um momento singular que vivemos no Brasil atualmente, de uma divisão cada vez mais acentuada entre aqueles que se dizem de esquerda e aqueles que se dizem de direita. E, como não poderia ser diferente, é uma divisão altamente temperada pela alienação com relação a política, economia, e com baixíssimo nível de dialética. Dificilmente um grupo se presta a entender o ponto de vista do outro, sem contar os termos tão rasos usados para rebaixar o outro (coxinha, fascista, esquerda caviar, comunista).

É curioso como esse tipo de abordagem é utilizada de maneira um tanto quanto estranha ou até equivocada. Nesse caso específico, pega-se a história, que é uma ciência com toda uma base metodológica de estudos, e se transforma em mera disputa de poder entre um grupo ou outro. Isso mostra como popularmente as ciências sociais ainda são vistas como mero achismo, como se um pesquisador produzisse apenas embasado por convicções políticas. Não se tacham físicos, engenheiros, matemáticos, biólogos ou astrônomos como esquerda ou direita. Mas economista, historiadores, geógrafos, sociólogos, esses sim são de direita ou de esquerda.

Um dos fatos que envolvem esse pensamento é a diferenciação entre produção acadêmica e a posição política de muitos estudiosos. O fato de um economista, um historiador ou outro acadêmico considerar que medida X ou Y seja melhor para o país o coloca logo em descrédito pelo grupo que detém o ponto de vista oposto. O nível de divisão na qual o país se encontra atualmente leva essa definição a ser cada vez maior.

Eric Hobsbawn, ao escrever A Era dos Extremos, explica como é difícil produzir estudos sobre história de uma época em que o historiador viveu, justamente pela paixão que os fatos contemporâneos geram. O ideal é que se estude aquilo que aconteceu antes mesmo do nascimento do pesquisador, de maneira fria. Tanto é que discutir Ditadura Militar ainda gera muitos dissabores, mas a Proclamação da República é fato menos movido a sentimentalismos ou saudosismo (apesar de ter surgido um movimento pedindo a volta da monarquia no Brasil).

As divisões políticas que vivemos no Brasil são fruto de uma complexa série de fatores históricos. Essa dualidade entre esquerda e direita nasce da Guerra Fria, que apesar de finalizada com a queda do muro de Berlim, ainda reverbera pela América Latina. As propostas do Consenso de Washington, que firmaram as premissas do neoliberalismo, se misturam a uma herança de imperialismo e acabam sendo consideradas como uma falta de patriotismo e entreguismo. Por outro lado, essa mesma herança de imperialismo gera uma esquerda com toda faceta de populismo, sustentada em muita retórica e simbologia, com uma visão agravada pela lembrança de tomadas de poder através de um exército popular, o que na América só ocorreu em Cuba e na Nicarágua, tendo todas as outras iniciativas fracassado. Enquanto Estados Unidos e Cuba voltam a se relacionar e Samuel Huntington em seu Choque de Civilizações afirmou que a nova ordem mundial se baseia em questões culturais e não mais na dualidade entre capitalismo e comunismo, no Brasil temos uma divisão que remete a décadas passadas.

Temos um misto de memórias que se confundem junto a uma forte dificuldade de compreender o presente, agravado pelo baixo processo de dialética, o que impede que se analise o próprio pensamento de maneira crítica. Vejo muitas opiniões em oposição a Marx, Gramsci, Mises, Friedman, e tenho uma forte impressão de que a quantidade de críticas não é proporcional à leitura de textos desses pensadores. Na poesia acontece um processo de mudança de sentido: pega-se uma frase de um determinado escritor, tira de contexto e se tem um autor de autoajuda, sem contar na imensa quantidade de frases inventadas - nesse quesito Clarice Lispector sofre imensamente. Algo similar acontece nesses autores que tangem economia, história, política, etc: frases soltas para se tentar criticar, fora de seu contexto e, assim, sem causar uma reflexão maior.

É natural que em uma sociedade venham a ocorrer os mais diversos choques de opinião. É isso o que move uma democracia. Porém, retomando a ideia do método socrático, da tese e da antítese é preciso surgir uma síntese. No caso do Brasil, é por vezes assustador que esse processo não ocorra, dando uma impressão de que a sociedade cada vez mais se divide e que a continuidade democrática possa entrar em choque.

