No último mês de maio, a cidade de São Paulo conheceu mais um espaço dedicado ao entretenimento. O novo lugar dedicado à música brasileira pretende oferecer um lugar ao público que alie conforto, sofisticação e qualidade musical apresentando nomes consagrados da MPB, novos talentos em um projeto que combina o ‘know-how’ de Paulinho Rosa, dono do Canto da Ema, e Edgard Radesca, criador do Bourbon Street Music Club, com a experiência da cantora e compositora Vanessa da Mata, juntamente com o patrocínio da Natura, por intermédio da Natura Musical.
A Casa Natura Musical, como é chamada, possui uma localização privilegiada, estabelecida na Rua Arthur de Azevedo, próximo da Avenida Brigadeiro Faria Lima, e poucos minutos da Estação Faria Lima e Fradique Coutinho do metrô. A casa possui um espaço para 710 lugares, parte destes em pé, oferecendo conforto e boa visibilidade de todas as áreas em que o espectador tentar acompanhar o show, além de muita proximidade do palco para os mais aficionados. Palco este com dois camarotes dispostos nos extremos superiores que proporcionam uma sensação de se estar dentro do próprio espetáculo.
A inauguração da casa deu-se no 9 de maio seguindo a premissa da casa, com talentos atuais e aclamados, e contou com Maria Bethânia, Xênia França, Mestrinho, Filipe Catto, Johnny Hooker e Vanessa da Mata.
Foto: Gabriela Canuto dos Reis
O blog pode acompanhar de Baby do Brasil, no dia 12, apresentando o seu novo projeto nomeado Baby do Brasil Experience em que os talentos de Franki Solari na guitarra, de Jorginho Gomes, irmão do ex-marido Pepeu Gomes na bateria, André Gomes no baixo, Dudu Trentin nos teclados e a guitarra base e violonista Daniel Santiago somando talentos numa equipe de virtuoses.
Foto: Gabriela Canuto dos Reis
Assim como a banda, a apresentação de Baby naquele dia foi elétrica. Esbanjando energia e carisma únicos a novo-baiana percorreu todo o tablado e seu repertório, desfilando uma penca de sucessos: Sem Pecado e Sem Juízo, Todo Dia Era Dia de Índio, Cósmica, Telúrica, Brasileirinho, Menino do Rio, A Menina dança, como também versões de Stand By Me, Desafinado, Is This Love, de Bob Marley e a inédita “Aquela Porada” , com Rafael Garrido, uma espécie de “guitarrista pessoal” da cantora, também presente no show. A nova composição estará presente no próximo disco de inéditas desde “Um” de 1997 em que retoma parceria com Pepeu Gomes e soma canções assinadas também com Pitty, Arnaldo Antunes, Rogério Flausino, Wilson Sideral e Luís Sérgio Carlini, lendário guitarrista da Tutti-Futti – que inclusive curtia o show da plateia.
Foto: Gabriela Canuto dos Reis
Se apresentaram desde a estreia da casa: Lenine, Mart’nalia, 5 a Seco, Tom Zé, Clarice Falcão, Silva, além do porvir de Zeca Baleiro e a gravação do DVD da turnê e álbum “Estratosférica” de Gal Costa. A MPB em São Paulo tem nova Casa.
A casa paterna, em Niterói, não existe mais, dela não restou uma foto sequer. Naqueles idos, era raro quem possuísse uma máquina de retrato, que, na verdade, não nos fazia falta, pois tudo parecia eterno e o tempo não iria passar.
Embora distantes da guerra que se travava do outro lado do Atlântico, ceifando milhões de vidas, seus reflexos nos chegavam nas filas da padaria para comprar um pão escurecido e racionado; nos enormes cilindros de gasogênio que os carros usavam à falta de gasolina; no hemisfério das lâmpadas pintado de preto na parte voltada para o mar, ao longo de todo o cais, devido ao blecaute imposto pela presença de submarinos inimigos na costa; e, ainda, nas transmissões carregadas de estática das ondas curtas dos rádios transmitindo as notícias longínquas do front pela BBC de Londres. Isto sem falar no famoso Repórter Esso, na voz inconfundível de Heron Domingues, reportando despachos de última hora sobre o teatro das operações bélicas.
