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Terça-feira, 13/11/2018
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Prata matutina

Em
palavras
lavadas

Deu-se
um
banho
de
cromo

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Postado por Metáforas do Zé
13/11/2018 às 15h27

 
Brazil - An Existing Alien Country on Planet Earth


Me desculpem pelo inglês errôneo, mas ainda estou aprendendo a me adaptar ao mundo, visto que este não sabe de onde venho ou que sequer existo. No entanto, estou aqui entre vocês! Eu e mais 203,9 milhões de habitantes que atualmente vivem no Brasil. Um país tido como exótico e excêntrico por outras nações, considerado tão distante e distinto que pode ser comparado a uma terra alienígena e inexplorada. Um planeta peculiar, perdido em seus próprios mistérios, cujo alguns astronautas vez ou outra chegam a visitar.

Os outros tantos, preferem acreditar nas referências caricatas de filmes e informações absurdas que foram absorvidas durante o passar dos anos e estão enraizadas na cultura mundial. Isso não é culpa de alguém, pois com certeza, nós como alienígenas, também desconhecemos vários países a ponto de tê-los como ambientes de outras galáxias.

Mesmo assim, o Brasil e muitos de seus alienígenas sofrem quando vão pra países convencionais, sendo bombardeados de perguntas irracionais e até ofensivas que nos transformam em aberrações de estudo num laboratório. Pode não ser por mal, porém já passamos por poucas e boas dentro do nosso universo que muitos desconhecem.

Mas este país não é o único lugar incógnito que há na Terra, existem diversos outros esperando pra serem descobertos na busca de um conhecimento pleno, ainda que básico de várias outras culturas pra que mundos distantes façam parte do universo numa única extensão de terra que culmine num só planeta.

Sendo assim, tantos astronautas quanto aliens precisam saber que:

O Brasil não é feito só de Rio de Janeiro, São Paulo e Amazonas. Existem outros 23 estados e um Distrito Federal, onde está Brasília, a capital do país.

Nem todo brasileiro gosta de futebol, samba e carnaval. Um país é feito de milhões de indivíduos com gostos peculiares que necessariamente não representam as características exaltadas pela maioria.

No Brasil, fala-se português! Não é brasileiro, nem espanhol! Trata-se do português oriundo de Portugal, mas que ganhou sua propriedade ao fundir-se com a linguagem indígena, africana e de tantos outros povos que aqui chegaram.

Reforçando também que a capital do Brasil é Brasilia, não Rio de Janeiro, nem Buenos Aires, tão pouco Assunção.

Lembrando que este planeta tem muito mais a oferecer do que samba, Rio de Janeiro, Pelé e Bossa Nova. Se vocês, astronautas, nos conhecerem com paciência e vontade, verão que não somos tão diferentes assim.

Quanto ao mito de odiar a Argentina... Prefiro não comentar! kkk

É importante ressaltar que há muito mais que churrasco no país, pratos deliciosos, aliás! E muito nutritivos. Além de nossa aparência, como alienígenas que somos, quase nunca ser definida.

E definitivamente não temos macacos e animais selvagens andando pelas ruas. A maioria dos aliens quase nunca viu um bicho desses na zona urbana, onde estão os prédios, carros e viadutos iguais aos de qualquer metrópole.

Enfim, esses somos nós! Será que tão alienígenas mesmo? Ou talvez só mais um povo distante do mundo, tentando fazer contato pra provar que é tão igual e humanizado quanto vocês. Nada de exótico, capaz de aprender tudo com competência e embora felizes, passando também por dias tristes, de luta e conscientização.



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Postado por Blog de Camila Oliveira Santos
13/11/2018 às 05h52

 
Casa de couro IV

Entre dois mundos espalhei meu oceano.
Entre dois mundos, dormem nossos avós.
Meu pai e minha mãe sabiam das travessias.
Para vencer aquelas águas do quintal, construí
navios de papel. Grande, o convés. Imenso, o mar.
Bem maior o porto, recebendo o estrangeiro
evadido de antigas guerras.
Travessias, tantas.

Barca de brinquedo. Barca de verdade.

Dentro da mala, as crianças
carregavam o horizonte.


(Do livro Travessias)

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Postado por Blog da Mirian
11/11/2018 às 13h18

 
232 Celcius, ou Fahrenheit 451

Você é feliz?

Uma pergunta aparentemente banal como essa foi o bastante para que Guy Montag, de bombeiro exemplar se transformasse num subversivo social procurado pelas autoridades. A situação em que uma pergunta é feita, combinada à porosidade do indivíduo interrogado, podem ocasionar mudanças profundas, tanto na índole, quanto no modo de compreender a si mesmo.

Ray Bradbury não é conhecido como um autor psicológico, nem seus romances submergem às profundezas da mente humana; entretanto, o eixo temático do livro Fahrenheit 451 se desenvolve a partir do momento em que a pequena Clarisse McClelland faz a famigerada pergunta ao seu vizinho Montag: “você é feliz?”. Um modesto convite à reflexão; um caminho aberto em direção às profundezas da condição humana.