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Postado por Blog do Carvalhal
4/12/2015 às 13h57

 
Mínimo Múltiplo Incomum

A extensão
se estende
pelos detalhes

O infinito
se desdobra
no mínimo

O micro
olhar...

Galáxias
se ampliam

Os sons
se multiplicam,

tão logo
transponho
o portal

Limite entre o
macro e o
infinitesimal

Quando as
equações se
traduzem
somente
em dízimas
periódicas.

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Postado por Metáforas do Zé
3/12/2015 às 14h58

 
Crônica de um dia distante

Hoje é um típico dia de verão do ano de dois mil e cinquenta.

Verão tem coisas que as outras estações não têm.

É o tempo que muda de repente, a chuva que cai e logo se vai na enxurrada, transformando o pó em barro.

Meus olhos cediços percebem o movimento do tempo, que insiste me contar os casos de ontem.

Já vivi mais do que poderia supor, oitenta e cinco anos que hoje completo e até agora ninguém me cumprimentou.

Talvez mais tarde, quem sabe.

Como sempre acordei cedo e os outros estão dormindo, esticados nas conchas.

O sonho de ontem me faz recordar coisas do passado: amigos que se foram, um tucano comendo jatobá.

Tucano não existe mais, nem jatobá.

Agora sei que o tempo voa e, de fato, não volta.

Uma canção do saudoso Milton Nascimento dizia: "os sonhos não envelhecem".

É verdade, prossigo jovem na ilusão de meus sonhos, nos quais caminho e revejo a cidade quando tinha obelisco e no mercadão as índias vendiam sopa paraguaia.

Um leve tremor me percorre todas as vezes que estaciono os olhos num determinado lugar, que é branco, cinza, nem sei.

Será o fim que se aproxima?

Existirá um fim?

Deus existe?

Religiosos ainda brigam, cada um defendendo seu Deus.

Insistem por um lugar no céu, enquanto outros, como eu, esperam que Ele se mostre entre nuvens douradas e diga: "aqui estou, parem de brigar!".

Nem tudo foi melhor que agora, a substituição dos políticos por computadores, por exemplo, foi um grande avanço.

A máquina é mais justa que os homens, não roubam, não se locupletam.

Aos poucos os de casa despertam.

Minha neta estranha que eu continue digitando no velho computador, desprezando a tela plana digital e se mostra assombrada quando encontra um dos livros da minha coleção.

Papel é para ela algo muito estranho e, desatinada, desconhece Gabo e Rubem Braga.

Que pena.

De repente ela diz algo que não consigo escutar.

E enquanto procuro captar o som, apoiando o ouvido na mão, ela fica sobrevoando em volta de mim com seu tênis planador, às vezes balançando a cabeça, como se estivesse diante de um museu ambulante.

Sei que meu modo de vestir; calça jeans, camiseta e tênis, é para ela coisa de gente velha, mas por mais que insista, jamais usarei suas roupas de acrílico.

As pessoas precisam entender que eu sou de muito antes do terremoto.

Agora há pouco uma luz piscou e não sei se é real.

Às vezes confundo o concreto com o virtual.

Não uso nature sensation porque prefiro ir até a montanha para sentir o cheiro da cânfora e insisto ignorar o tal transmutador: entrar numa caixa e sair do outro lado do mundo, não me causa sossego.

Outro neto se aproxima e me faz um carinho.

A irmã se junta a ele e no aperto de um botão se ligam ao mundo que surge na parede, fazendo com que figuras movediças, em forma de gente, animal e flores adentrem a nossa casa provocando de vez a mistura entre real com o virtual.

Fico quieto, abraçando o passado, sedento em lhes mostrar que o dia já foi mais azul e a noite mais estrelada, porque o céu de hoje sente falta das estrelas que morreram e dos passarinhos de antes.

Mas eles não escutam os gritos do meu silêncio, prosseguem tateando o nada, sequer desconfiam que eu já vi um tucano comer jatobá.

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Postado por Blog de ANDRÉ LUIZ ALVEZ
3/12/2015 às 11h57

 
Vozes de Mariana

Pouco antes do rompimento da barragem de lama de minério na região de Mariana, Minas Gerais, que provocou a maior calamidade ambiental da história do Brasil, a leitura de um livro extraordinário me roubou o sono por várias noites. Vozes de Chernobyl, da jornalista bielorussa Svetlana Alexievich, Prêmio Nobel de Literatura deste ano, é leitura essencial para qualquer pessoa que se importe com o futuro do nosso frágil planeta, já tão maltratado.