Para nós, meninos, isso não passava de mais um capítulo da eletrizante aventura de viver, como se fosse um seriado do Cinema Mandaro ou um episódio da telenovela de mistério que a Rádio Nacional levava ao ar diariamente. Aventura cujo clima de suspense era acentuado pelo semblante grave dos adultos, preocupados com o desenrolar das batalhas sangrentas que iriam selar a sorte do mundo livre, ameaçado pela terrível máquina de destruição da Alemanha nazista.
Às vezes, nos chegavam aos ouvidos retalhos das conversas que meu pai mantinha ao entardecer com os vizinhos mais próximos, e que não raro resvalavam em acesos debates, dividindo as opiniões entre francófilos e germanófilos, aqueles evocando a tradição de cultura e democracia do espírito gaulês, e alguns glorificando os feitos bélicos de uma nação que havia sido submetida aos termos do tratado de Versailles depois que perdera a primeira guerra mundial.
Foi num tempo anterior à eclosão dos edifícios de inúmeros pavimentos que emparedaram as ruas, barrando o sol e o vento, encaixotando os moradores e privando-os do direito a um pedaço de terra ou uma nesga de céu, em contraste com as ruas daquela época, quando só havia casas de no máximo dois andares e uma vizinhança que se conhecia pelos nomes e se solidarizava nos momentos de tristeza e celebrava os de alegria, sem embargo de suas eventuais diferenças, próprias do convívio em sociedade.
De lá para cá já se vai mais de meio século. Tudo mudou. Hoje a infância foi sequestrada pelo avassalador progresso alavancado pela internet e pelo espantoso avanço das ciências e da tecnologia.
Cerca de três décadas depois, voltei a morar na mesma rua onde no passado jogava bola de gude, disputava animados rachas de futebol, brincava de bandido e mocinho, soltava pipa, via e ouvia as meninas cantando cirandas e pulando amarelinha. Eram momentos de puro alumbramento: admirava as tranças das meninas, seus gestos delicados e a beleza de serem assim.
São relembranças gravadas na pedra das paredes da memória que, enquanto eu viver, jamais se apagarão.
Sou um sobrevivente dos tempos de antanho e um forasteiro no mundo de agora, tão diferente do mundo em que vivi, embora pise o mesmo chão, veja a mesma praia, mas não vejo mais a paisagem de outrora. E isso me deixa triste, embora saiba que a face do tempo é multiforme e se adapta às circunstâncias que moldam as diversas fases da história da existência humana.
Claro que todas as gerações têm seu tempo e sua história e é impossível compará-las, pela singela razão que o olhar de cada criança ante o seu quoditiano detém a magia que se esvai como um aroma, deixando um acervo inavaliável e intransferível de lembranças que vem a constituir um patrimônio particular que todos carregamos, para nutrir de paz e de sublimação o nosso espírito ou, se preferirem, a nossa mente.
Porém, se realizarmos um corte epistemológico, chegaremos à inevitável conclusão de que, mesmo evoluindo, na verdade, involuímos. Basta um olhar para a inimaginável barbárie que permeia e contamina a realidade dos dias de hoje. É algo brutal, uma espécie de determinismo que nos faz regredir, com requintes de crueldade agravados pela possibilidade de uma guerra nuclear, qual uma espada de Dâmocles pendente sobre nossas cabeças.
Se André Breton, autor do Manifesto Surrealista, voltasse agora ficaria perplexo por sentir-se totalmente ultrapassado...
Por que São Paulo elegeu João Doria? Vale recapitular:
Porque ele não tinha papas na língua. Falava o que pensava e se posicionava
Porque ele não era um político. Ou, ao menos, não era um político tradicional
João Doria era alguém "de fora". Alguém que tinha tido sucesso. Alguém com um "novo olhar". Alguém fora do esquema (ou "dos esquemas")...
