Pesadelo? Ou rumor da noite obsedada
pelo vento? E aquela substantiva imagem
dos fantasmas engolindo a casa. E emperrando
as chaves. À luz do dia, as portas cerraram-se
sob a tempestade, sufocando telhado
e paredes. Ao fogão, desceram
ameaças de estranho augúrio
a extinguir o fogo.
Matando a fome de pão, a sede das águas.
Dentro da mala, autogerava-se o mar
conduzindo a trégua, possível.
Eclipse? Ou noite alucinada irrealizando
as viagens? Afogando-se no porto, o sangue
dos navios sufocando as próprias artérias.
Iniciado o êxodo, tardia fizera-se a voz
do viajante, convocando camelos.
Em estações de penúria apodrecendo
o trigo, da extinta luz irromperam
espectros exalando urina e enxofre.
Em distâncias, corria a fuga dos dias.
Sete pragas. Sete anos. Sete Mundos.
Eu viajei todos os mares do exílio.
A novidade é que uma feira de livros irrompeu no meio do itinerário dos passantes. Primeiro foi instalada num espaço amplo da praça, mas aí veio a feira da casa própria e a empurrou para perto das barraquinhas dos hippies. A praça ficou pequena demais com a chegada do feirão do automóvel, e então a feira de livros passou a ocupar metade de uma rua estreita onde também aos domingos são expostos produtos hortifrutigranjeiros orgânicos. Estes são tempos de muitas exibições.
Os livros já foram usados, mas, por estarem embalados por plásticos transparentes, aparentam ser zero bala. Varal de desenhos e cores, há também muitos gibis à mostra numa tela comprida e é para eles que de baixo dois olhinhos apontam. A garotinha se interessa especialmente pela capa puída em que Chico Bento e Rosinha namoram sob a cobertura de muitos corações que os protegem da chuva. Logo se vê que a garotinha tem o pescoço envolvido por uma faixa azul na qual está pendurada uma medalha, qual terá sido o mérito ensejador desta honra? E é uma desproporção graciosa a medalha ultrapassar a região do peito e pender na altura da barriga.
A mãe se aproxima dela trazendo um livro infantil. Ao compreender a situação, a garotinha se opõe ao que lhe é oferecido, quer porque quer o gibi e isso parece ser inegociável, as duas começam a se desentender, a mãe insiste, a iminência de uma pirraça paira no ar. Subitamente a garotinha se aquieta, reprime toda a sua energia postulatória, e a careta que faz denuncia a peleja travada contra alguma perturbação interior. Não demora e ela então divulga o veredito do que a tem incomodado:
Quero fazer cocô.
Desinibida, sem o mínimo traço de constrangimento, ela repete muitas vezes a frase que dá conta de sua necessidade. De vez em quando é preciso que uma criança nos alerte sobre o fato de que somos o que somos e nada somos mais do que somos. Mãe e filha atravessam a rua e seguem de mãos dadas a correnteza de gente. Guiadas por uma urgência, somem de vista.
Pouco tempo depois estão de volta. Enquanto reexaminam o acervo, a mãe percebe um lapso. Com um movimento rápido, retira da bolsa a medalha, sorri um sorriso de mãe-coruja e a devolve ao pescoço da garotinha que, bracinhos pra trás, faz pose de laureada triunfante. É chegada a hora de irem embora. Nesta altura, é como se nada estivesse pendurado em seu pescoço, a garotinha já não dá bola para a medalha que balança e reluz a cada uma de suas traquinagens. Nem mesmo haveria de se importar se o que leva nas mãos é a revistinha do Chico Bento.
Texto originalmente publicado no site flaviosanso.com flavio.sanso@gmail.com
Em edição ‘familiar’ e homenagem à Tropicália, Festival João Rock chega à 17ª edição
No próximo sábado, 09 de junho, acontecerá em Ribeirão Preto o Festival João Rock, um dos maiores e mais importantes eventos de música do circuito nacional.
