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Quarta-feira, 26/11/2003
MPB: entre o passado e o futuro
Aline Pereira

Provavelmente muitos discordarão, mas a música popular brasileira está em crise. Esta conclusão é fruto de peregrinação pelo dial das melhores emissoras cariocas. Aquelas que se destacam pelo refinado repertório, cujas canções são 90% nacionais, ainda assim são alijadas pelo poderoso mercado fonográfico brasileiro. Por livre espontânea pressão, o programador é capaz de tocar a mesma música, no mínimo, três vezes em uma hora. Foi assim com os Tribalistas. E não será diferente com Maria Rita. Mesmo avessa à exposição midiática, está vaticinada: se quiser sobreviver de seu trabalho como cantora, se adaptará à regra deste "sistema".

Do mesmo modo que os lançamentos da música popular brasileira são freneticamente consumidos nacional e internacionalmente, as regravações - algumas fabulosas, outras dispensáveis - também são cada vez mais constantes. As coletâneas de artistas que há tempo não produzem novas canções, ou até mesmo daqueles recém-descobridores do sucesso, já invadem as prateleiras dos estabelecimentos comerciais de práxis. O que há com a MPB, afinal?

Walter Benjamim diria que é a perda da aura, que é a quebra do encantamento. Talvez essa não tenha sido essa a intenção dos autores, mas Do Samba-Canção à Tropicália, organizado por Paulo Sergio Duarte e Santuza Cambraia Naves, nos remete ao pensamento do filósofo frankfurtiano.

Logo na apresentação de Maria Isabel Mendes de Almeida - socióloga e Coordenadora e Pesquisadora do Centro de Estudos Sociais Aplicados (CESAP) da Cândido Mendes - há uma advertência: "não se trata, é claro de uma inclinação nostálgica (...) as canções dos anos 60 não serão aqui tratadas como objetos a serem cultuados (...), mas sim como janelas abertas para a compreensão das grandes modificações culturais da década de 60 e de seus laços de continuidade com a sociedade contemporânea." No entanto, após a leitura de Do Samba-Canção à Tropicália a impressão que se tem é a de que o consumo teria mesmo preponderado sob o "valor de culto" da música brasileira, e que a MBP estaria atrelada ao laureado momento de consolidação da "Bossa Nova" e da "Tropicália".

Lançado em 2003, pela Relume Dumará, com apoio da Fundação Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), a obra é uma coletânea de 26 textos, subdivididos em três partes: "Samba-canção, Bossa Nova e projeto de modernização", "A Bossa Nova e a configuração da MPB" e "A Tropicália e as estéticas convergentes". Os artigos foram escritos por pesquisadores da MPB, jornalistas, compositores, ensaístas e demais participantes do seminário homônimo ao livro, realizado em maio de 2001, na Universidade Cândido Mendes (RJ). Entre essas múltiplas vozes estão nomes de peso: Antonio Cícero, Arnaldo Jabor, Carlos Lyra, Francisco Carlos Teixeira, Heloísa Starling, Ítalo Moriconi, Ruy Castro, Marcelo Ridenti, João Masao Kamita, Marisa Gata Mansa, Roberto Menescal, entre outros. Essa pluralidade de vozes - nem sempre consonantes - pode ser atribuída a essa diversidade de pensadores, que reúnem nesta obra os resultados colhidos nesse ciclo de debates.

A leitura de Do Samba-Canção à Tropicália é agradabilíssima, não somente devido a essa gama de autores, mas sim por uma opção muito feliz de Santuza Naves e Paulo Sérgio Duarte, que mantiveram o estilo de linguagem de cada palestrantes. Então, em só livro, é possível encontrar depoimentos, artigos acadêmicos, papers e ensaios daqueles que muito têm a contribuir para a memória da musica popular brasileira.

Destaque para o artigo de Ruy Castro - "Samba-canção, uísque e Copacabana" -, que entre outras funções, homenageia Mário Telles (irmão da cantora Sylvinha Telles), que contribuiu com informações preciosas para que Castro escrevesse Chega de Saudade, lhe apresentando como "começou a Bossa Nova". João Gilberto e Tom Jobim mais uma vez são imortalizados como ícones desse movimento, no texto de Tárik de Souza, enquanto que Nara Leão - eterna musa da Bossa Nova - é reverenciada por Sérgio Cabral.

Do mesmo modo que esses ícones da MPB são retratados com maestria, alguns artigos - como os de Lucia Lippi Oliveira, Carlos Lyra, Arnaldo Jabor, Marcelo Ridenti, Santuza Naves e Francisco Teixeira - recuperam a Bossa Nova e a Tropicália como expressões político-sociais das décadas de 1950/1960. Como expressões da música popular brasileira, esses dois momentos estão atrelados as transformações recentes da nossa sociedade, de forma crítica. Interdisciplinar, o livro dialoga, por exemplo, com a filosofia, literatura, história e sociologia. Ao olhar para o passado e o presente, a obra nos interroga sobre "como se atualiza, hoje, a crítica musical e cultural brasileira, a partir de gêneros que surgiram a partir dos anos 90, quando testemunhamos a força avassaladora assumida por movimentos musicais como o funk, a axé music, o hip-hop, etc?"

Sendo assim, Do Samba-Canção à Tropicália contribui para se recuperar a história da boa música popular brasileira. E que com ela, venham novos Caetanos, novos Gilbertos Gil, novos Chicos, novas Gals, novas Bethânias, novos João Gilbertos, novos Tom Jobims, novas Naras, novas Elis... e que Anas Carolinas, Calcanhotos, Duncans, Cássias Eller e Maria Ritas possam emergir nacionalmente em meio a uma época pouca criativa no cenário artístico brasileiro.

Para ir além




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Aline Pereira
Rio de Janeiro, 26/11/2003

 

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