OK, João Doria era contra o PT. Alguém com coragem para atacar Lula de frente. Um antipetista convicto
Mas o que aconteceu com João Doria, de uns tempos pra cá?
Não, não estou falando do marketing - que ele continuou fazendo até dominar as redes sociais
Nem estou falando do seu governo, que tem feito boas parcerias com a iniciativa privada - numa prefeitura falida -, apesar de uma ou outra ação mais controvertida (não quero discutir a Cracolândia ou os grafites...)
Estou falando desse "novo" João Doria, que surgiu de umas semanas pra cá. O "PSDBista". Querendo oferecer seu "lastro" a um partido que insiste em apoiar um governo morto-vivo...
Recordemos. O presidente prevaricou. O presidente mudou o ministro da Justiça, como Dilma, para controlar a PF (em vão). O presidente voou no jatinho do "falastrão" (primeiro disse que não voou; depois fingiu que não sabia de quem era o jatinho...)
Pior: o presidente acha que tem razão. E insiste em ficar. Em "não renunciar". Afronta o Ministério Público (acha que não tem de dar satisfação). Comemora sua "absolvição" pelo TSE (como se fosse inocente). Suspeita-se de que o presidente espione ministros do Supremo enquanto se prepara para ser julgado por ele...
Contra o presidente, pairam acusações de obstrução da Justiça, formação de quadrilha, corrupção passiva...
Mas este era um texto sobre João Doria, não é mesmo?
E o que Doria tem feito?
Primeiramente, Doria encampa o discurso de PSDBistas - e diz que se deve preservar a "estabilidade"...
Que estabilidade, cara pálida? O Brasil pós-Joesley perdeu toda a estabilidade. Com malas de dinheiro, prisões, delações... Diariamente... E de gente cada vez mais próxima ao presidente...
Que estabilidade um governo "balança-mais-não-cai" pode oferecer???
Em nome das "reformas"? Um presidente contra quem pesam acusações graves, e que precisa - diuturna e "noturnamente" - se defender, tem condições de "aprovar" o quê? E com que moral???
Mas o pior de tudo, João Doria, foi você dizer: "Nós temos de lembrar que somos contra o PT". Ou "o nosso inimigo é o PT"
Pois bem, João Doria, e nós temos de *te* lembrar que - aqui fora - nós somos contra a corrupção. A nossa inimiga é a corrupção (mais que o PT)
Porque não adianta nada ser "contra o PT" e fazer vista grossa para a corrupção do PMDB "et caterva" (você sabe de quem estou falando...)
João Doria: não vire um político agora - não "do pior jeito" e não "no pior momento"...
Nós *não precisamos* de mais um político que tampe o sol com a peneira; que finja que nada está acontecendo; que resista em desembarcar de um navio que afunda "diuturna e noturnamente"...
Eu lamento pelo seu partido e lamento pelo (ex?) presidente do seu partido. Mas lamento mais por você
Não faça como ele. Não traia o voto dos paulistanos que confiaram em você. Não faça como ele fez com o voto dos brasileiros...
Não jogue fora seu capital político. E se não ficou claro ainda: não seja conivente com quem conspira contra a Lava Jato
Seja *menos* político. Não seja mais um tucano - para dizer o óbvio - em cima do muro
São Paulo precisa de você. O *Brasil* precisa de você
E não de mais um "cacique". E não de *mais um* político...
Das grandes crises, de que eu me lembro, talvez a primeira seja a dos anos Sarney - do meio para o fim da década de 80 -, com hiperinflação, uma sucessão de planos econômicos e uma crise de abastecimento depois do plano Cruzado
Na sequência, a crise do Collor, no início dos anos 90, com confisco da poupança, escândalo de corrupção e impeachment
Em meados da década de 90, o Real, com Itamar, foi uma revolução - mas a desvalorização, no final da mesma década, foi um choque (quem apostou numa economia "dolarizada", praticamente quebrou)
Os desastres da era Lula, na década de 2000, começaram a aparecer em 2005, com o escândalo do Mensalão
O Brasil, ainda assim, se deixou levar - e elegeu Dilma, duas vezes seguidas, até que o Petrolão revelasse um escândalo muito maior que o anterior (por meio da Lava Jato, a partir de 2014)
Mesmo tendo vivido uma ou duas crises a cada década, desde os anos 1980 até os anos 2010, não me lembro de uma crise como a de agora...