Svetlana Alexievich, Prêmio Nobel de Literatura 2015


Praticamente desconhecida no mercado editorial de língua inglesa e ainda sem tradução para o Português, a obra de Alexievich foi louvada na cerimônia de entrega do Nobel, em outubro passado na capital sueca, como "um monumento ao sofrimento e à coragem dos nossos tempos." Tive que recorrer à internet para ter acesso a esta obra prima, que afinal consegui ler sob a forma de livro eletrônico, em uma ótima tradução espanhola. Sem qualquer favor, arrisco-me a dizer que este foi o livro mais impactante que já li em toda a minha vida. Foi também, para mim, a leitura mais relevante em termos planetários.

Muito mais do que uma obra literária, Vozes de Chernobyl é o resultado de um exaustivo trabalho de jornalismo investigativo, onde as únicas vozes que aparecem são de pessoas que vivenciaram diretamente a maior catástrofe ambiental da historia da humanidade, detonada com a explosão de um dos reatores da usina nuclear da pequena cidade de Chernobyl, na então União Soviética, no dia 26 de abril de 1986. A primavera tinha chegado naquela pacata região rural e os campos estavam floridos. O mundo parecia viver em paz, quando, de repente, tudo o que havia ali deixou de existir - pessoas, animais, casas, escolas, vegetação, história, lembranças.

O livro nos faz ouvir as vozes da gente simples que vivia naquela terra e dela tirava o sustento de suas famílias. São vozes dos sobreviventes da tragédia - homens, mulheres e crianças, vidas anônimas que foram violentamente destruídas de uma hora para a outra, por causa da explosão nuclear. Passados dez anos daquele dia de abril, poucos habitantes da região haviam sido procurados para contar suas historias.

Inconformada com este silêncio inexplicável, Svetlana Alexievich resolveu ouvi-los. Durante três anos, armada com um gravador de voz, ela entrevistou centenas de sobreviventes, muitas vezes em áreas ainda contaminadas pela radiação, com riscos à própria saúde. Sem demonstrar qualquer pressa, a jornalista conversava com cada entrevistado sobre temas aparentemente desvinculados da tragédia ambiental - amor, escola, casamento, receitas culinárias, cultivo da horta -, fazendo-os reviver aos poucos o que, para muitos, já parecia estar enterrado havia uma década.

Tenho que alertar a quem estiver interessado que esta não é uma leitura fácil. Os depoimentos pessoais são emocionalmente devastadores. Cada capítulo é cuidadosamente construído, em um ritmo crescente de envolvimento do leitor, até atingir o parágrafo final, sempre surpreendente e emocionante. Não dá para se ler tudo de uma só vez. Eu, pelo menos, senti várias vezes necessidade de deixar o livro de lado por uns tempos, apenas para recobrar meu equilíbrio interior, antes de retomar a leitura. Mas, mesmo quando não o estava lendo, o livro nunca me deixou.

Vozes de Chernobyl tem um estilo incomum, difícil de ser definido. Não há conteúdo editorial. Em momento algum se ouve a voz da autora. Todas as palavras do livro são proferidas pelos entrevistados na intimidade da primeira pessoa do singular, como se estivessem falando diretamente conosco. Aqui e ali, aparecem apenas algumas anotações curtas, para transmitir o clima emocional daquela entrevista, do tipo [risos], [começa a chorar] ou [faz-se um longo silêncio].

Cada capítulo é um monólogo de uma pessoa diferente: um lavrador que estranhou não ouvir o zumbido das abelhas quando aconteceu o acidente na usina nuclear (as abelhas "já sabiam", bem antes dos homens!); mulheres contratadas pelo governo para lavar as roupas dos soldados "liquidadores", contaminadas pela radiação, e logo ficavam com as mãos cheias de bolhas e feridas; a jovem viúva de um bombeiro que foi chamado no dia da explosão para combater o que acreditava ser apenas um pequeno incêndio, sem qualquer proteção especial; crianças que foram transportadas a outros países e eram sempre vistas com medo e desconfiança por todos; o patriota soviético que se sentia abandonado à própria sorte e recordava com nostalgia os tempos idos, em que o Estado lhe parecia confiável e indestrutível; a velhinha que desafiou a lei e se recusou a abandonar sua casa, mesmo sob a ameaça de armas de fogo; jovens soldados de outras cidades do país, convocados às pressas e sem maiores explicações para evacuar as casas e matar todos os animais que encontrassem pela frente na região.

