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Quinta-feira, 12/7/2001
Do Paraná à Paraíba
Adriana Baggio

Por motivos pessoais, eu, que morei em Curitiba a vida toda, tive que considerar a possibilidade de mudar para João Pessoa, na Paraíba. Depois de meses de relutância e muita pesquisa na internet, aceitei o desafio. Mas com uma condição: a viagem deveria ser feita de carro. Por que? Porque odeio avião, e porque como a viagem era um rito de passagem, gostaria que essa passagem tivesse algo de concreto.

Encerrei todos os meus compromissos em Curitiba. Deixei o emprego, me despedi dos amigos, cortei o cordão umbilical com a família, mudei o endereço da fatura do cartão de crédito. Enviei a mudança por caminhão e deixei apenas algumas coisas mais preciosas e necessárias para levar no carro, entre elas uma gloxínia (é uma planta com flores cor de vinho, que parecem de veludo). Quis trazer a planta porque foi a primeira que sobreviveu nas minhas mãos, e parecia feliz. Acho também que ela representava o elo entre a vida que eu tinha e a que eu iria ter.

Assim, eu e meu namorado enchemos um Palio com bagagem e a gloxínia. Saímos de Curitiba às 8 da manhã do dia 26 de dezembro. Nosso plano era viajar somente de dia, passando 5 dias inteiros na estrada. Tínhamos reserva em pousadas de Barra Mansa (RJ), Guarapari (ES), Ilhéus (BA) e Aracaju (SE). O trajeto diário variava de 600 km a 800 km, para completar o total de mais de 3.000 km até João Pessoa.

Pegamos a BR 116 rumo a São Paulo. Nosso primeiro desafio era passar por ela para pegar a Dutra. Conseguimos fazer isso em 1 hora. Não erramos o caminho e nem fomos assaltados. Para os provincianos de Curitiba, São Paulo é um bicho papão!

Fiquei impressionada com a Dutra. Ótima pista, ótima sinalização. Talvez por isso a velocidade espantosa dos carros e caminhões. Foi o trecho mais estressante da viagem, devido à agressividade do tráfego. Todos têm pressa no trecho rodoviário de maior PIB do país. Foi um alívio chegar a Barra Mansa, uns cento e poucos quilômetros antes do Rio. Ficamos hospedados em um hotel instalado na casa onde o Marechal Floriano morreu. Gosto destas referências históricas, e de estar em contato com coisas muito velhas. A recepcionista disse que os azulejos do banheiro do nosso quarto eram originais, mas não sei não.

No dia seguinte seguimos para Guarapari, a próxima parada. Até o Rio a viagem é bacana. O Rio é muito lindo, passar sobre a Rio-Niterói é emocionante. Da ponte, vimos um navio de cruzeiro, que encontraríamos outras vezes na viagem. Depois da entrada para Búzios, a estrada fica tremendamente chata. A paisagem é tediosa, alguns morros baixos e carecas e plantações de laranja. No norte do estado, perto do Espírito Santo, a vegetação começa a mudar. Os morros são maiores, as árvores mais densas. Paramos em um posto em Campos dos Goitacazes, junto com vários ônibus que estavam indo para o Sul ou para o Nordeste. Deve ser uma viagem do cão. Dois, três dias, sentados o tempo inteiro dentro do ônibus, tomando banho em postos como aquele, que até não era ruim.

Finalizamos o segundo dia de viagem na Praia de Meaípe, em Guarapari. Fiquei frustrada. O mar estava escuro, revolto. A cidade é apertada, mal cuidada. Tinha uma imagem mais romântica de Guarapari. Por outro lado, nossa pousada era ótima. Ficava junto à Lagoa da Mata, e tinha uma vista maravilhosa. À noite comi uma das melhores sobremesas da minha vida: uma torta de coco indescritível, que fechou com chave de ouro o jantar de moqueca capixaba.

No terceiro dia fomos até Ilhéus. De Guarapari a Vitória a estrada é ótima, uma rota de turismo. Ficamos encantados com Vitória. Era minha vez na direção, e talvez por estar entretida com a cidade, não percebi quando entramos na ponte que passa sobre o mar e leva ao outro lado. Não consegui curtir a beleza da vista pelo medo da ponte, com um vão altíssimo e abrupto! Não bastasse isso, a ponte é em curva e venta prá caramba! Foi um alívio quando acabou! Desespero a parte, adorei Vitória, e tempos depois, quando fiquei sabendo que é uma das capitais de maior índice de violência do país, não pude acreditar.

Atravessar a divisa do Espírito Santo com a Bahia foi significativo. A Bahia é mítica, é o começo do Nordeste. Estar na Bahia já era estar longe, muito longe de casa. Saímos da BR 101 e pegamos uma estrada litorânea para Ilhéus. Chegamos à noite na pousada, que por sinal era um charme. Instalada em uma casa da década de 60, 70, ainda mantinha o clima da época. O banheiro do quarto tinha azulejos muito coloridos, psicodélicos. A sala era ampla, tinha até um barzinho e dava para uma piscina. Muitas festas devem ter sido realizadas ali. E para completar, no cesto de revistas, números antigos de Cruzeiro. Foi uma viagem no tempo!