Nos anos 80, o Sarney já era tão ruim quanto agora, ou pior, mas acho que havia a esperança da redemocratização - e os debates presidenciais de 1989 continuam disponíveis no YouTube, para demonstrar que o nível só vem caindo de lá pra cá...
Nos anos 90, o Collor foi um anticlímax, mas, pelo menos, acabou com a reserva de mercado, e a indústria brasileira foi obrigada a sair do tempo das diligências...
Ainda nos anos 90, mesmo com a desvalorização do Real em 99, nós tínhamos uma moeda, começávamos a ter uma economia e havia algum alento com a chegada do novo milênio...
O desânimo, para mim, começa com a vitória de Lula, em 2002 - que eu já pressentia como um desastre -, mas com Palocci (e Meirelles?) conseguiram enganar o mercado, e a economia, a ponto de reeleger Lula e - pasmem - Dilma, um pesadelo indisfarçável
Mas, mesmo com Dilma, nós havíamos perdido a eleição com o Aécio em 2014... E o bom trabalho que o PSDB havia feito com o Real - em 1994 (e depois) - indicava que uma volta dos "tucanos" ao poder *poderia* colocar o Brasil (ou, ao menos, a economia) nos eixos novamente...
Foi o que Temer tentou fazer, desde o impeachment de Dilma: ser um novo Itamar, reorganizando a economia, com o mesmo Meirelles, fiador dos governos Lula, num suposto governo de "união nacional"...
Só que Temer não contava que o "fio da meada" puxado pela Lava Jato atingiria, igualmente, seu governo, seu partido, seus aliados, seus assessores... e a ele próprio
Então Temer não se revelou muito diferente de Dilma, para se manter no poder: tergiversando, contando meias-verdades e até mentindo de maneira deslavada...
E o PSDB, emprestando seus "economistas" ao PMDB, na travessia da "pinguela", também foi atingido nas delações, a ponto de ter a imagem de seu presidente destruída... Aquele mesmo Aécio, que ia nos "salvar" da Dilma (e do PT), conspirava, nos bastidores, contra a Lava Jato e recebia, igualmente, propina...
O que estamos assistindo agora - e que culminou com esse julgamento farsesco do TSE - nada mais é que a tentativa, canhestra, do establishment político de "frear" a Lava Jato - porque se ela continuar, não vai sobrar nada nem ninguém...
A crise de agora não se compara com as anteriores que eu vivi porque não é um presidente, ou um partido, que está caindo, ou ruindo - é todo um sistema, governo & oposição, que se alternam no poder, mas que se revelaram irmanados nos mesmos "esquemas"...
O "suposto" governo e a "suposta" oposição se juntam - como nunca antes... - para combater o inimigo comum: a Lava Jato, que os está desnudando...
Para não cometer o mesmo "erro" de apoiar um novo "Aécio", o que temos de fazer - agora - é continuar apoiando a Lava Jato
Com todos os "erros" da operação - "açodamentos", "arbitrariedades", "abusos" (expressões que os detratores adoram utilizar) -, a Lava Jato é o que temos "pra hoje"
Entre a Lava Jato, Dilma, Lula, Temer e Aécio, com quem você prefere ficar? Entre a Lava Jato, o PT, o PMDB e o PSDB-abraçado-ao-PMDB, com quem você prefere ficar? Entre a Lava Jato e o Gilmar Mendes, com quem você prefere ficar?
Acho que não preciso responder. E acho que isso responde à nossa dúvida existencial - pós-TSE - sobre quem devemos apoiar...
A festa deste ano trará palco dedicado à música nordestina
Organizado e estabelecido desde 2002 na cidade de Ribeirão Preto, São Paulo, o Festival João Rock, alcança a sua 16ª edição, no próximo sábado, dia 10, mantendo o mesmo foco e demonstrando vigor de inovar em alguns elementos dos festejos a cada ano.
