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Terça-feira, 1/4/2003
O desespero de Bush
Marcelo Barbão

A nova guerra do Iraque suscitou a maior onda de artigos, emails, correntes, trocas de arquivos da história da Internet. Pode ser considerada a primeira guerra da Era da Internet. Eu li uma boa parte de todas essas trocas de mensagens (e desaforos) e até participei de muitas. Mas, uma coisa é certa, ninguém realmente chegou a compreender os motivos da guerra.

Alguns por motivos espúrios como a direita aculturada que aceita qualquer explicação feita pelo Pentágono por mais absurda que ela seja. Outros por "inocentismo utilíssimo" como os que tentam comparar os regimes de Saddam e Bush, esquecendo que sem as bênçãos de Washington, Bagdá não seria o que é, nem faria o que fez. Um erro de simplismo agudo.

Mas, essa é a direita de um lado e as pessoas que não acompanham a política de outro, não poderíamos esperar grandes coisas desses setores mesmo. É com a esquerda que eu me preocupo, com a falta de compreensão do que está acontecendo.

Não estou querendo aqui afirmar que tenho todas as respostas, que sou o ser superior que entendeu tudo enquanto a corja de ignorantes... Estou querendo única e exclusivamente ajudar no debate e na compreensão. Espero conseguir.

Mudanças no imperialismo

As análises sobre o papel do imperialismo no mundo são vastas e muito importantes para compreender essa guerra, suas causas e conseqüências. Depois da grave crise dos anos 70, onde começou a decadência das potências capitalistas (na verdade, começou a decadência da Velha Ordem Mundial, o acordo de convivência entre EUA e URSS, que levou à destruição desta), o capitalismo precisou rever suas políticas para conseguir sobreviver. É por isso que, desde os anos 80, começaram a entender que Marx estava correto, que as fronteiras nacionais eram um fator que impedia o crescimento econômico.

Foi por isso que desde o final dos anos 70, a política geral dos imperialismos foi a de suprimir as fronteiras nacionais. Claro que essa política não tem nada a ver com a irmandade entre os povos que defendiam Marx e Bakunin na época da I Internacional. Afinal, a NAFTA não significa que os mexicanos terão um nível de vida parecido com o dos norte-americanos mas que as fábricas "maquiladoras" na fronteira dos dois países podem pagar salários baixíssimos para seus trabalhadores (aliás, talvez eu tenha errado, com o nível de vida baixando assustadoramente nos EUA, com o desemprego, sub-emprego, etc, talvez os dois lados cheguem a ter um nível de vida parecido).

A idéia central era: caiam as fronteiras, destruam as barreiras alfandegárias, livre comércio mas tudo unilateral. É só ver as exigências do governo dos EUA para os países que irão formar a Alca e entenderemos que tipo de abertura eles querem.

Da mesma forma, na União Européia, é importante a entrada dos paíes do leste europeu. Afinal, são eles que serão o mercado interno e os fornecedores de mão-de-obra barata para Alemanha e França. O mesmo movimento pode ser encontrado na Ásia, capitaneado pelo Japão (mas com uma forte concorrência do próprio EUA, China e da Austrália).

Para qualquer pessoa, é fácil entender que isso é um tiro no pé no médio prazo. A situação calamitosa da Argentina é um exemplo concreto disso. A destruição das indústrias nacionais, imperativo para que os produtos norte-americanos, europeus e japoneses dominem o mercado, só leva à diminuição ou virtual inexistência de consumidores capazes de comprar esses próprios produtos. Na Argentina, hoje, as companhias de telefonia privatizadas estão caminhando para ter mais prejuízos do que a velha estatal (contando toda a corrupção instalada pelos governos da UCR e dos peronistas), simplesmente porque as pessoas não tem mais dinheiro para pagar suas contas. A quantidade de pessoas que tem telefone em casa mas só podem receber ligação é gigantesca.

Além do que temos uma situação onde uma boa parte das classes superiores argentinas foi embora do país. E tudo isso por ter seguido ao pé da letra todas as determinações feitas pelo FMI e pelo Banco Mundial, organismos dominados completamente pelos EUA. Ou seja, por seguir a política ditada pelos EUA, a Argentina transformou-se num país que causa mais prejuízos do que lucros para as próprias empresas norte-americanas. E se seguirmos todas as determinações do governo norte-americano para chegar à Alca? O que poderá acontecer?

Novos rumos

A disputa entre os imperialismos (EUA, UE, Japão, a emergente China) tinha acontecido até o governo Clinton no âmbito da diplomacia. A OMC nasceu com dois objetivos: garantir os privilégios dos países imperialistas e organizar a partilha do mundo entre eles. Não é à toa que todos relutaram em permitir que a China entrasse no bolo.