A história de Fahrenheit 451 se passa numa sociedade em que a leitura é crime capital, sob pena de incendiar os livros e a residência do meliante, com sua subsequente prisão. A cada nova descoberta de livros escondidos, os bombeiros são acionados e seguem ao local, não para combater um incêndio, mas para provocá-lo. O trocadilho com o termo em inglês – fireman, literalmente, “homem-fogo” – é intraduzível: aplicado para nomear aqueles que combatem o fogo, no livro se refere aos que o provocam-no, invertendo o papel como representação simbólica da inversão de valores que esse livro revela. Nessa sociedade futura, os bombeiros desempenham função tripla: 1) incendiar as casas para 2) manter a sociedade pacificada, longe de qualquer livro e, assim, 3) eliminar todo e qualquer vestígio de ressentimento: “Eles [os bombeiros] receberam uma nova missão, a guarda da nossa paz de espírito, a eliminação de nosso compreensível e legítimo sentimento de inferioridade: censores, juízes e carrascos oficiais”.

Incinerar livros e proibir sua leitura é um gesto de manutenção da paz, da felicidade pessoal e do bem-estar social, mantida pelos bombeiros. Nesse ínterim, Guy Montag, chefiado pelo capitão Beatty, até então é um combatente exemplar. Disciplinado, respeitoso e dedicado, sempre manifestou seu trabalho com orgulho. Contudo, sua vida se transformou quando a pequena Clarisse lhe pergunta se é feliz. Montag, enfrenta um período de crise quando passa a observar e intuir a estranheza que compõe a sociedade em que vive e ajudou a preservar. Pela primeira vez, a paz que sempre se orgulhou de manter cede lugar a um mal-estar.

Diante de um obstáculo, basicamente há duas saídas: 1) não enfrentá-lo, ignorá-lo, fugir, desistir; ou 2) reconhecer sua existência e enfrentá-lo, atitude que exige preparação para superá-lo, sem garantia de sucesso. A primeira solução é praticamente indolor, no máximo uma pequena câimbra ao virar de costas. A segunda requer coragem e persistência para enfrentar um processo pouco prazeroso.

Ler é uma atividade intelectual; normalmente expande nossa capacidade de abstração e percepção, tornando-nos conscientes de limitações, de que somos mortais, imperfeitos, mas que, por outro lado, nos serve como uma arma de ataque contra essas limitações; conscientes de nossas falhas, ao menos sabemos o que precisamos superar. O hábito da leitura se alinha a esta atitude; no entanto, a sociedade retratada em Fahrenheit 451 escolheu a primeira saída. Dessa forma, não ler é uma proteção contra o sentimento de inferioridade gerado pela consciência inteligente da condição humana; é um meio para não enfrentar nem reconhecer nenhum tipo de injúria, defeito ou dificuldade, mesmo que combatê-las implique uma melhoria pessoal. Em síntese: ler nos faz pensar; pensar gera desconforto; logo, corte-se o mal pela raiz e proíba-se a leitura.

O chefe dos bombeiros – ressalto: cuja missão é manter a paz de espírito – afirma que o “sentimento de inferioridade” é “compreensível e legítimo”. Socialmente, significa a necessária e obrigatória manutenção da mediocridade; evitar que ela se torne consciente: “O livros servem para nos lembrar que somos estúpidos e tolos”. Representa a insegurança de assumir-se limitado e, assim, evitar qualquer angústia e melancolia subsequente. Ao relembrar os tempos de escola, Beatty menciona o aluno “excepcionalmente brilhante”, que sempre recita e responde as perguntas corretamente, enquanto os demais permanecem “sentados com cara de cretinos, odiando-o” e, depois da aula, vingam-se com violência, atacando aquele que é dedicado ou talentoso. Nessa atitude, vê-se que a eliminação do ressentimento é uma forma dialética de manifestá-lo. A sociedade pacífica de Fahrenheit 451 é aparente, pois suas raízes estão fincadas em conduta similar.

A eliminação de tudo o que nos coloca em lugar inferior representa uma atitude evasiva e covarde, mas que foi instaurada como obrigação para manter o bem-estar social. Além disso, como a lembrança está associada aos tempos da infância, a ação, por conseguinte, é igualmente infantil, definindo adultos que se comportam como crianças mimadas. Rejeitar o enfrentamento de dificuldades; colocar-se num lugar de uma superioridade confortável, mas aparente; não arcar com qualquer responsabilidade ou culpar a sociedade por todo defeito, representam a preponderância do ressentimento. A sociedade que elimina todo elemento que evidencia um problema a ser resolvido resulta numa sociedade infantil, mimada e ressentida, como o é em Fahrenheit 451. Seus habitantes divertem-se com “passatempos sólidos” – veja-se a saborosa contradição em termos, para não ofender a mentalidade limitada dos habitantes –, proporcionados pelos programas anestesiantes de televisão.

A proibição da cultura livresca é resultado de um processo silencioso e lento, em que a leitura foi gradativamente deixada de lado em detrimento de outras atividades que requerem pouco esforço e oferecem prazer imediato; “Aí está Montag. A coisa não veio do governo. Não houve nenhum decreto, nenhuma declaração, nenhuma censura como ponto de partida. Não! A tecnologia, a exploração das massas e a pressão das minorias realizaram a façanha, graças a Deus. Hoje, graças a elas, você pode ficar o tempo todo feliz, você pode ler os quadrinhos, as boas e velhas confissões ou os periódicos profissionais”.