No dia seguinte, ainda tínhamos mais Bahia para percorrer. Um só estado, 900 km. Aliás, a Bahia foi o lugar com o pior trecho da BR 101, a ponto de termos que parar o carro no meio da estrada para decidir qual o buraco menos fundo para passar. É uma rodovia perigosa, cheia de curvas que acabam em pontes, sobe morro, desce morro. Para desviar da 101, entramos em Salvador de balsa, que pegamos em Itaparica. Esse passeio é ótimo, mas foi difícil achar a saída da cidade. Para compensar, a estrada para Aracaju, Linha Verde, estava em boas condições. À margem da estrada ficam os resorts. Ali é o lugar para quem gosta deste tipo de hotel. O que tem de resort falta em posto de gasolina. Ou seja, o xixi teve que esperar...

Com minha mania de pegar atalhos, entramos em Aracaju por São Cristóvão, uma cidade próxima, velhíssima, antiga capital de Sergipe. Na estradinha escura que leva à cidade grande fomos parados pela polícia. Ainda bem que não pediram "cafezinho". Em Aracaju ficamos na Praia de Atalaia. Muitos bares na orla, um atrás do outro. A gente já estava tão cansado da viagem que nem aproveitou. Na verdade, queríamos alguma coisa tipo Mc Donald's, para comer e ir dormir.

Começamos o que deveria ter sido o último dia de viagem. De Aracaju a João Pessoa são 600 km. Poderíamos viajar com relativa calma e chegar com luz do dia em nosso destino. Mas, descobri outro atalho! Na divisa de Sergipe com Alagoas é possível sair da BR 101 e pegar uma estrada litorânea. Para isso precisaríamos atravessar o Rio são Francisco de balsa. Fiquei entusiasmadíssima com a possibilidade! Tinha estudado sobre o São Chico na escola, e me parecia uma coisa tão distante! Agora eu estava ali, pertinho dele. A parte ruim foi que levamos quase 2 horas para conseguir embarcar na balsa. Estava calor, estávamos cansados, e nossa situação só não era pior do que a das galinhas presas no caminhão que também queria atravessar. Resultado: atrasamos nosso roteiro, e precisamos dormir em Maceió para não pegar estrada à noite. Comemos um crepe, e um estrangeiro que estava na creperia me chamou atenção. Mais tarde, já em João Pessoa, encontrei-o novamente. Fico intrigada com as coincidências. Em Maceió também vimos o mesmo navio cruzeiro que tínhamos visto no Rio e em Salvador.

Chegamos em João Pessoa 1 da tarde do dia 31 de dezembro. Ainda tínhamos que comprar alguma coisa para o Réveillon. O que eu mais desejei na virada para o ano 2001 foi uma cama. Vimos os fogos de artifício da praia de Cabo Branco, e meia-noite-e-um me senti desobrigada de continuar comemorando. Voltei para casa dormindo, e acordei às 5 da manhã. No hotel ao lado do nosso prédio acontecia um baile de Ano Novo. Amanhecia, e a orquestra tocava o Bolero de Ravel (um dos programas turísticos mais famosos de João Pessoa é assistir o por do sol na Praia do Jacaré, às margens do Rio Paraíba, ouvindo o Bolero de Ravel). Levantei e fiquei ouvindo a música e vendo as pessoas dançando e o sol nascendo. Foi minha maneira de comemorar o ano 2001. Depois, voltei para cama e continuei meu primeiro sono em solo paraibano.

P.S.: A gloxínia ficou traumatizada com a viagem. Apesar de deixarmos ela ao ar livre toda noite durante os pousos, o calor e o vento dentro do carro maltrataram muito a planta. Ela passou um mês meio amarelada, com as folhas queimadas. Depois, se recuperou e floresceu como nunca tinha florescido em Curitiba. Já estava na época de ela perder as folhas e flores para "hibernar", mas até agora não aconteceu. Não sei se ela gosta do calor, ou o relógio biológico dela está "enganado", mas toda vez que acho que ela vai secar, nasce uma nova flor com sua cor de vinho e textura de veludo.

Estatísticas

Quilômetros percorridos: 3.648
Geografia: 9 estados, 3 regiões
Gasolina: 293 litros

Refeição principal: misto quente
Pneu furado: nenhum
Propina para polícia: nenhuma

Acidente: nenhum, graças a Deus (um caminhão quase caiu de uma ponte na nossa frente, e uma S10 quase nos jogou para fora da rua em Aracaju)

Se você for fazer uma viagem como essa

- leve uma bolsa térmica com água e alguma comida;

- misto quente quase sempre é garantido;

- o Guia 4 Rodas é ótimo. Todas as pousadas que reservamos eram decentes. O mapa é fiel e dá boas dicas das estradas;

- deixe o filtro solar à mão, e não esqueça de passá-lo no dorso do pé. Eu tenho a marca da tira da sandália até hoje;

- coloque o grosso da bagagem no porta-malas e deixe no banco de trás do carro as malas para passar a noite. Assim, não chama muita atenção.

- se você tiver um Palio, lembre-se que o estepe fica no porta malas, por isso planeje bem a organização da sua bagagem.

Para ajudar nas viagens pelo Brasil

www.guia4rodas.com.br

www.dner.gov.br


Adriana Baggio
Curitiba, 12/7/2001

 

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