Nos anos 90, tudo era sorriso em Washington. Afinal, a tal nova economia ponto-com parecia ser a solução, a Ideologia Californiana ia de vento em popa. Esses "ideólogos" falavam (e comprovavam) exatamente o que todo mundo queria ouvir: que o Estado era dispensável, que as novas tecnologias iam garantir anos de prosperidade, que os velhos dogmas da economia estavam ultrapassados. Bill Clinton tinha até tempo para namorar com as estagiárias da Casa Branca!

Mas, tudo desmoronou com o estouro da bolha. Empresas que valiam milhões de dólares simplesmente desapareceram da noite para o dia (junto com os empregos que criavam), executivos foram presos por fraude, a fila do seguro-desemprego aumentou e, o pior, começou a aparecer o que estava por trás das fortunas ponto-com: milhares de sub-empregos, imigrantes ilegais trabalhando nas empresas de alta tecnologia do Vale do Silício em troca de salários baixíssimos. Da mesma forma, as denúncias contra a globalização atacaram as principais empresas do mundo, mostrando de onde saem seus lucros: de fábricas no sudeste asiático onde crianças chegam a trabalhar 16 horas por dia em troca de centavos de dólar.

Com o fim da bolha, os EUA estavam no mesmo nível da Europa e do Japão, por isso era hora de mudar de política. É hora de usar as vantagens que o imperialismo norte-americano tem e os outros não têm: o predomínio militar. Na tentativa de salvar uma economia que está afundando, vale qualquer coisa. Inclusive ocupar um país para loteá-lo entre empresas norte-americanas, como os EUA estão fazendo no Iraque.

Assim, tudo começou com a semi-ocupação de países como o cinturão de ex-repúblicas soviéticas. Hoje, em muitas os militares dos EUA no país excedem as forças armadas próprias. Depois, a dominação do Afeganistão e agora o Iraque. Com isso, garantem o abastecimento de gás, petróleo e outros produtos básicos para sua economia funcionar.

Mas, isto ainda não é suficiente, é preciso ter gente comprando os produtos, é preciso mercados, é preciso países com governos submissos. Por isso, achar que essa investida vai parar por aqui é ingenuidade ou pior, cumplicidade.

Disputa mortal

Essa nova política do imperialismo de Washington ficou evidente quando a Alemanha e a França colocaram-se contra a guerra, junto com o sócio menor, a Rússia. E nessa disputa, os EUA conseguiram ganhar o primeiro round ao dividir a UE e jogar os candidatos a europeus do Leste contra os chefões da Europa ocidental (a Inglaterra não conta porque sempre teve uma atitude ambígua em relação à União Européia). Mas, por outro lado, a doutrina Rumsfeld aproximou ainda mais o núcleo central que é formado pela França e Alemanha. E pode até ter aproximado a Rússia, que é o "sonho de consumo" de todos os principais defensores da UE alemães e franceses.

Por enquanto, somente os EUA assumiram esta política de conquista, mas não podemos descartar que outros países façam o mesmo. Afinal, uma unidade França-Alemanha-Rússia resulta em um exército poderosíssimo, ainda mais se convencerem a China que a aliança seria benéfica para ela.

Não estou prevendo aqui que a guerra do Iraque levará à III Guerra Mundial. Mas, estamos revivendo o final do século XIX, início do XX, onde os militares é que dominavam a cena internacional. A I e a II guerra mundiais foram resultado de uma disputa furibunda entre os imperialismos em ascensão e decadência. Depois dos acordos de Ialta, a diplomacia foi mais forte, as guerras ocorreram de forma localizada, nas periferias do mundo. O medo da capacidade do inimigo impediu que confrontos mais fortes entre as potências acontecessem. Além disso, todos estavam crescendo. A URSS cresceu muito nos anos do pós-guerra da mesma forma que os EUA.

Agora, quem poderá prever para onde nos levará essa mudança de estratégia dos EUA? Só uma coisa é certa: para as massas que saem às ruas do mundo inteiro, nenhum benefício advirá de qualquer um dos lados em disputa.

Força ou fraqueza?

Fica mais do que evidente que a invasão e a ocupação do Iraque é uma mostra da fraqueza do capitalismo norte-americano, é uma mostra do desespero a que chegaram os "donos do mundo" que são capazes de qualquer coisa para manter seus lucros e a exploração dos trabalhadores. Não se confundam, leitores, o que estamos vendo é a derrocada do império americano. Os documentos que são a base da doutrina de Washington que podem ser encontrados no site Project for the New American Century não irá acontecer.

Ainda mais com a incapacidade já demonstrada pelos "senhores da guerra" de Washington que cometeram erros primários nestes primeiros dias de guerra, o que poderá custar, com certeza o apoio dos eleitores norte-americanos que Bush conseguiu através das mentiras e manipulações costumeiras. Mas, tudo isso mostra, pelo menos, como é o jeito conservador de governar o mundo.

Marcelo Barbão
São Paulo, 1/4/2003

 

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