Este é o ponto nodal de Fahrenheit 451: a leitura foi proibida em nome da paz e da felicidade; um meio de coibir o ressentimento. Houve um processo de acomodação entre o que era oferecido às massas – programas anestesiantes de rádio e de televisão – junto ao nivelamento por baixo, em que os parâmetros são estabelecidos segundo os vícios de muitos, não as virtudes de poucos. Quem pretende subir o nível é logo descartado: “Os que não constroem, precisam queimar. Isso é tão antigo quanto a história e os delinquentes juvenis”. Ou seja: se você não constrói, precisa destruir; exatamente como os firemen, cuja tradução literal – homens-fogo – abarcaria o sentido mais preciso.

Felicidade e prazer fáceis se tornam a finalidade da vida, não importa se isso implica retrocesso intelectual ou estagnação cultural. A única direção proibida é o aprimoramento, visto que isso implica pensar e, portanto, em dor. Tudo o que se pede é um “passatempo sólido”: “se não quiser um homem politicamente infeliz, não lhe dê os dois lados de uma questão para resolver; dê-lhe apenas um. Melhor ainda, não lhe dê nenhum”.

Nesse quadro, chamo a atenção ao importante papel desempenhado pelas minorias. Em nome de um “bem-estar” absoluto, em nome da “justiça social”, reivindicações de minorias ressentidas se tornam inquestionáveis, condenando-se qualquer perspectiva diferente. O resultado é uma visão de mundo simplista e parcial. A higienização em nome do bem aplicada em larga escala, resulta na promoção da mediocridade em detrimento da alta cultura. Shakespeare é abolido, pois uma elite com critérios elitistas (socialmente injustos) não tem o direito de considerá-lo melhor do que Paul Rabbit. “Todos devem ser iguais. Nem todos nasceram livres como diz a Constituição, mas todos se fizeram iguais. Cada homem é a imagem de seu semelhante e, com isso, todos ficam contentes, pois não há nenhuma montanha que as diminua contra a qual se avaliar”.

Se algum poeta, com maestria, desenvolve artisticamente as inquietações mais abissais da condição humana, logo é eliminado. Shakespeare não pode provocar nenhum sofrimento, nem pode ser considerado melhor do que outro. Na verdade, se o poeta provoca algum incômodo, mínimo, por estimular o pensamento, deve ser considerado ainda pior. Na fala de Beatty, o homem deixa de ser “imagem e semelhança de Deus” para ser apenas “imagem de seu semelhante”, isto é, de outro homem. Deus, imortal e perfeito, é o avesso do humano; jamais deverá ser cultuado nessa sociedade.

O resultado de tudo isso é a decadência cultural. “A escolaridade é abreviada, a disciplina relaxada, as filosofias, as histórias e as línguas são abolidas, gramática e ortografia pouco a pouco negligenciadas e, por fim, quase totalmente ignoradas. A vida é imediata, o emprego é que conta, o prazer está por toda parte depois do trabalho. Por que aprender alguma coisa além de apertar botões, acionar interruptores, ajustar parafusos e porcas?”.

Esse excerto é um resumo do que encontramos atualmente. Veja-se a censura no ensino de gramática padrão, tomando-se o cuidado para não incorrer em preconceito linguístico; veja-se a substituição da desinência de gênero por caracteres supostamente neutros, para evitar a supressão machista do masculino e, assim, legitimar a igualdade; veja-se os Parâmetros Curriculares Nacionais, que questionam o ensino de Machado de Assis alegando que os alunos não entendem por que ele é literatura e deve ser ensinado. Ora, se as explicações não fazem sentido aos alunos, isso demonstra o despreparo do professor junto à sucatização dos cursos de licenciatura, que não tem capacidade de justificar qualitativamente a diferença de um Dom Casmurro de um O Alquimista, nem argumentar a importância da cultura literária na formação humanística e educacional de uma pessoa. Além disso, questionar o ensino de algo sob alegação de não fazer sentido ao aluno é fundamentar a imbecilização, assim como justificar a infantilização. Isso me lembra de um relato de Theodore Dalrymple a respeito do ensino público britânico, em que um acadêmico sugeriu a mudança ortográfica, visto que a maioria esmagadora dos jovens estudantes não escrevia conforme o padrão. O erro de antes, agora mascarado em eufemismos da novilíngua, é reapresentado como algo natural e, assim, ao invés de ser corrigido é instaurado como nova regra.

Enfim, se as explicações do porquê Machado é literatura não fazem sentido aos coitados dos alunos, isso não é problema da Literatura. Particularmente, nunca entendi o sentido de se calcular forças aplicadas em roldanas e bloquinhos, então deveríamos reformular o ensino de Física. O acesso a Shakespeare, Milton, Dante, Machado, a alta cultura de maneira geral, é direito de todos; é patrimônio da humanidade. Privar esse acesso é elitismo, não o contrário. Não é exagero supor que o mundo caminha para Fahrenheit 451.