Neste ano, o evento acontece no Parque Permanente de Exposições, com aproximadamente 230 mil metros quadrados, em que as 18 atrações, divididas em três palcos, se apresentam sem que a música cesse um instante, em mais de 10 horas seguidas de atrações musicais, de entretenimento e esportes radicais.
No palco principal, João Rock, as atrações acontecem no sistema ‘non stop’, sem pausas entre as atrações já esperadas pelo público cativo do festival como CPM 22, Capital Inicial, Nando Reis e O Rappa/, que já se apresentaram outras vezes neste mesmo palco, Humberto Gessinger, Emicida e convidados, assim como Armandinho em apresentação inédita. Além disso o palco tem como destaque a apresentação da cantora Pitty que retorna aos palcos após se dedicar à maternidade desde o nascimento da filha, em agosto passado.
O palco Fortalecendo a Cena, que estreou ano passado, que tem como mote apresentar bandas brasileiras novas com certo destaque, nessa edição traz bandas inéditas no João Rock: Medulla, Selvagens à Procura de Lei, 3030, Haikaiss e Cidade Verde Sounds.
A novidade do ano fica por conta da introdução do Palco Brasil na programação do Festival. Com a chamada edição Nordeste, o João Rock prestará uma homenagem àquela região do pais em que nasceram os artistas confirmados para a festa deste sábado: Zé Ramalho, Lenine, Nação Zumbi e Alceu Valença. Um dos organizadores do evento Marcelo Rocci afirma que “Com esta iniciativa o Festival quer mostrar a riqueza, a diversidade e a pluralidade da música brasileira”.
Mantendo a tradição, o concurso de bandas revelou quem fará o show de abertura no próximo sábado e o que houve foi mais uma novidade. De maneira totalmente incomum, a organização decidiu por um empate técnico entre as bandas Machete Bomb, de Curitiba, e NDK, de Jundiaí, que farão uma exibição em formato de inusitado na festa, no palco principal, tocando individualmente e depois juntas:
“Foi uma quebra total de protocolo e uma disputa bastante concorrida. A final foi de altíssimo nível e houve um empate técnico [...] Agora demos o desafio para os dois vencedores compartilharem o palco e promoverem uma parceria criativa, seguindo a tradição de encontros que acontece nos palcos do festival. Eles foram convidados a ensaiarem juntos, em um estúdio local, e criarem um show digno do palco João Rock”, comenta Marcelo Rocci, diretor artístico do festival e presidente do júri.
O Festival que se projeta a cada ano como um dos grandes do país, chega a mais uma celebração mantendo sua relevância. Não esquecendo também a solidariedade, como no ano passado, por exemplo, quando foram arrecadados mais de 13.385 kg de alimentos, gerados pelas pessoas que adquiriram o ingresso solidário, – o público total foi de mais de 50 mil – que foram doados para o Fundo Social de Solidariedade de Ribeirão Preto que distribuiu as doações entre as famílias necessitadas e entidades assistenciais, ato que se seguirá para este ano, pois em se tratando de João Rock, as boas práticas permanecem.
Vídeo oficial do último João Rock.
Festival João Rock Data: 10 de junho de 2017 Local: Parque Permanente de Exposições de Ribeirão Preto Palco João Rock: Banda Vencedora do Concurso de Bandas, CPM 22, O Rappa, Emicida e convidados, Armandinho, Humberto Gessinger, Nando Reis, Capital Inicial e Pitty Palco Brasil – Edição Nordeste: Zé Ramalho, Lenine, Nação Zumbi e Alceu Valença Palco Fortalecendo a Cena: Medulla, Selvagens a Procura de Lei, 3030, Haikaiss e Cidade Verde Sounds.
Ouvi um velho sábio dizer que todos temos segredos.
Esse mesmo velho sábio afirma que nós, humanos, não sabemos guardar segredos.
Então fiquei um bocado de tempo analisando se eu tenho segredos guardados num canto da mente, trancado a sete chaves, repletos de senhas indecifráveis.
