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Sexta-feira, 12/9/2003
Os superestimados da música no Brasil
Mario Marques

Todo mundo sabe que os Los Hermanos foram revelados no Abril Pro Rock de 1998. Eu estava lá, cobrindo pelo Globo, banquei e fiquei boquiaberto com aquela mistura de hardcore com ska, samba e letras romantiquinhas e bobocas; e, tempos depois, George Harrison, imaginem, reproduzia com fervor aquele solo indigente de "Anna Júlia" do Marcelo Camelo em pleno "Fantástico".

Acontece que depois veio Bloco do eu sozinho. Um bom disco, mas, na minha visão, era muito mais um ato de pretensão, ou seja, de querer ser sério, de ser Chico Buarque em vez de ser Weezer, do que propriamente um disco autoral. Gosto muito de "Sentimental", musicão. Mas o Radiohead já tinha feito essa música. O fato é que esse papo de que Los Hermanos não querem mais fazer uma nova "Anna Júlia" é a maior balela do planeta. Na verdade não são os Hermanos que fogem de "Anna Júlia". É "Anna Júlia" que corre deles. Los Hermanos nunca mais vão conseguir escrever uma música como "Anna Júlia", que é chiclete, gruda e ao mesmo tempo é uma síntese de simplicidade e também melodicamente rica. É mais fácil dizer por aí que eles não querem ser banda de uma música só. E mais difícil admitir que a possibilidade de uma nova "Anna Júlia" pintar no cérebro dos meninos é nula.

Tudo bem, aí vem Ventura, o terceiro disco dos barbudinhos, lançado recentemente. Vejam, o que está em questão não é se o disco é bom ou ruim. O que discuto é: aqueles sambas tocados de maneira quadrada, algumas guitarras desafinadas (apesar do Pro Tools), aquelas melodias pobrinhas, as vozes mal captadas e as musiquinhas... musiquinhas fracotes, nunca poderiam ser descritas numa formulação de melhor nada.

Num papo regado a água (pelo menos eu tomava água) na Pizzaria Guanabara, o baixista da banda do Nando Reis, Cambraia, dizia que o que mais o incomodava no Los Hermanos era a falsa modéstia. Eu não entendi muito bem o que ele queria dizer, já que não há nenhum músico ali de verdade. Ah, há sim, o pessoal dos metais. Por isso os arranjos de sopros são tão bons...

Num especial Los Hermanos na MTV (pela primeira vez na vida, influenciado pela cantora Helena Cutter, virei um cara que acessa a MTV todo dia, o que também gera um parágrafo à parte mais abaixo, conectado com o "do caralho!") vi os caras filosofarem sobre a vida, as composições, "a mídia", enfim, tudo era motivo para tergiversações mil ou um estilo "sem compromisso". Fiquei uma hora assistindo a nada.

Certa feita mandei ao Amarante, o outro vocalista do Los Hermanos, um CD demo do então Acid Beatles (hoje Acid X). Eram seis músicas no formato acid jazz, praia que eu não sei se ele sabe até hoje do que se trata. Talvez por sua ignorância musical, tascou: "Achei meio banda de paulista".

Pano, cortina, tudo rápido.

Eles agora dizem que estão ouvindo Beatles. Que bom! De década em década eles vão chegar lá, nos idos da década de 90, época do tal acid jazz. Sigo então chegando à conclusão de que provavelmente o próximo disco deve ser meio Beatles. Porque Ventura é meio Chico Buarque, meio Tom Zé, meio tudo o que já foi feito.

Acredito a cada dia mais que a maioria dos integrantes do Los Hermanos vai em breve abandonar essa história de banda de... de... de..., ah sei lá de que, e um vai virar diplomata, outro dono de corretora de móveis, outro arquiteto, outro publicitário e mais um criador de jingles. O futuro vai escrever e quero estar vivo para ver isso. E quando isso acontecer vai dar uma saudade da "Anna Júlia"...

* * *

Então, vamos botar as coisas nos devidos lugares: Ventura é um disco apenas razoável, mas virou o Caetano, os Ramones, os Strokes, o jazz. Todo mundo tem medinho de falar mal...

Já ouviram Cosmotron, do Skank? Isso, sim, é que é disco do ano.