Quando Clarisse McClellan pergunta a Montag se ele é feliz, a indagação brota dentro de uma sociedade em que a felicidade é obrigatória e literalmente inquestionável, daí o espanto de Montag. Contudo, trata-se de uma felicidade que deita raízes em solo arenoso, o que reverte a pergunta num gesto nada banal. O olhar de Montag é direcionado para perceber toda a aridez ao seu redor: sua mulher cada vez mais demente e rodeada por televisores que dejetam “passatempos sólidos”; a memória das pessoas, cada vez mais defasada; a ausência de respeito pela vida de outrem, exibida em ações homicidas, seja pelos habitantes, seja pelos programas televisionais. A pergunta de Clarisse brota como uma planta suntuosa num terreno tomado por ervas daninhas, cuja beleza está sujeita a ser sugada pelo ressentimento das demais.

Como afirmei algumas linhas acima, não seria exagero considerar que nosso mundo caminha para um Fahrenheit 451. O comportamento alienado da esposa de Montag no romance equivale ao dos usuários de smartphones, cujos olhos estão a todo momento vidrados nas telinhas brilhantes. É cada vez mais raro estabelecer uma conversação duradoura, isto é, de cinco minutos, sem que o interlocutor desvie os olhos para o aparelho. Com isso, a mente está cada vez mais habituada a lidar com o universo virtual e passa a se esquecer do mundo concreto. A memória, o raciocínio, as capacidades cognitivas superiores, enfim, se atrofiam gradualmente. No início do romance, Montag, ao chegar em casa encontra sua esposa em estado de coma; ela havia tomado, involuntariamente, uma overdose de remédios, pois se esquecera de que já havia se medicado anteriormente. O mais assustador é que não foi a primeira vez, segundo o relato da narração. É o resultado de uma vida confortável, sem ressentimentos, sem decepções, sem compromissos, recheada de televisores e “passatempos sólidos”, mas que configura alguém sem anseios, sem ambições, sem cultura, sem memória e, em síntese, sem personalidade.

Simbolicamente, a amnésia de Mildred corresponde a um suicídio cultural, mesmo que involuntário. É comparável ao incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em 2018. Séculos de história se perderam. Séculos da memória nacional se foram. E ao contrário do que manifestaram os brasileiros, ninguém se preocupou, nem se preocupa, de fato. A primeira manifestação do então prefeito Marcelo Crivella foi dizer que iriam restaurar a fachada, que ficou relativamente bem preservada. Em seguida, nas redes sociais, começaram as acusações em que jacobinos acusavam girondinos da culpa pelo incêndio e vice-versa. A discussão entre um lado e outro ainda persiste, mas os referenciais já mudaram algumas vezes e ninguém mais se lembra do que aconteceu.

Conforme Montag adquire consciência do que se passa, sente-se responsável pelo cenário e, aos poucos, percebe a importância de combatê-lo. Assim, recorre a única pessoa que parecia ter um mínimo de consciência: Faber, um professor de inglês (equivalente a um professor de Literatura) aposentado, descartado quando os cursos de ciências humanas perderam sua relevância e deixaram de ser procurados. Faber sabe da importância da leitura e aceita auxiliar Montag.

Com isso, formam uma dupla equivalente à do papel e caneta, cujos nomes – Montag e Faber – são de marcas correspondentes. Além disso, faber é um termo latino, que significa “aquele que produz ou fabrica”. O homo faber, nosso antepassado histórico que desenvolveu a competência de fabricar seus próprios instrumentos de caça, retorna nessa sociedade neo-primitivista.

A união de Faber com Montag, do lápis com o papel, é fundamental tanto no romance quanto na vida. Um não funciona sem o outro e essa união simboliza o novo livro que poderá ser escrito – e quem sabe lido – fora da aridez social que representa Fahrenheit 451. Não necessariamente será um livro de papel, mas de carne, osso e espírito – completo, portanto – graças à consciência da mediocridade reinante.

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Postado por Ricardo Gessner
11/11/2018 às 09h20

 
Mãe

Início do meu romance Até Breve Mamãe (Páginas Editoras) a ser lançado amanhã.

Mãe,

A aula mal começou, a universidade já está em greve. E pior, o restaurante dos estudantes está fechado, e a comida na cidade é cara. Eu não queria falar nisso, a senhora já tem muito problema. Não esquenta, eu me viro. Lembra do fogareiro que pôs na mala na hora em que eu estava saindo? Está ajudando muito. Quando o negócio aperta, eu quento uns ovos, faço um macarrão e vou levando. As aulas podem não voltar logo, mas as pessoas da cidade ajudam a gente. Ontem mesmo comi na casa de uma mulher que falou que se a greve demorar a acabar, eles vão dar cesta básica pros alunos carentes que não podem ir pra casa. A viagem pra cá durou dois dias e meio. Não sei quando vou ver a senhora de novo. Deixa melhorar, eu junto um dinheiro e vou te visitar. E o pai deu notícia? E a Selminha, o menino vai nascer quando? O cara vai assumir ou não? Essa minha irmã desde pequena eu achava que ia dar trabalho.

Estou começando a ganhar dinheiro trabalhando com entrega de lanche. É de moto, mas a senhora não precisa ficar preocupada. Aprendi a “muntar”, como dizem os mineiros. Vai estranhar também um universitário num emprego desses. Aqui é comum encontrar pessoas formadas ocupando os mais variados tipos de serviço que nada têm a ver com o que estudaram. Outro dia mesmo conheci um taxista agrônomo. Todo mundo estuda. As duas filhas da faxineira da minha lanchonete fazem doutorado.