Segredos são solitários e singulares, concluí.
Não vou contar quase nada daquilo que me surgiu à mente, apenas deixo como pista o balançar de cabeça, de um lado para o outro, o riso fácil escapando de meus lábios e a lembrança que muitas vezes me surge em sonhos, a imagem trêmula, mas ainda real, tão assustadora que parece ter vida: um gavião pinhé montado no lombo de um boi, sem ser incomodado, passeando pelo pasto encharcado de lama, em torno dos capins das pontas secas, espalhados ao redor da Sapolândia, em meio aos quais nos escondíamos, um bando de guris descalços, armados de fundas, prontos para acertar à pedradas o gavião.
– É a sua vez! Gritou o menino mais velho, apontando o dedo para mim.
Ainda hoje sinto o cheiro da borracha esticada, o pedaço de pau em forma da letra ipsilon, envergando até não mais poder e o suor quente que da minha testa caía, inundando os olhos, cegando tudo ao redor e eu, que sempre fui ruim de mira, talvez por conta do anseio e das mãos trêmulas, acabei acertando bem no meio do peito do gavião pinhé, que caiu abatido e restaram os gritos de triunfo dos meus amigos, empolgados por ser aquela a primeira vez que eu fazia alguma coisa certa.
O barulho dos nossos pés amassando os gravetos secos estirados pelo caminho, se confundindo com os gritos da molecada em correria, ainda consigo ouvir com exatidão, bem como a dor nos pés a cada pisada em falso, nada se comparado à euforia do momento, o prazer inenarrável de ter abatido o gavião.
Mas quando cheguei perto, vi o sangue escorrer do peito do animal, debruçado, abraçado aos últimos suspiros, tentando voar, mas as asas não lhe obedeciam e eu tremi diante do sangue que escorria do seu peito, tentando controlar o choro que ameaçou escapar dos meus olhos.
O boi tentava reavivar o pássaro com as patas e aquela imagem me perseguiu durante muito tempo, até que alguém decifrou aos meus ouvidos o enigma: diferente daquilo que eu imaginava - uma incrível amizade entre bichos completamente diferentes - o gavião comia os carrapatos no lombo do boi, causando alívio.
O menino mais velho apontou novamente para mim: “deixe de ser marica, senão vou contar na escola que você é um chorão”.
Engoli todo o sentimento e me pus de pé diante dele, a lágrima transformada em ira, já armado pela recordação de pouco antes, quando ele, se divertindo do meu rosto de profundo espanto, revelou, sem meias palavras, que era mentira a história da cegonha, e para que eu nascesse, terríveis atitudes foram tomadas por meu pai e minha mãe enquanto todos dormiam, certamente numa noite tenebrosa de lua cheia, que se transformou em tempestade sem fim, até que fosse criada “a criatura feia e desengonçada” que eu era.
Esse mesmo menino mais velho foi testemunha da minha cara de medo quando as nuvens de chuva se formavam sobre nossas cabeças e o pavor que eu sentia a cada raio, a cada trovão.
Dias atrás reencontrei esse personagem dos meus tempos de infância, sentando no banco de um boteco, copo de conhaque ao alcance das mãos, agora um senhor grisalho, pouco mais velho que eu, porém aparentando bem mais; estava tudo ali, naquele olhar murcho, perdido num começo de catarata, mas que manteve a altivez ao me reconhecer e eu novamente esmoreci, fraqueza que aos poucos consegui dominar, já sabendo que dentro daquela mente desfilava meus tenebrosos segredos de infância: ele sabe que eu matei um gavião pinhé.
Sabe também que eu chorava por qualquer coisa.
Ele se levantou e partiu na minha direção, as pernas trêmulas, mas o mesmo rosto de superioridade.
Quando recebi o aceno sorrindo, devolvi, num gesto frio, sereno e indiferente, o resto de mágoa que guardei, sentimento que me vi liberto assim que meus passos seguiram adiante e ele ficou para trás, como se fosse aquele boi, sentindo a falta do gavião pinhé a lhe bicar os cantos do lombo.