* * *

Depois da morte da Cássia Eller, a única ex-roqueira do Brasil (digo isso porque o Nando Reis fez de tudo para que ela virasse um Nando Reis de saias, quer dizer, de calças compridas), todo mundo quer segurar com unhas e dentes o trono da moça.

A que mais me incomoda, nesse sentido, é a Lan Lan, percussionista de Cássia. Vi seu show, cheio de palavrões, gritarias, som alto e distorcido, algo como um trio elétrico roqueiro. Algumas músicas são boas, apesar de a moça não ter voz. Mas, dizem outras, ela tem "atitude". Se atitude fosse sinônimo de alguma coisa boa, o que dizer da ex-modelo Isabel Stasiak, de 46 anos, posar nua em Ipanema pedindo que o pai de sua filha fizesse o exame de DNA? Então... no palco eu quero ouvir música e deixa a atitude pro Lula. Lá em cima eu vi a Lan Lan fazendo de tudo para mostrar as peitolas, já que usava uma camisa toda aberta dos lados, parecendo um abadá perfurado. Achei aquilo meio nojento, mas as sapatas presentes ao show adoraram.

Musicalmente preciso falar do primeiro disco de Cássia, desconhecidão dessa geração, mas para mim o seu melhor disco, lançado em 1991. Bem, ouçam-no e descobrirão que a semelhança entre o disquinho de Lan Lan e os Elaines e este de Cássia é tão grande, tão grande, que o de Lan Lan mais parece uma releitura daquele.

Mas tem as percussões da Lan Lan, né? Aquela coisa cheia de atitude e tal... ZZZ...

* * *

Vamos abrir o livro: o disco de rock do ano é da Pitty, Admirável chip novo, da Deckdisc. É sincero, copia tudo, mas tem um toque dela nas letras, a moça canta bem e podem esperar: ela, sim, será a nova Cássia Eller.

* * *

No livro em que ando debruçado, Os 50 grandes nomes do pop nacional, tirei definitivamente o Nando Reis da lista. Não só porque sempre achei o trabalho de compositor dele muito fraco, mas também porque essa música nova, "Dentro do mesmo time", dá medo de tão ruim. Às vezes fico discutindo com os amigos a importância da obra de Nando Reis. Muitos defendem, dizem que "Relicário" é linda. Meu Deus... Agora, prestem atenção: já reparou como as músicas do Nando ficam melhores quando há um parceiro do lado? Porque ele quando ataca sozinho... me lembra muito o Sylvinho do Blau Blau...

* * *

Isso vale também para o Arnaldo Antunes. Eu, se fosse ele, não descolava nunca mais da Marisa Monte. E o Carlito Marrón também.

* * *

Eu não vi o VMB todo, mas fiquei chocado com o Marcelo D2 gritando "Do caralho, do caralho, do caralho"! E todo mundo da MTV achando aquilo bonito. Não que eu seja conservador, do tipo que não fala palavrão. Mas na medida que você vai para a TV, espera-se que você entenda que há garotos e garotas de 10, 11 e 12 anos que estão assistindo e certamente vão achar aquilo legal, vão querer reproduzir. Aí chego à conclusão que eles querem isso mesmo. Quanto mais bobolóide, mais fanático pelo D2 e pela MTV. Minha filha, de 3 anos, desde já está proibida de ver MTV.

* * *

Assustam-me muito os VJs da MTV, falando naquela emissora "do caralho"!. Aquela Sara é a que me agride mais. Ela ouviu o galo cantar, mas não sabe onde. Está na cara que não sabe a diferença entre Dave Matthews e Paul Simon. Noutro dia ficou, num discurso chatíssimo, tentando explicar um "possível erro de interpretação dos espectadores" sobre uma informação dela a respeito de algum disco da Madonna. Uma chatice só. Será que não tem ninguém menos desinteressante para apresentar aquele "Disk MTV", não?

* * *

E a dupla Rafa e Edgar, a do "Jornal da MTV"? Tem gente que acha legal a poesia do Rafa, que vai do nada a lugar nenhum, e as indicações de CDs do Edgar, que vão de lugar nenhum ao nada. Eu fico em casa toda noite pulando do sofá com tanta debiloidice.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no site London Burning.

Mario Marques
Rio de Janeiro, 12/9/2003

 

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