Aos poucos, o leitor vai encaixando as peças do quebra-cabeça da União Soviética do final dos anos 80, já bem próxima do seu colapso sócio-político. Neste livro, não se buscam culpados. Todos são vítimas desta catástrofe planetária, que não respeitou fronteiras geopolíticas. A radiação que vazou de Chernobyl foi tão brutal que, em menos de uma semana, se espalhou por toda a Europa. Em duas semanas, países que se acreditavam muito distantes da tragédia, como os Estados Unidos, Canadá e Japão, já haviam detectado sinais desta radiação em seus territórios.

Tragicamente, as consequências do acidente nuclear de Chernobyl ainda estão longe de terminar. A cada ano que passa, cresce o número de pessoas com câncer, deficiências mentais, disfunções neuropsicológicas e mutações genéticas. De cada catorze pessoas que vivem na região, só uma morre de velhice.

Como uma premonição absurda, o livro me perseguiu, desde a primeira página, com a pergunta cruel: E se uma catástrofe ambiental de grandes proporções como esta acontecesse aqui no Brasil?

Eu estava já nas últimas páginas do livro, quando o que parecia um desvario produzido pela emoção da leitura, de repente, aconteceu. No último dia 5 de novembro, os jornais noticiavam a tragédia: a pacata Bento Rodrigues, na região de Mariana, interior de Minas Gerais, desaparecia do mapa, soterrada sob a lama da mineradora. Era apenas o começo de um monstruoso pesadelo humano e ecológico, cujas proporções ainda não puderam ser completamente avaliadas - se é que algum dia o serão.

Incapaz de assimilar tanto sofrimento de uma só vez, fiquei vários dias sem coragem para ler as poucas páginas que ainda me faltavam. Da noite para o dia, Chernobyl ficou próximo demais do meu quintal.

Um dos relatos que mais me emocionaram foi o de uma jovem adolescente, sobre a forma como sua avó se despediu da casa onde a família morava, pouco antes de ser evacuada:

Minha avó pediu para o papai buscar um saco de grãos que estava no sótão e os espalhou pelo jardim: 'Para os passarinhos de Deus'. Pegou uma cesta de ovos e os distribuiu pelo quintal: 'Para o nosso gato e para o cachorro'. Cortou uns pedaços de toucinho. De todos os saquinhos retirou as sementes: de cenoura, de abóbora, de pepinos, de cebola. De flores diferentes. E espalhou todas aquelas sementes pelo jardim: 'Que vivam na terra'. Em seguida, fez uma reverência à casa. Se inclinou diante do telhado. Percorreu as macieiras e as cumprimentou, uma a uma. Na hora de ir embora, vovô tirou o boné.

Assim como Chernobyl, Mariana vivia seu cotidiano tranquilo em um belo dia de primavera, quando o inimaginável aconteceu.

Entre tantas outras, uma pergunta fica no ar: o que tem para nos contar as vozes de Mariana?

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Postado por Blog da Monipin
2/12/2015 às 18h27

 
Paris era uma festa

Há quase uma hora sentado na varanda do hotel, tento em vão escrever alguma coisa, enquanto Zelda mais uma vez é levada para o sanatório por causa das crises e das bebedeiras.

Faz pouco me lembrei de Ernest Hemingway, quando da nossa ida a Lyon para trazer meu Renault, tudo por causa de mais uma das loucuras da minha mulher que havia danificado a capota dele.

Ela adorava os conversíveis. Certa vez, num fim de tarde de outono, não posso negar, foi bonito. Me obrigou a parar no Central Park e comprar, como disse, um buquê de balões. Sentada no para-lamas, rodamos vários quarteirões. Nunca vai apagar da minha memória o deslumbramento das pessoas com nossa loucura.