Não tenho carteira ainda, por isso rodo mais de madrugada por causa da polícia. Ganho pouco por corrida — “depois que você se habilitar eu te pago mais” — fala o patrão. Parece que ele gosta de mim. De vez em quando ganho uma gorjeta. Outro dia mesmo ganhei uma boa de um estudante, vou muito na casa dele, mas ele cheira a noite toda e põe o som na maior altura. Uma vez perguntou se eu queria ganhar uns trocados pra trazer umas encomendas. Desconversei logo que vi que era fria.

O alojamento eu não acho ruim, mas aqui em Viçosa faz um frio de rachar. Em algumas manhãs quando vou pra aula e que vejo as árvores e as montanhas, é até bonito. Parece que é noutro país, daqueles que aparecem nas gravuras das folhinhas, tudo branquinho por causa da neblina. Na universidade tem gente de tudo quanto é lugar. O alojamento das meninas é longe pra não ter galinhagem. O ruim do nosso é que às vezes é uma bagunça, principalmente nos dias de jogo. Os caras vestem as camisas dos times e ficam tocando corneta. Zorra mesmo é quando acaba a luz. É até gozado. Eles mexem com as pessoas do outro lado da represa. As meninas eles chamam de piranha e os homens de veado. É só pra passar o tempo, porque aqui todo mundo é do bem. Mas tem hora que é triste, mãe, muito triste. Dá vontade de chorar. Tem hora que dá medo. Medo de tudo. Às vezes acontece cada uma, igual semana passada que encontraram o corpo de um estudante boiando na lagoa, na frente do alojamento. Eles falam que foi suicídio. Aí a coisa aperta. No Natal foi pior. Quando chegou de noite, as luzes de enfeite dos prédios tudo piscando, a gente imaginando as pessoas lá dentro conversando na maior alegria, música vindo de tudo quanto é canto, e eu lembrando, criança ainda, o pai vivendo em casa, tudo bom, tudo feliz naquele tempo, e a turma aqui, um silêncio de endoidecer no alojamento, uma chuva miúda caindo, e nós enchendo a cara (não precisa esquentar — foi só no Natal) porque tem hora que o estômago dói, mãe, não é de fome, é de saudade. De saudade e de solidão também. Eu sei que não devia dizer essas coisas, desculpa, eu não tenho mais ninguém pra contar o que pega fundo. A senhora tem minha irmã aí. Mesmo desmiolada serve de companhia, uma vai encostando na outra. Já escolheram o nome do netinho? Ela quer menino ou menina?

Pra terminar e não falar só de coisa ruim, tem uma menina aqui, Lúcia, eu estou a fim dela. É da Nutrição, do tipo que qualquer sogra ia gostar: meiga, simples. Mora no alojamento também. Em algumas noites — e as daqui são bonitas, dá pra ver o céu de um lado ao outro da cidade —, a gente vai pro campus e conversa muito tempo sentado na grama. Outro dia, o friozinho chegando, joguei minha jaqueta nas costas dela e ficamos. De repente, uma estrela arranhou o céu e caiu lá pros lados dos eucaliptos. Lembra, eu pequeno, a senhora falando que quem via estrela cadente dava verruga nos dedos? A bênção, mãe.

Lançamento: dia 10/11, sábado, a partir de 11 horas, Livraria Quixote, Rua Fernandes Tourinho, 274, BH.

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Postado por Blog de Anchieta Rocha
9/11/2018 às 14h22

 
Auto contraste

Através
da
palavra
leio
o
silêncio

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Postado por Metáforas do Zé
5/11/2018 às 23h49

 
Cabeças Cortadas

Ele queria melhorar o seu padrão de vida. Palavreado este que não usava quando conversava com os que, como ele, viviam do lixo que catavam e vendiam. Alguns de seus colegas trabalhavam no outro lado da cidade, na Savassi, na Serra, no Santo Antônio, bairros de moradores de alto poder aquisitivo. Não queria ficar marcando passo na periferia a vida inteira. Tinha conversa boa e algum estudo.

Nas reuniões da associação dos catadores muito se conversava sobre como chegar no topo, ou seja, o acesso a lixo farto e rentável. O ano terminando, a coleta aumentando, seria uma boa ocasião pra fazer mais dinheiro. Ninguém, entretanto, sem mais nem menos, invadia a área de um colega. Cada um possuía o seu território.

Foi então que conheceu Chico, mais velho, mais experiente: “você precisa ver, ainda mais agora no fim do ano quando as pessoas começam a trocar as coisas e botar fora as velhas. O negócio é ir entrando no bairro grã-fino com jeito, devagarinho, te explico.” E foi falando. Contou várias histórias. Contou que no último Natal ele chegou no lixo dum prédio de apartamentos na Serra, deu um sai-pra-lá num cachorro que mastigava qualquer coisa e pegou uma sacola com arroz de forno, pedaços de peru com farofa, meia garrafa de vinho, papel brilhante e bolas de enfeite. Correu pra casa, acordou a mulher e os meninos, enfeitaram a mesa. “Acha cada coisa lá no alto, você precisa ver”, completou.