Juntando o binômio música e entretenimento, o festival une em três palcos grandes nomes do rock do país e estilos que lhe são familiares.
A programação deste ano, reúne no palco principal – João Rock – shows como o de Cordel do Fogo Encantado, na turnê de volta da banda, após oito anos afastados dos palcos; Skank, Supercombo, Gabriel Pensador, Pitty, Criolo, Raimundos, Natiruts e Planet Hemp.
Após homenagear a região Nordeste na edição passada com Zé Ramalho, Alceu, Lenine e Nação Zumbi, o Palco Brasil, este ano volta às suas energias em homenagear os 50 anos da Tropicália, em programação imperdível, com os maiores nomes do movimento: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé e Os Mutantes. O irmão de Bethânia virá para o evento com o show Caetano, Moreno, Zeca e Tom Veloso, que rendeu à família o álbum Ofertório, lançado no último mês de maio.
Gilberto Gil, após período recente de problemas de saúde, recuperado e refeito, para usar palavras que retomam o conceito caro para o músico, vem para uma dupla festa: de comemoração do Tropicalismo e dos 40 anos de lançamento do seu disco Refavela, em show idealizado pelo filho Bem Gil. O disco tem sua origem em uma visita feita pelo músico ao continente africano, no final da década 70, em que tocou em um festival na Nigéria. Esse momento o fez pensar nas suas origens africanas, bem como nordestinas, surgindo assim o sucessor do disco Refazenda [1975], segundo disco da famosa tríade de trabalhos chamada de Trilogia “Re” ; Refavela que tematizava o conceito de retomada/retorno e que termina com o LP Realce [1979], maior sucesso comercial do cantor. Além do filho participam do show Anelis Assumpção, Moreno Veloso, Chiara Civello e Mestrinho. Tom Zé e Os Mutantes fecham o line-up do palco daqueles que estavam juntos desde a gravação do disco-manifesto Tropicalia ou Panis et Circencis, em 1968, disco fundador do movimento.
No Palco Fortalecendo a Cena, entre as apresentações de Froid, Sinara, Rael e Convidados, Kilotones e a mexicana-brasileira Francisco El Hombre, temos a presença da banda Dônica, composta por Zé Ibarra (teclado e voz), Miguel Guimarães (baixo), André Almeida (bateria), Lucas Nunes (guitarra) e por Tom Veloso (compositor), filho de Caetano.
O evento ocorre novamente no Parque de Exposições Permanente de Ribeirão Preto, com capacidade de público previsto para 55 mil pessoas e ingressos ainda disponíveis para os diversos setores. A abertura dos portões acontece às 14h com início dos shows às 15h.
Festival João Rock Data: 09 de junho de 2018 Local: Parque Permanente de Exposições de Ribeirão Preto Palco João Rock: Banda Vencedora do Concurso de Bandas: Napkin, Pitty, Cordel do Fogo Encantado, Raimundos, Supercombo, Skank, Natiruts, Gabriel O Pensador, Planet Hemp e Criolo Palco Brasil – Edição Tropicália: Caetano, Moreno, Zeca e Tom Veloso; Refavela 40: Gilberto Gil, Bem Gil, Anelis Assumpção, Mestrinho e Chiara Civello, Os Mutantes e Tom Zé Palco Fortalecendo a Cena: Froid, Rael e Convidados, Dônica, Kilotones, Sinara e Francisco El Hombre
Era uma vez o tempo dos homens rondando
as Esferas. Era uma vez a galáxia das primeiras
viagens. Contemplando o azul da Terra,
chegara o tempo dos astronautas.
Abstraindo fronteiras, pintei a casa da infância.
Era uma vez o tempo dos longes, anilando
as borboletas. Minha casa, eu a desejava
dossel. Eu a desejava templo das águas.
Eu a desejava berço.
À escrita dos deuses, minha barca dos dias.
Abertas as portas, fertilizaram a terra
meus presságios. E chaves.