A primeira vez que estive com o Ernest foi no Dingo, nosso bar preferido. Fomos bebendo, a conversa rendeu. Falamos de tudo, principalmente de literatura. Ele era um jornalista estreante e vinha publicando contos em alguns jornais da Europa. Ficou lisonjeado com meu convite pra ir a Lyon. Num dado momento prometi que ia lhe passar o último exemplar do Great Gatsby que Miss Stein estava lendo.

Não sei se o convidei pela boa companhia, ou por aparentar determinação. Despachado, entendia de tudo, de armas a mulheres, cara pra qualquer parada. Dois anos mais velho, eu era tímido, inseguro, querendo morrer a toda hora, mesmo levando uma vida intensa.

Cheguei a Lyon depois dele. Rodei a cidade e acabei encontrando-o num hotel com cara de bangalô. Eu havia tomado umas doses no trem para quebrar a angústia por ter deixado Zelda em Paris. O aviador francês com quem ela tivera um caso não me saía da cabeça. A contrariedade tolhia minha inspiração. Nada de varar a noite como antes, febrilmente escrevendo páginas e páginas.

Lyon foi bom para desanuviar. Depois de duas garrafas de Mâcon branco, a nossa conversa ficou agradável. Eu o invejava pela serenidade com que falava de seus planos e de Hadly, sua esposa. Durão o cara. Engolia as doses com ferocidade, agitava-se, enquanto eu me encolhia como uma criança amedrontada.

Observando o céu pesado, o dono da oficina disse que não conseguiríamos chegar a Paris porque o Renault sem a capota podia virar uma canoa.

Enfiei o pé no acelerador.

Não andamos meia hora e tivemos que parar num hotel de beira de estrada. Aí começou tudo. Então pude perceber o quanto desamparado e fraco eu era - imbecil também.

As nuvens pesadas que via através da janela do quarto me asfixiavam. Cismei que estava com pneumonia. Três babás não teriam feito o que o Ernest fez por mim. Eu falava do medo de morrer e deixar Zelda e a menina. Mas o que me atormentava era imaginá-la ao lado do piloto francês dando rasantes sobre Paris.

Ridículo, isso mesmo, me senti ridículo depois de todo o aparato para me aliviarem da incurável doença.

O camareiro apareceu e sugeriu um médico. Um açougueiro do interior? Ninguém botava a mão em mim.

Decidi que logo que acabássemos de beber, eu ia descer e telefonar para minha mulher.

Tentei, a ligação ia demorar, talvez o tempo, disse a telefonista.

Mais tarde voltei, fiz outra ligação e ouvi minha filha dizer que a mamãe tinha saído.

Pus o telefone no gancho e pedi um interurbano para o meu editor em Londres. Não falei coisa com coisa. Para justificar, disse que a ligação estava ruim, que depois voltava a chamar.

O meu rosto pegava fogo. Realmente achei que estava com febre. Fui pra rua e fiquei debaixo do toldo, respirando fundo, esperando ar frio aplacar o que ia dentro de mim.

Subi e conversamos enquanto nossas roupas secavam.

Em Paris encontrei o Ernest outras vezes. Os bares variavam, mas ainda tínhamos preferência pelo Dingo. Nos víamos também na livraria da Sylvia Beach, aonde chegavam livros do mundo inteiro.

Os anos foram passando e ele começou a aparecer com mais frequência nas colunas literárias. Irrequieto como era, gostava de viver as mais variadas aventuras. Tinha notícias dele através de amigos e da imprensa. Passava uma temporada na África, voltava pra América. Viajava pra Europa, fazia cobertura da guerra civil espanhola e em seguida aparecia em outro lugar.

Companheirão o bastardo. Pena que não esteja aqui ao meu lado no hotel, me acompanhando no vinho, de novo um Mâcon branco. De vez em quando vem a angústia, a velha angústia que me persegue a vida toda. As pessoas acham que eu não tenho nada, que sou um cara alegre e espirituoso. Sinto que estou chegando ao fim. As mãos tremem, e os pensamentos se sobrepõem uns aos outros, buscando o passado que vai fugindo. Queria ser corajoso e decidido como o Ernest pra acabar com tudo de uma vez.  

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Postado por Blog de Anchieta Rocha
2/12/2015 às 10h30

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Idc Ed.



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Cláudio Luiz Brandão José
Imos
(2007)



Simply Sensational Desserts
François Payard
Broadway Books
(1999)




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