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Sexta-feira, 17/10/2003
O Meu Mundo das Idéias
Daniel Aurelio

Acho que respondi a contento, no último artigo, como penso o processo da leitura. Meu divisor de águas está lá e dá medida escandalosa do apreço que cultivo pela literatura para jovens. Mas é claro que houve boa luz em meu período pós Bandeira e Ziraldo (de quem destaco os livrinhos "Dodó" e "Flicts").

A obra-prima que me arrebatou de vez foi o "Dom Quixote", do Cervantes. Lutar contra os moinhos de vento, contra aquilo que se impõe ao espírito retroativo da nossa memória afetiva. Não é isso que fazemos - ou deveríamos fazer - o tempo todo?

Confesso que consumi muito mais literatura brasileira que estrangeira. Não por nacionalismo: as traduções tendem a deixar as obras meio soltas, capengas e às vezes desconexas. Perde-se força narrativa. E eu a vontade de ler os gringos. Portanto, até os 20 anos, meus autores prediletos eram (e são) Machado de Assis ("Memórias Póstumas de Brás Cubas"), Lima Barreto ("Clara dos Anjos") e Guimarães Rosa (qualquer conto). Legítimo empate técnico.

Uma visita à biblioteca pública e a iminência da Fuvest fizeram-me descobrir Rubem Fonseca (e através de seus textos a violência como uma norma introjetada nas veias frouxas e inchadas do social). Pirei. Dos mais recentes eu destaco o Fernando Bonassi, que aprendi a gostar nas páginas da revista da rádio 89 FM e a Simone Campos ("No Shopping", 2001), um prodígio de apenas duas décadas de vida.

A literatura estrangeira chegou-me (antes tarde do que nunca) por intermédio de Franz Kafka. Eu me perguntava a toda hora por que diabos a crítica o idolatrava: uma leitura despretensiosa em "A metamorfose" e outra, mais analítica, em "O processo" e eu acabara de descobrir o motivo. Dou-lhes razão. Hoje minha febre é pela filosofia de tintas literárias dos franceses Voltaire ("O Filosofo Ignorante"), Sartre ("A Nausea") e do franco-argelino Albert Camus ("O Estrangeiro"). A ironia zombeteira e rascante. E o vazio também.

Dos poetas, a despeito das injúrias do Diogo Mainardi, o maior de todos foi Drummond. E João Cabral. E Augusto dos Anjos. Ainda que o bom poema seja aquele do bêbado de paixão, do homem -desequilíbrio em queda livre. Os melhores poemas jamais foram publicados. Alguns sequer foram escritos.

Tenho uma mórbida queda por livros jornalísticos, de preferência escritos pelos próprios. O melhor foi o "Notícias do Planalto", do Mario Sérgio Conti, que além de achincalhar a classe (Mino Carta chegou a propor passeatas contra o calhamaço), trouxe ao palco uma tragicômica encruzilhada: ou ele falara a verdade - o que é péssimo - ou mentira com a desfaçatez imprópria para um ex-Diretor da maior revista semanal do país, a Veja. O rei míd(i)as ficou nu. Despido por um de seus melhores filhos.

Destaco também outros: "Vigiar e Punir" (Michel Foucault), "Os Vermes" (José Roberto Torero) - a melhor sátira política da literatura brasileira - "Revolução dos Bichos" e "1984" (George Orwel), "Ensaio sobre a Cegueira" (Saramago), "Lolita" (Nabokov) - que para mim é o verdadeiro marco da modernidade ( ao menos temática) literária - e todas as compilações possíveis das crônicas do Luis Fernando Veríssimo (de quem sou admirador dos fraseados e do humor refinado: como é complicado fazer humor popular com elegância!).

"O Príncipe", de Maquiavel, "Raça e História" do Levi-Strauss e "Mozart", do Norbert Elias ratificam o que escolhi como profissão.

E este é o epicentro do meu modesto mundinho das idéias em formação. Meus vinte e poucos anos debruçados em livros. E antes que alguém me pergunte/deboche: anos muitíssimos bem aproveitados, sim senhor! Com a melhor das companhias. E o leitor do Digestivo sabe bem o que isso significa.

Daniel Aurelio
São Paulo, 17/10/2003

 

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