Depois da conversa com Chico, começou a preparar pra se mudar. Deu uma pintura no carrinho, trocou as tiras de pneu das rodas, passou graxa nos eixos pra parar com a chieira.

Na última cata, na véspera de mudar, ao virar uma caixa de papel no chão espalhando o lixo, perdeu o fôlego ao ver o retrato de um casal sem as cabeças. Ele e a esposa. Ela sim. Por mais que andasse variando por causa da bebida não tinha dúvida. O vestido também, estampado, tudo longe na memória. Namorados ainda, no clube do bairro. Assentado no meio-fio, aos poucos foi rememorando o passado. Buscou dias, datas, momentos, coisas adormecidas.

Todo sábado levantava tarde, tomavam café, vestia uma bermuda, entrava no bar e bebia com os amigos do bairro. Naquele sábado foi diferente. Não voltou pra casa pro almoço. Não voltou pra casa pro jantar nem pra dormir. Não voltou pra casa nunca mais.

Naquele sábado bebeu muito. Bebeu além do que costumava beber. Entrou no bar, arredio, os amigos estranharam, diferente de quando sentava com eles e iam: purrinha valendo bebida, conversa sobre o que acontecia no bairro, sobre política e futebol. Naquele dia foi prum canto. Os amigos insistiram, não deu conversa. Bebeu uma atrás da outra.

Caminhou muito antes de entrar no bar. Percorria as ruas do bairro buscando na memória os momentos felizes que tinham vivido. Namoraram, ficaram noivos, casaram, a festa no clube do retrato. Com o tempo, a paixão perdeu força.

O desleixo no cabelo, cada vez mais seca, nunca mais a de antes, tinha dito na véspera que ia embora da cidade, que precisava dar um tempo.

Depois que viu o retrato cortado ao meio, ele começou a fazer um negócio que pelo menos alivia: quando percebe que vai fraquejar, corre pro latão no quintal e enfia a cabeça na água fria e fica. Volta pro quarto, senta na cama, espera passar e começa a pensar. Se num dia sentir que não vai dar, ele mergulha a cabeça e fica esperando as borbulhas, esperando ver até aonde vai, até não ver mais nada, até acabar tudo.

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Postado por Blog de Anchieta Rocha
2/11/2018 às 23h32

 
Fiandeiras

Dentre
Os membros
De nosso
Corpo
As
Mãos são
Os únicos
Que
Não se
Cansam
Pois
Não
Carregam
Passados
Ou
Futuros
Simplesmente
Tecem
O
Presente
As
Mãos
São
Atemporais.

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Postado por Metáforas do Zé
2/11/2018 às 11h44

 
O INVISÍVEL

Olhou-se no espelho e perguntou ao reflexo de seu rosto: este sou eu?

Era a pergunta que se dirigia todos os dias em que se confrontava com a própria imagem, à qual já deveria ter-se familiarizado. Mas era uma rotina imutável.

Inundou-o novamente aquela sensação de estranheza e desolação, enquanto um gato mestiço de angorá o contemplava fixamente com seu olhar hipnótico. Fora pilhado em flagrante certa manhã na cozinha, bebendo furtivamente o resto de leite que ficara na xícara e, sem mais explicações, como é da índole dos gatos, passou a voltar sempre para tomar o leite que, a partir de então, era deixado de propósito na mesa ainda por ser tirada. E assim o bichano foi ficando, embora o dono da xícara soubesse que os felinos não gostam das pessoas, apenas das casas. Mas não havia nenhum mal nisso, ele faria jus à hospedagem caçando os ratos e baratas que já dividiam a velha casa com o dono.

Não tinha coragem de desfazer-se dela, metade talvez por sentimentalismo e metade certamente por comodismo; daria muito trabalho e aborrecimento mostrar as velhas entranhas da habitação a desconhecidos e ainda por cima ter de procurar outro teto para morar. Já passara do tempo para essas coisas. Além do mais, isso lhe soava como uma profanação.

O que ele não sabia é que estava em curso um longo e silencioso processo de desconstrução.

Ignorava a idade do gato, pois gatos não têm certidão de nascimento, ou se teria nome, os gatos não são batizados e por isso mesmo só têm apelido, aí passou a chamá-lo de Senhor X, outras vezes de bichano ou de um sinônimo qualquer, felino, vira-lata, o que lhe viesse à boca.

Sabia, porém, que o gato era eterno, como de resto todos os irracionais, até que lhes chegasse a percepção instintiva da proximidade física do fim. Os gatos não têm metafísica, concluiu pensando num dos célebres poemas de Fernando Pessoa. Talvez essa fosse a secreta razão de sua inveja, um sentimento algo torpe que às vezes o fazia tratar mal o felino, correndo com ele do sofá, recriminando-lhe a indolência, chamando-o de parasita. Irritava-o ainda mais o distanciamento olímpico do felino, que o fixava impassível, na hora das zangas e admoestações, com aquelas pupilas pontuadas com duas vírgulas. Então explodia de cólera: ponha-se daqui pra fora, bicho sem-vergonha! E o gato saltava a janela com uma elegância heráldica que lhe aumentava a inveja.

