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Terça-feira, 14/10/2003
Minha Formação
Fabio Silvestre Cardoso

Em certa medida, listas são arbitrárias. Dessa maneira, a minha seleção de dez autores não poderia ser diferente. Prefiro selecionar por autores, porque mais de um livro dos escritores que serão aqui mencionados fizeram e ainda fazem minha cabeça. Além disso, como leitor, tenho predileção pelos clássicos. Isso porque não conto com o faro necessário para descobrir, e apreciar, textos de autores novos. No mais, resta dizer que a lista é composta por três brasileiros, dois franceses, dois ingleses, um russo, um argelino e um colombiano. Vejamos.

O primeiro deles é Machado de Assis, o bruxo do Cosme Velho. Desnecessário dizer sua importância para a literatura brasileira. Desnecessário reafirmar, ainda, que sua contribuição ultrapassa o romance e que pode se inserir como peça-chave para entender os costumes do Brasil. Assim, a despeito de ser um escritor universal (a obra completa de Machado compreende poesia, teatro, crítica literária e teatral, além das crônicas e dos nove romances), creio que “Dom Casmurro” apresenta Machado na sua totalidade. A precisão dos diálogos, o texto conciso e a ironia fina presente em cada descrição de caráter demonstram porque ele é considerado o melhor escritor do Brasil.

O jornalista Gabriel Garcia Márquez é outro autor que foi fundamental na minha formação. Tanto em “Amor nos tempos do Cólera” como em “Cem Anos de Solidão”, o leitor é tragado para dentro do realismo mágico, do fantástico que pode acontecer a qualquer um de nós, mas que só pode ser contado pelos grandes escritores.

Albert Camus também caminha nesse campo da ficção que se confunde com a realidade. Em “O Estrangeiro”, ele evidencia o vazio por intermédio de Meursault, o protagonista. Seja a morte da mãe, seja o assassinato de um desconhecido, a sensação de indiferença é a mesma: não há condição que o ser humano não se adapte, essa é uma das muitas mensagens.

O próximo desta lista é ninguém mais ninguém menos que Honoré de Balzac, autor da Comédia Humana. Não, caro leitor, não li a obra completa do Napoleão das letras. Mas, dos que li, recomendo todos: “Ilusões Perdidas”, “Mulher de Trinta Anos” e “Eugênie Grandet”. E, com certo receio que minhas palavras ecoem o óbvio ululante, cabe ressaltar que Balzac consegue aliar à descrição das cenas uma análise dos sentimentos e do pensar das personagens.

Qual sua idéia de felicidade perfeita? Qual sua característica mais deplorável? Esses são apenas duas das 19 perguntas que compõem o célebre "questionário" de Marcel Proust, autor de “Em Busca do Tempo Perdido”. Acredito que se trata de uma obra para apreciação na vida adulta, uma vez que os conceitos que o escritor apresenta são mais profundos que o cenário aparentemente fugaz da vida parisiense do século XIX. E o fio condutor de toda obra é a idéia de uma memória que não se baseia em datas ou documentos objetivos; mas, sim, na memória involuntária, que pode surgir a qualquer momento, mesmo num simples chá com madeleines.

De volta ao Brasil, século XX. O cenário, agora, é o Rio de Janeiro, na agitada década de 60. E o escritor que, como ninguém, consegue captar as sensações das ruas, num jornalismo vibrante, é Nélson Rodrigues, nos livros “Cabra vadia” e “O Reacionário”. Numa época em que o jornalismo taquigráfico começava a aparecer por estes lados, ele soube antecipar o que mais tarde nos pareceria evidente: só os idiotas primam pela objetividade. Enfim, como ele mesmo dizia, “só os profetas enxergam o óbvio”.

Entre os autores brasileiros, Aluísio de Azevedo foi o primeiro que me fez descobrir um grande romance. É o caso de “O Cortiço”, sua obra-prima. Aluísio de Azevedo denuncia o comportamento humano como extensão do contexto social em que o homem vive. Embora seja um pouco afetado pelo estilo naturalista – claramente influenciado por Zola –, “O Cortiço” em nada perde para os filmes que buscam o enfoque “social”. Pelo contrário. É até mais realista do que a onda ficção-realidade que assola os cinemas e as TVs no Brasil.

E por falar em arte que se confunde com realidade, nada mais oportuno do que falar de George Orwell. Em 2003, por conta do centenário do seu nascimento, muito se comentou a respeito da importância de sua obra, principalmente agora em que os termos-conceito “polícia do pensamento” e “grande irmão” têm sido revistos de maneira nem sempre honesta. Só por isso, valeria a pena ler o apocalíptico “1984”. Agora, se o que se deseja é conhecer a relação causa-efeito das revoluções, é fundamental então a leitura de “A Revolução dos Bichos”. Este, aliás, deveria ser o livro de cabeceira de todos os comunistas.

Certa feita, o jornalista e crítico literário H.L.Mencken escreveu que Fiodor Dostoievski figura como o escritor mais chato de todos os tempos. Se tivesse vivido um pouco mais (Mencken morreu em 1958), ele certamente mudaria de opinião, tendo em vista os ínfimos romances dos professores-escritores que passaram a ganhar notoriedade na segunda metade do século XX. Nos romances de Dostoievski, nota-se, além da ironia e do texto “corrosivo”, que a descrição psicológica é levada aos últimos detalhes, tendo grande importância na estrutura das histórias. Exemplo disso está em “Notas do Subterrâneo” e “Crime e Castigo”.

Em qualquer lista, a menção do dramaturgo William Shakespeare deveria ser isentada de explicações ou comentários. Isso porque a obra do bardo inglês já foi comentada por gente muito mais gabaritada que o signatário desta lista. Críticos como Harold Bloom (basta ler “Gênio” e “Shakespeare: a invenção do humano”) e o próprio Machado de Assis (conforme estudo da ensaísta norte-americana Hellen Caldwell, Machado cita a tragédia “Otelo” 28 vezes ao longo de sua obra). No meu caso, entretanto, caberia, sim, uma elucidação: explicar por qual a razão de eu tê-lo deixado por último. Bem, como jornalista, aprendi que, em determinados textos, o final tem de ser tão interessante quanto o começo.

Fabio Silvestre Cardoso
São Paulo, 14/10/2003

 

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