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Segunda-feira, 19/1/2004
Paulista por opção (e por paixão)
Bruno Girão Borgneth

Nasci no Rio de Janeiro e moro em São Paulo há 15 anos. Então vocês poderiam perguntar o que faz um carioca escrevendo sobre a cidade de São Paulo? Paixão? Provocação? Falta do que fazer? Decepção com minha cidade natal? Tudo isso e nada disso.

Acredito que tenho muito mais autoridade para falar de Sampa do que muitos paulistas de nascença, pois sou paulista por opção. Bom... a opção, na verdade não foi me dada, pois vim para a capital paulista no final da década de 80, acompanhando meus pais, já que meu cordão econômico-umbilical ainda não havia sido cortado. No entanto, com o passar dos anos, São Paulo foi me conquistando, me cercando, me inebriando e, quando dei por mim, já estava completamente situado. Acabei por adotar essa Paulicéia Desvairada como minha cidade natal, assim como o Rio de Janeiro.

Na verdade, me considero um apátrida. Tenho duplo sotaque, o que proporciona chacotas nos dois extremos da Via Dutra. No início achava isso terrível (ainda mais para um adolescente que se importava demais com os comentários alheios), porém o tempo só veio me mostrar as vantagens de ser diferente, assim como São Paulo.

Não existe cidade no mundo onde seja possível você fazer o que bem entende, 24 horas por dia, 7 dias por semana. São Paulo é assim. E nem me fale de Nova Iorque, que seria a "cidade que nunca pára". Somente em São Paulo é possível jogar boliche de madrugada, tomar qualquer tipo de drink a qualquer hora do dia, dançar até o amanhecer e ainda dar uma esticada em uma cantina por volta das 10 da matina, para matar uma massa antes de dormir. É a cidade-conveniência, 24 horas on-line!

Quem chega a São Paulo pela primeira vez deve levar um susto. Visualmente, considero a cidade um misto de Blade Runner, Quinto Elemento e Gotham City. Sinistra e encantadora ao mesmo tempo. A arquitetura de concreto, a total ausência de planejamento urbano, o crescimento desordenado, a quantidade de veículos (e de motoboys! Não existe um exército tão grande como em São Paulo...), a infinidade de estacionamentos, os malabaristas-mirins em qualquer sinal, os prédios, os outdoors, as antenas, o céu cinza, a garoa fina que faz brilhar o asfalto, como numa propaganda de carro. Pode parecer estranho, mas me sinto confortável no meio de todo esse caos.

As oportunidades, a excelência dos serviços, a gastronomia variada, as incontáveis baladas deixam as pessoas mal acostumadas. É possível fazer de tudo em Sampa, tendo dinheiro ou não, diante da infinidade de eventos gratuitos que pululam na metrópole. Para mim, especialmente, é bastante difícil sair de São Paulo, pois a diferença em relação a outras cidades é gritante. Até mesmo o Rio de Janeiro, que um dia já foi capital do Brasil, não se compara a São Paulo.

Onde no mundo existe uma Galeria do Rock (Rua 24 de maio); um Parque do Ibirapuera; uma Avenida Paulista; um calendário intenso de shows e eventos; um MASP; uma Praça da Sé com sua vasta fauna; as Marginas, mesmo com todos os seus problemas; um Minhocão, mesmo com toda a sua feiúra; um Pátio do Colégio; um Edifício Banespa; um Memorial da América Latina; um bairro como a Liberdade; um visual como a descida da 23 de maio com o Obelisco bem à frente; um comércio como os da 25 de março, Oscar Freire e José Paulino.

Mas cidade cobra o seu preço: trânsito em plena madrugada, filas e mais filas para qualquer coisa, sedentarismo, stress, bronzeado de escritório, gastrite e fígado baleado (haja happy hour!), economia de sola de sapato, 3 horas de viagem, no mínimo, para poder pisar na areia da praia (para um bom carioca isso é essencial... Se bem que não me considero um "bom carioca").

E os paulistas. O que falar deles? Bom, meus melhores amigos são paulistas. E a amizade de um paulista é muito mais fiel do que uma amizade carioca, capixaba, gaúcha ou potiguar, pelo menos na minha opinião. Impera a lenda de que o paulista é uma pessoa fechada. Vivem em pequenos grupos, fechados e reservados. Porém, uma vez transposta essa barreira, você é apresentado às pessoas mais simpáticas, calorosas, festeiras e amigas que se possa conhecer. Com um paulista não rola aquele famoso "Pinta lá!", que o carioca repete sempre que encontra algum conhecido na praia. Pinta lá onde? O Paulista faz questão de marcar hora e local, e é por isso que as amizades que travei em São Paulo perduram até hoje. Tudo bem que algumas se perderam no caminho. Mas também tem que dar um desconto, pois sou meio-carioca.

São Paulo é como um vício. Você não consegue viver sem ela, mas chega um momento que a relação com a cidade se torna insuportável e fugir acaba sendo a única solução. No entanto, passada a ressaca, a saudade bate e a vontade de ver todos aqueles e prédios, carros e antenas volta a crescer. Pode parecer papo de maluco, mas não me imagino morando em outro lugar. Ouço sempre as pessoas falando que querem fugir daqui, viver na beira da praia, no sossego da sombra de um coqueiro. Acho tudo isso ótimo, mas somente para passar as férias. Não tem jeito mesmo, fiquei mal acostumado e sou viciado em São Paulo. Parabéns, meu amor!

Nota do Editor
Bruno Girão Borgneth já colaborou com o Digestivo Cultural sob a assinatura Tyler Durden.

Bruno Girão Borgneth
São Paulo, 19/1/2004

 

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