Uma noite sonhou que era um cão maltratado por um homem truculento, e acordou em meio a um grito de pavor. Depois disso, passou a tratar o gato somente de Senhor X e deixou de brigar com ele. Do ponto de vista do gato, entretanto, nada parecia ter mudado, pois continuou do mesmo jeito distante e nem sequer se dava ao trabalho de roçar nas suas pernas, muito embora já pudesse, agora, refestelar sua sonolenta preguiça no sofá, sem interrupções indesejadas. E sem as fugas elásticas pela janela, o que, em contrapartida, proporcionou ao dono da casa uma trégua com a própria inveja.

Sempre fora um homem de ação, bem-posto na vida, respeitado pelos colegas, amigo de seus amigos. Vivia só e só continuava. Antes, não havia tempo para deter-se no assunto, o fluxo do dia a dia transcorria como desejava: trabalho, diversões, amores. Desfilava com belas damas nos restaurantes de luxo, antes de levá-las para o motel. O sexo pelo sexo. Nada dos aborrecimentos diurnos e diuturnos de que queixavam alguns de seus colegas, às voltas com o inesgotável desgaste gerado pela convivência sob o mesmo teto. Era bem outra a sua visão da vida.

Quando soou a hora da aposentadoria, correu mundo, Nova Iorque, Paris, Londres, Roma, Veneza, Florença... Ao retornar da longa viagem pelo exterior, deparou-se com sua caixa de correspondência abarrotada de envelopes: faturas já pagas pelo débito automático, convites para lançamentos, propagandas comerciais e...um aviso fúnebre. Morrera um ex-colega de profissão que nunca lhe fora próximo, mas a notícia atingiu-o como um soco no estômago. Por coincidência, tinha a mesma idade do falecido, como verificou pelas datas que encimavam o texto.

Ao achegar-se à janela em busca de ar, viu que o jardim da casa estava em petição de miséria, era preciso chamar urgentemente o jardineiro. Estava quase recolocando o fone no gancho quando a voz rouca e cansada de uma senhora nem bem atendeu ao chamado, ele foi logo disparando: quero falar com o seu Joaquim; ele está? A voz lhe disse que o jardineiro passara mal, a boca meio torta, um vizinho o levara para o hospital. Ele está na enfermaria e lá, o senhor sabe, só é permitida visita aos domingos, por isso é difícil saber como meu marido está passando agora. Que bela merda, ele exclamou. O que foi que o senhor falou? Nada, minha senhora, não falei nada! E bateu o telefone, mal-humorado.

Banho tomado, decidiu jantar fora para sacudir do corpo a poeira de estrelas, como costumava referir-se ao pós-viagem aérea. Stardust, pensou, aquela belíssima canção norte-americana do tempo em que a música popular ainda era uma arte.

Jantou só. Não havia sequer uma pessoa conhecida no restaurante, a não ser o Ambrósio, o garçom que habitualmente o atendia. O que vai ser hoje, doutor, o vinho seco de sempre, antes da escolha do cardápio? Teve ímpetos de responder rispidamente ao garçom. Se você sabe, por que pergunta? Mas calou-se. Seu retorno ao solo pátrio não fora dos melhores. Afinal, o Ambrósio o servia há mais ou menos vinte anos, e aquela pergunta fazia parte do cerimonial de vassalagem que todo súdito tem de prestar ao senhorio.

Com o passar dos meses, as horas se tornaram cada vez mais lentas e os dias e noites mais longos. Sua correspondência minguara, o telefone pouco tocava. É verdade que tentara, quase a contragosto, contatar uns antigos colegas mais próximos, mas a tentativa de aproximação fora um encontro com fantasmas arrastando velhas recordações às quais estavam acorrentados.

Passou a frequentar as salas de espetáculo, teatro, música, cinema, mas o efeito reanimador desejado saiu-lhe às avessas. Não havia peças teatrais ou recitais aceitáveis, e os filmes, então, só violências de todo o gênero, numa sucessão alucinatória de cenas atropelando-se umas nas outras, artificialmente magnificadas pelos chamados efeitos especiais, que ele preferiu batizar de defeitos especiais. Era essa a arte pós-moderna? Lembrou-se do velho Bruxo do Cosme Velho ao parafraseá-lo para si mesmo: mudara o mundo ou mudei eu?

O jardineiro sumira sem deixar rastro. Ligou-lhe diversas vezes, mas a linha fora cortada. O jardim enquanto isso ia assumindo os ares de floresta urbana e ele desistiu de contratar alguém para podar os excessos daquela flora selvagem ao notar que o Senhor X dela fizera seu campo de caça. Por outro lado, não havia como negar a existência de certa beleza no modo como aquela botânica incivilizada rebentava em flores e perfumes, atraindo espécies de pássaros nunca antes vistos por lá. Era a estética do caos.

O mundo lá fora crescera demais, a cidade inchara movimentada pela força das novas gerações. Tragados por esse turbilhão, foram desaparecendo os vestígios de seu tempo. Foi aí, sem mais nem meio mais, que certa manhã sentiu-se atingido por uma centelha de clarividência: sua geração perdera a identidade, em franco processo de extinção.

