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Sexta-feira,
4/11/2016
Why do I write?
Heberti Rodrigo
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"Trata-se de deixar de ser um impassível animal de rebanho. Trata-se de reconhecer-me no servo que caminhava cabisbaixo ao sol, sob o temor do chicote de seu senhor, e, ainda que ciente do risco de ser fustigado no rosto e cegar, vira-se exibindo ao seu dominador uma boca enfadada de murmurar “Sim, senhor” e dois olhos faiscantes a protestar: “Isso já foi longe demais, basta!”. Trata-se de ser tomado pelo mesmo furor deste escravo em desejar mais que os outros lhe ensinaram que poderia desejar. Trata-se de atingir o que ninguém ousa atingir. Trata-se de sujeitar-se a ser perseguido, achincalhado, a correr o risco de padecer de fome e frio e abreviar seus dias por acreditar em algo maior que a própria vida. Trata-sede acreditar na liberdade do mundo do faz de conta, na potência criadora da mente humana.Trata-se, também, de dinheiro, mas de algo que nem todo dinheiro do mundo seria capaz de comprar.". Extraído de meu autorretrato, Heberti Rodrigo
"O restante da pequena viagem aérea efetuou-se em silêncio. Assim que chegaram e se recostaram confortavelmente nos sofás pneumáticos do quarto de Bernard, Helmholtz voltou à carga. Falando muito lentamente, perguntou:
- Você nunca teve a sensação de ter em si alguma coisa que, para se exteriorizar, espera somente que você lhe dê a chance? Uma espécie de força excedente que você não esteja utilizando, algo assim como aquela água toda que se precipita na cachoeira em vez de passar pelas turbinas?
Dirigiu a Bernard um olhar interrogativo.
- Você se refere às emoções que se poderia experimentar se as coisas fossem diferentes?
Helmholtz balançou a cabeça.
- Não é bem isso. Estou pensando numa sensação estranha que experimento às vezes, a sensação de ter alguma coisa importante a dizer e o poder de exprimi-la...só que eu não sei o que é, e não posso utilizar esse poder. Se houvesse algum outro modo de escrever...Ou, então, outros assuntos a tratar... - Calou-se; depois: - Você vê, eu sou bastante hábil em inventar frases, quero dizer, essas expressões que nos dão um sobressalto, quase como se a gente sentasse sobre um alfinete, tão novas e excitantes elas parecem, embora se refiram a alguma coisa hipnopedicamente óbvia. Mas isso não parece suficiente. Não basta que as frases sejam boas, seria preciso que o que delas se fizesse também fosse bom.
- Mas as coisas que você produz, Helmholtz, são boas.
- Ah, sim, dentro dos seus limites. - Helmholtz deu de ombros. - Mas são limites tão estreitos! O que faço, de certo modo, não é bastante importante. Sinto que poderia fazer coisas bem mais importantes. Sim, e mais intensas, mais violentas. Mas o quê? O que é que há de mais importante para dizer? E como é possível dizer algo violento sobre assuntos do gênero que se é forçado a tratar? As palavras podem ser como o raios X, se usarmos adequadamente: penetram em tudo. A gente lê e é trespassado. Essa é uma das coisas que procuro ensinar aos meus alunos: como escrever de modo penetrante. Mas que diabo serve uma pessoa ser trespassada por um artigo sobre Cantos Comunitários ou sobre o aperfeiçoamento dos órgãos aromáticos? Além disso, será possível fazer com que as palavras sejam verdadeiramente penetrantes - quero dizer, como os raios X mais duros - quando se trata de assuntos desse gênero? Pode-se dizer alguma coisa sobre nada? É a isso, afinal, que se reduz a questão."
Trecho extraído de Admirável Mundo Novo, Aldous Huxley
Postado por Heberti Rodrigo
Em
4/11/2016 às 07h46
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