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Quinta-feira, 29/1/2004
Todos Os Dias Da Semana, de Angela D. de Menezes
Ricardo de Mattos

A escritora e jornalista fluminense Angela Dutra de Menezes (1.947) é autora dos romances Mil Anos Menos Cinqüenta, Santa Sofia, O Avesso do Retrato, O Livro do Apocalipse Segundo Uma Testemunha. Também escreveu um livro de ensaios intitulado O Português Que Nos Pariu. Sua obra foi reconhecida pela crítica d'aqui e de Espanha, onde o romance Mil Anos Menos Cinqüenta foi locado entre os melhores lançamentos de 1.997. Em dezembro de 2.003 lançou Todos Os Dias Da Semana, seu primeiro volume de contos. Foi útil ler este volume sem ainda ter lido os anteriores, assim não preciso procurar justificativas para a escrita d'este livro.

O volume é formado por sete contos, cada um dedicado ao dia da semana que lhe serve de título. Orelhas e resenhas bem recomendam-no, mas enfrentá-lo diminui as expectativas de encontrar algo realmente bom para ler. Apresentados como contos humorísticos, trazem o humor grotesco encontrável em alguns livros de Voltaire, apelativo em conformidade a algumas passagens de Swift, mas todos sem um fundo que os ampare. Não sem algum favor foi feita a comparação. São meros exercícios, provocam mais indiferença que risadas ou melhora de disposição. O papel pode não suster a hilaridade momentânea de algumas situações do cotidiano. Também receio que a autora tenha querido mostrar-se muito à vontade. Por vezes lembra uma pessoa desejosa de afectar familiaridade e logo na primeira visita a nossa casa já descalça os sapatos e coloca os pés sobre o sofá.

Incluo-me entre as pessoas que sabem ouvir e com gosto cultivo esta virtude entre as minhas poucas. Busco portar-me como um padre confessor. Entretanto, se em vez de ler eu ouvisse alguém contando as estórias do volume, fatalmente exigiria: "Fala logo"! A escritora estende-se em demasia ao expor um caso de comicidade duvidosa. No conto de Sexta-feira, acrescenta dados demais acerca da insanidade da personagem. Começa com graça, mas perde-se. O conto de Quarta-feira, além de não ter graça, tem o enredo forçado. Lógica, verossimilhança, preocupações com o realismo, são elementos relaxados em textos cómicos, cedendo por vezes lugar ao absurdo. Apesar disso não devem ser totalmente desprezados justamente para mostrar o engenho do escritor ao equilibrá-los. Os patamares são elevados e deles não descerei: em Dom Quixote, muitas cenas são engraçadas, mas o hilário é sustentado pela lógica quando mostra ser o absurdo e a incompatibilidade frutos da mente exaltada do fidalgo. É impossível um homem adulto ser engolido inteiro n'uma só bocada por um crocodilo, por maior que seja, e dentro do réptil continuar vivo e falante. Dostoievski inicia uma breve sátira com este mote. Em síntese, ou mostra-se a realidade de uma forma hilariante - daí, na televisão, o mérito de certas comédias de situação -, ou recorre-se ao fantástico para comunicar de maneira divertida alguma ideia. Não é o caso dos textos de Todos Os Dias Da Semana.

Sábado e Segunda-feira foram os dias escolhidos para o "humor negro". Tenho para mim que esta variante surge bem ao acaso de algumas situações narradas inicialmente para chocar, o paroxismo da desgraça despertando a risada constrangida. Exemplo disso encontro em Crime e Castigo quando a viúva Marmeliedova, já ensandecida, manda seus filhos dançarem na calçada para obter alguns tostões. Se bem lembro, ao descrever o ridículo da cena Dostoievski coloca entre os circundantes tanto pessoas consternadas com a cena, quanto pessoas rindo. Todos Os Dias Da Semana não tem tal altitude. Com mínimo gasto de letras e obtenção máxima de comicidade, recomendo Crimes Exemplares, do hispano-mexicano max Aub. No conto de sábado, a escritora tentou criar um personagem de tripla personalidade. Revolta da criatura contra a criadora, aquela manteve-se firme com apenas duas.

Para ir além





Ricardo de Mattos
Taubaté, 29/1/2004

 

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