Raros eram os contemporâneos que avistava em público, nas suas escassas idas ao centro da cidade e, quando isso acontecia, a visão não era das mãos alentadoras, uns arrastando-se com apoio na bengala, outros encurvados como se carregassem uma invisível saca de cimento no lombo e ainda os que eram levados por parentes ou cuidadores, segurando-os pelo braço. Uma catástrofe.

Ninguém mais o conhecia no bairro ou na cidade. Tornara-se invisível. Não cabia mais no novo cenário e sentia-se na pele de um ator num palco giratório, onde tivesse entrado, representando um papel destoante da trama que os outros representavam. A sua fala mostrava-se totalmente descontextualizada, como num script shakespeariano encenado num picadeiro de circo mambembe.

Procurou então refugiar-se na leitura dos livros que acumulara durante toda a sua vida, mas estes já não o atraíam. Calaram-se os “mestres mudos”, filosofou com amarga ironia.

Passava as horas em meio ao deserto de si mesmo. Sua invisibilidade atingira o limite máximo – sua biografia apagara-se. Nada mais restara dele mesmo, não plantara uma árvore, não escrevera um livro, não deixara descendência.

Em seu exílio, confinou-se dentro de sua morada em estado ruinoso,, permitindo-se quando muito algumas caminhadas em círculos pelo jardim selvagem. Foi exatamente num desses périplos que se deparou com uma gata amamentando os filhotes que pela cor da pelagem deviam ser fruto das aventuras do Senhor X, que a distância parecia observar a cena com aquele olhar enigmático de sempre.

Serão meus afilhados, Senhor X, a minha exótica descendência rabuda e quadrúpede, disse para o gato, que nem sequer parecia notar a sua presença, enquanto lambia indolentemente as patas dianteiras, cumprindo à risca o ritual higiênico dos gatos.

Ayrton Pereira da Silva



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Postado por Impressões Digitais
1/11/2018 às 16h51

 
Nessas Eleições o Meu Candidato... E Agora, Brasil


Desde o dia 28/10 o Brasil encontra-se na seguinte situação ideológica, existem os:

Pacifistas que torcem independentemente da escolha feita; Pessoas que mesmo sem seu candidato ter sido eleito, pensam no bem do país e torcem pra que a nação caminhe junta em união e alcance o principal motivo de tudo, que é o fim da crise, a resolução dos problemas e o bem-estar geral da população.

Radicais que desejam que quebrem a cara; Indivíduos que não votaram no candidato eleito e desejam um pandemônio só pra provarem seu ponto de vista. A frustração, mediante as divergências de ambos os candidatos, expostas como nunca se viu numa eleição brasileira, produziram essas pessoas que só o tempo inflará ou aplacará.

Radicais que acham que estão dentro de um filme distópico; Seres alienados que estão achando na transição do governo uma forma de exteriorizar tudo o que pensam e está errado. Do mesmo modo, como alguns acham que se tornarão salvadores do amanhã, livrando o mundo de toda a imoralidade e hipocrisia. Pra esses, resta a conscientização de que leis, grupos e organizações existem intactas e estarão atentas pra enxergar e punir quem se intitula um passo acima, devido ao novo governo.

Receosos que estão aguardando os acontecimentos; Pessoas que votaram ou não no candidato eleito, seja por motivos de esperança no novo, recado ou protesto. Esse grupo, mais prudente e cauteloso, aguardará a ocorrência dos fatos pra fazer julgamentos, não tem ideologia formada e só pensa na melhora da sociedade e de seu meio social.

Mas pra todos eles, fica a pergunta se realmente sabem pelo que estão lutando? Aos mais radicais pergunto ainda, pra que lutar tanto se o princípio básico que é a união e a resolução dos problemas foi substituído pela imposição de egos e desejos subentendidos.

Todos habitam uma mesma nação grandiosa que se formou de diferentes povos, ganhando o apelido de “vira-lata”. Mas do “vira-lata” originou-se uma cultura única e forte baseada na pluralidade, e sinto muito se isso não agrada a todo mundo, porém é fato que tanto uns quanto outros estão aqui e não há separação nem saída que possa ignorar o fato que uns precisam de outros pra inúmeros e variados fatos que acontecem nessa cronologia louca chamada vida. Ignorar, como em qualquer outra ocorrência, só fará piorar a situação.

Lembrando que, não há plano perfeito, nem salvação completa se não haver satisfação própria e esforço. Então depositar todas as fichas num governo nunca será a solução de todos os problemas. Afinal, o governo não está com você em todos os momentos, em cada segundo da sua vida, nas pequenas e grandes decisões que seu olhar capta e julga diariamente.

Independentemente do que falem, apontem ou elogiem, tenham em mente que quem deve vencer e sair melhor de tudo isso é o povo brasileiro. Não o governo e os governantes que foram tão defendidos e votados até como heróis com a função clara, mas muitas vezes esquecida, de que estão lá pra servir, representar e obviamente melhorar a qualidade de vida do brasileiro. A tão sofrida e breve existência da qual nada levamos, a não ser as experiências obtidas.

Sendo assim, que venham pra todos nós dias de luta, dias de glória!



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Postado por Blog de Camila Oliveira Santos
31/10/2018 às 15h53

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