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Segunda-feira, 16/6/2003
Mário Faustino
Alessandro Silva

Não é exagero o que vou dizer: dar um livro aos poemas do Mário Faustino é degradação moral.

Mas a Companhia das Letras publica; e sabe-se de que não é capaz um bom nome envolto em clorofórmio.

Durante a leitura de "Homem e Sua Hora" era como se uma chuva de granizo espocasse sem parar; também não há harmonia.

Mesmo relendo "O Homem e Sua Hora" não podemos ouvir a voz do autor. Cacoetes sim; desvios abruptos de pensamento para uma matéria poética cinzenta. Canhestramente, vozes mais antigas se metem na matéria: podemos sim ouvir algo dos versos de Rilke ou T.S. Eliot como traduzidos à época.

Faustino era um sujeito obcecado pela linguagem; deveria ter sido lingüista.

É uma necessidade que tem os faltos de talento explicarem-se o tempo todo.

Se a qualidade poética de uma obra segundo Paul Valèry deve ser medida pela distância que separa a intenção do projeto acabado, Mário Faustino foi convocado para a partida decisiva em caráter emergencial, entrou no segundo tempo faltando vinte minutos para o encerramento do jogo e saiu contundido antes do final.

Aliás, onde estão os personagens de Mário Faustino? Onde a eloqüência de seus objetos?

O talento natural é fascinante. Um desses garotos retardados de oitava série que se levasse um pouco a sério faria poesia de melhor qualidade que a de Mário Faustino.

Verbalismo é pouco para acusar algo que depois de duas horas de atenção dedicada não te deixa sequer uma imagem memorável. Tudo no livro é tão abstrato quanto agarrar nuvens. A propósito, será que é a coisas desse tipo que devemos aplicar o termo pós-moderno?

O desvelamento exigido para se ser autêntico passa longe do Faustino; nem sombra dos fantasmas que o assombravam; tudo muito bem mascarado e devidamente envernizado em suas reações. Exemplo? Vide o poema "Fidel, Fidel": uma vergonhosa espécie de ode tecida em honra ao coronel cujas palavras opacas caem-lhe como confetes estúpidos.

No caso de Faustino, é para se perguntar: será que a erudição emburrece?

Ele flertava com a poesia concreta. Em uma de suas cartas referiu-se a ela como "radical". Naturalmente aquilo que chamou de radical, os homens normais chamam de fraco ou de embróglio. Se uma poesia deve encantar por sua disposição gráfica no papel, então podemos nos apaixonar até por pneus!

Crime e castigo: lia Ezra Pound; queria encontar uma linguagem mais "direta"; tornou-se um metafísico.

É fácil compreender porque Mário Faustino tinha que respeitar seu lado funcionário, nunca dando o passo decisivo para se livrar do ranço burocrático que o envolvia ( enquanto teve condições para tal ): sem dúvida que sua sina era servir ao Estado.

Racionalizou tanto que fez poesia positivista!

Engraçado pensar que um homem que se considera poeta e crítico de poesia, e que tenha lido Baudelaire, Rimbaud, Yeats e T.S.Eliot tenha sido incapaz de nos deixar a descrição de uma simples faxineira.

Quanto a seu "Agon" em relação aos outros literatos consagrados, é uma pena, não passou de admiração servil. A admiração faz mal ao caráter: além de tornar estéril um artista.

Era tão os outros que nunca foi capaz de decantar a sua visão.

E as editoras ainda publicam nomes. Parecem-se até com clubes de futebol!

"Ora, interessa-me criar uma linguagem nova, mais eficaz que a atualmente em uso ( com raras exceções ), para usá-la no dramático, no épico e no lírico..."

Criou, caro Faustino, criou: uma torre de palavras soltas sem argamassa.

Pior que o poeta Mário Faustino só a pintora Frida Kahlo.

E durante um tempo deu as cartas como editor do suplemento de cultura do Jornal do Brasil lá pelos 1950. Não ousou publicar ali seus poemas. Sustenta-se que não fazia parte de seu código de ética; sustentamos que fazia parte de seu bom senso: afinal, até hoje sua obra está "aberta".

Tinha meios para sustentar-se enquanto artista: fracassou. Houvesse lhe faltado tempo, obrigando-se a escrever no banheiro de uma fábrica, então teria criado obra de valor, pois teria sempre em mente a brevidade e a simplicidade. Abençoado seja o infortúnio!

Poesia-experiência... oficina de poesia... menstruação verbal...

Que Deus o tenha, Mário Faustino, porque o inferno é grato aos poetas.

Para ir além




Alessandro Silva
São Paulo, 16/6/2003

 

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