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Quinta-feira, 25/12/2003
Precisamos ouvir tudo
Mario Marques

Todos os dias, recebemos discos, muitos discos, nas redações afora. São discos de multinacionais, discos independentes, discos de amigos, singles, demos, até, pasmem, fitas-cassete. Hoje, distanciado dessa realidade e vivendo até bem pouco tempo do lado de cá, ou seja, do lado dos que esperam uma opinião sobre seu trabalho fonográfico, entendo mais a ansiedade de quem quer que você diga algo sobre seu produto.

Para que eu conseguisse que meus amigos jornalistas escutassem o disco do Acid X foi um suplício. É claro que, na Folha, no Globo, no JB ou Estadão o CD estava no meio da estréia da Maria Rita, do novo do Ed Motta, do Lulu, do Frejat, do Los Hermanos e de uma penca de outros lançamentos. Às vezes minha bolsa chegava vazia na redação e voltava para casa com a bolsa repleta e mais um complemento de umas cinco bolsas de gravadora.

Aí você me pergunta: qual o critério de escolha? As gravadoras multinacionais têm prioridade? Claro que não. Mas como fechar os olhos para o novo do Radiohead ou do Coldplay? Não dá. Infelizmente o filtro tem que acontecer e é aí que muitos bons discos se perdem. Tantas vezes me enfurnei num quarto com dezenas deles e, fadigado, desisti na vigésima audição.

O Linkin Park é um caso. Não ouvi, nunca escrevi sobre quando o disco saiu e só descobri o que era tempos depois. Nenhum jornalista, eu disse nenhum, ouve todos os discos que chegam. Ainda mais aqueles cujo segmento não se enquadra em seu veículo. No caso do Globo e do JB, quem vai criticar o disco do Rouge ou de qualquer banda de pagode?

A minha casa virou um depósito de discos. Num certo momento estava contando seis mil CDs, que entulharam a casa de meus pais durante um bom tempo. Hoje fico em casa na internet baixando músicas e pouco compro discos. Acho que virou um trauma particular.

Mas pelo menos mudei o foco de minha observação. Hoje qualquer disco que recebo, e até fita cassete (pois não foi assim que resolvi fazer uma reportagem com o então desconhecido, saudoso e querido Farofa Carioca?), paro, penso e ouço com carinho. Porque do outro lado sei que a pessoa está esperando qualquer coisa, qualquer palavra. É óbvio que nem eu nem ninguém vamos empurrar ninguém para o estrelato. Mas tudo que a pessoa do outro lado precisa é de uma simples avaliação, opinião, referência. Porque as opiniões que eles ouvem são dos amigos e amigos são sempre amigos. É claro que eles esperam sempre o melhor, a opinião mais classuda e mais grandiloqüente ao seu trabalho. E isso às vezes não acontece.

Foi assim que, no show do Acid X, duas pessoas me deram seus discos, uma demo e um CD cheio. Um deles é João Suplicy, irmão do Supla, que está lançando seu segundo disco e se aproximou da minha mesa, gentil, com sua bolacha. O Outro é Gustavo Coelho, baterista da banda Quem?! (gente, ainda é tempo de pensar em outro nome porque já existe o Cidadão Quem, no Sul), que saltou de Olaria para o Humaitá para assistir ao show do Acid X. São casos díspares, um de uma banda que está começando e outro que leva um sobrenome nas costas de reconhecimento nacional, embora ainda não artisticamente.

Resolvi então começar tudo de novo. Para mim, claro. Prometi-me que vou ouvir de tudo, mesmo que seja um novo disco da Pelvs. Não mais filtrarei nada. É claro que só escreverei sobre o que gosto ou pelo menos sobre o que acho que tem chance de acontecer. Mandamentos meus.

* * *

Chego ao assunto jabá, na qual discuti num papo recente com meu amigo Antonio Carlos Miguel. Há uma lei tramitando no Congresso contra o jabá, que, de tão demorada a ser posta em pauta, já caducou. É que as rádios se anteciparam e chegaram agora com a tal da "mídia". O jabá agora é oficial - e infelizmente legal. Explico: você chega lá na rádio que tem a cara de sua música, põe a música para o o o o o o (não posso dizer que é programador, que é diretor, sei lá o que pode se chamar o porta-voz da rádio)... e aí ele ouve, diz o que achou, pode escolher uma outra faixa e manda o preço, que, aí chegamos à "mídia", será transformado em chamadas comerciais para seus próximos shows ou até para seu disco, com nota fiscal e tudo. Enfim, o cara vende dificuldade e compra facilidade. O valor fica em X, a música toca duas vezes por dia durante um mês. E depois... reze ou se esquematize para que todo mundo que você conhece ligue para a rádio pedindo a música. Senão... ela sai no trigésimo dia e dá lugar a outra.

Eu passei por essa situação. Não dá para ficar mais de dez minutos com esse tipo de gente numa sala. O que se espera desse governo é que se façam auditorias em todas as rádios, que as concessões sejam revistas urgentemente. Porque isso é uma máfia bancada por deputados e senadores. Quando chega a campanha eleitoral, os donos das rádios não param de oferecer contribuições em troca da renovação de suas concessões. É preciso tirar das mãos dos sujos e dar as rádios para pessoas idôneas ligadas à cultura, às artes, à música. Isso, sim, seria uma revolução no Brasil. Mas tem que ter muita força para peitar...

* * *

Filosofo, porque assim existo: a vida não é a que escolhemos. Então precisamos dar os passos certos agora porque o futuro cobra da gente todos os atos errados. É preciso pensar muito, porque agora tudo pode estar lindo, ou você acredita que esteja, mas no fundo, lá no fundo, você sabe que fez tanta burrada, tanta burrada, que é melhor esquecer que fez e tentar seguir em frente. Porque, acredite, lá na frente o arrependimento pesa forte. E aí já é tarde.

Digo isso porque essa geração nova, de 23, 24, até 26, está muito perdida. Bebe à beça, fuma à beça, não sabe para onde ir, o que fazer, que profissão escolher, se traveste de punk, de revoltado, de independente, de maduro. Mas é só pose. Por dentro corre um nada, o cérebro padece.

Senta, respira, pensa, decide e vai.

Porque a vida é uma só.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no site London Burning.

Mario Marques
Rio de Janeiro, 25/12/2003

 

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