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Quinta-feira, 29/5/2003
Matrix, Reloaded e Revolutions
André Pires

De imediato, posso dizer que a seqüência não chega aos pés de seu antecessor. Fato: o original Matrix não foi criado para ser parte de uma trilogia, foi um filme redondo e fechado perfeitamente. Brilhante na proposta de unir harmonicamente filosofia, kung-fu à la filmes B orientais, misticismo e religião, em um enredo de ficção científica que deu novo sentido ao "estilo" cyberpunk.

Reloaded tenta ser uma continuação à altura do primeiro, e é aí que jaz seu maior erro. Devido às revelações finais de Matrix, não seria possível uma continuação da história sem que uma barra fortíssima fosse forçada dentro do argumento proposto. Neo se mostrou uma espécie de super-homem virtual, com plena consciência de suas capacidades ilimitadas. Como algum tipo de desafio poderia ser oferecido a um protagonista dessa magnitude, em uma seqüência? Sendo Neo consciente de que vive em um mundo de faz de conta, em que qualquer ação ou reação ao seu "eu" pode ser manipulada por ele mesmo, ele poderia simplesmente se fazer invisível, metamorfo, musculoso ou mais bronzeado. Pelo que entendo ele poderia andar pelado pelo mundo virtual e, quando chegassem dez trilhões de agentes Smith, ele simplesmente voaria para longe em direção ao local mais próximo onde pudesse se desconectar da Matrix.

Esta prerrogativa criada pelo primeiro filme esvazia a sua seqüência de uma série de possibilidades, mesmo considerando que se trata de um mundo fantasioso de ficção científica. Para trazer a público uma continuação linear, de uma história já encerrada em todas as suas vertentes (filosóficas, espirituais, etc.), os roteiristas teriam que extrapolar a narrativa, projetando novas questões mirabolantes em seu criativo universo.

Para tentar criar uma história tão grandiosa quanto a do primeiro filme, os irmãos Wachowski (roteiristas e diretores) viajaram fundo nas ilimitadas possibilidades do roteiro inicial, única forma de levar adiante o sucesso multimilionário de sua empreitada. Para isso criaram dois grandes trunfos para a segunda versão (se você não viu o filme pare de ler agora): o predestinado como anomalia já prevista pela Matrix e a nova teoria da "Matrix dentro da Matrix" (ou Matrix Shell, como os americanos a estão chamando). Juntamente com o exagero e a gratuidade das seqüências de ação, esta megalomania nas novas questões faz com que Reloaded peque pelo excesso.

A narrativa, um dos grandes trunfos do original Matrix, está esvaziada quase por completo. A nova trama parece que foi criada unicamente para apresentar as situações de luta e as perseguições fantásticas, o link entre elas não passa de um bando de desculpas esfarrapadas. Acaba sendo necessária a aparição do tal "Arquiteto" para explicar toda a situação. Ele faz, em uma única e exaustiva cena, tudo aquilo que a narrativa deveria ter feito de uma forma harmônica e progressiva: apresenta e explica toda a série de novidades metafísico-virtuais-tecnológicas que compõem a problemática central do filme. Totalmente diferente do primeiro, onde as questões apresentadas eram, pouco a pouco, desvendadas pelo personagem (e pelos espectadores) de uma forma seqüencial, levando a um crescendo de descobertas e profundidade da trama até atingir o clímax com a revelação final.

Reloaded não convence. Nem mesmo consegue ser suave como mera trama seqüencial redonda, como em outras trilogias (Guerra nas Estrelas, X-Men2, etc.).

Reloaded e Revolution não são dois filmes redondos e terminados que estão inseridos em uma trama maior: são um filme só, de seis horas, que foi cortado ao meio. Filhos bastardos de um original brilhante que não deveria ter sido vítima da ambição gananciosa de gerar mais frutos.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor, que assina o blog Lanho.

André Pires
Rio de Janeiro, 29/5/2003

 

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