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Terça-feira, 17/7/2001
Notícias da terra das sombras
Rafael Lima

ACM inaugura nova fábrica de fitas do Bonfim na Bahia

Essa eu vi na televisão e custei a acreditar. Me imagino tentando explicar a, digamos, um escocês, por que o ex-senador que renunciou sob acusações de corrupção para fugir da cassação em plenário, mesmo que sem ocupar cargo político oficial nenhum, é convidado pelas autoridades locais a inaugurar uma fábrica de fitas de pano que o povo amarra no pulso, na crença de que quando elas arrebentarem, um pedido se realizará. Tudo que é (ou, pelo menos até hoje, foi) Brasil parece resumido nessa história: coronelismo, sincretismo, crenças populares, corrupção, etc. Uma vez que o súdito da rainha consiga entender como cada um desses elementos se combinou no que entendemos por nação, e estiver matutando com sua gaita de foles que este país não se tornou um dos capitalistas dominantes pela falta de pragmatismo, de visão empresarial criativa e sem escrúpulos, aí vai ser a hora de contar que as novas fitinhas estão sendo feitas com um tecido mais vagabundo - as pessoas ficam felizes porque seus pedidos serão realizados mais rápido e os empresários, porque venderão mais fitinhas...

Deitado eternamente

É em situações como essas que eu sempre me lembro daquele jogo de basquete, acho que pela Olimpíadas de Barcelona. Depois da seleção brasileira ter cedido o empate num lance idiota, teve que suar o que não tinha suado nos quatro tempos para ganhar na prorrogação. Comentário do pivô Pipoca, um dos responsáveis pela ida para o overtime, ao fim do jogo: "Pro Brasil, tudo é mais difícil."

Repito, incrementando o efeito dramático: "Pro Brasil, tudo é mais difícil."

O Apanhador no Campo dos Blogs

Já andei escrevendo aqui, na maior parte queixosamente ("os blogs se transformaram no mais novo palco dos exibicionistas de plantão. A capacidade de distribuir informação de um blog é tamanha, que causa revolta essa subutilização narcisista a que estão submetidos"), sobre blogs. Incomodava-me a fertilidade com que se reproduziam (o termo é preciso, tal a semelhança entre eles), e o vazio a que pareciam condenados. "Acabou a mensagem, agora é tudo meio", alertou-me um amigo. Pedi trégua e tempo para uma pesquisa de campo, e as conclusões ultrapassaram expectativas. A internet parece ter nascido para acolher o formato dos blogs: atualização diária - e a qualquer hora - com aquele comentário em cima do lance, típico de televisão e jornal; aparente caos encobrindo uma ordem muito sutil e muito maior; multimídia ("veja o tênis que comprei; ouça à música que tocava na loja") estruturada em hipertexto; e o inconfundível toque autoral. Muito pouca gente percebeu toda essa potencialidade, e é por isso que tem tanto diário minha-vida-de-cachorro por aí. Mas entre as exceções, gente como o Kazi, o Tom-B, o Hiro e o Sérgio Farias, há motivo para júbilo e regozijo. O Sérgio, por exemplo, foi o primeiro a descobrir o plágio no discurso de renúncia do ACM, antes de qualquer jornal ou revista, eletrônica ou não. Podem procurar, qualquer jornalista decente citou a fonte. Admiro Sérgio, aquele tipo de cidadão furioso, sempre pronto a tacar pedras no ônibus do Sarney da vez. Uma de suas grandes manhas é a maneira como brinca com os links, que exemplifico aqui: Maluf ... Algumas pérolas do seu recife virtual:

"Lição de informática: software é aquilo que você xinga, hardware é aquilo que você chuta."

"Não se pode mais confiar nem na própria mãe. A minha mudou a receita da torta de galinha; acrescentou milho e ervilhas, aumentou a quantidade de massa e reduziu a de carne, tudo sem me avisar. Assim fica difícil."

"Procuro secretária bonita e gostosa para organizar bookmarks. Noções básicas de felação são indispensáveis."

E agora, algumas do Kazi, meu antigo editor na extinta Panacea:

"Disclaimer de e-mail: Esta mensagem é de cunho pessoal e não deverá ser reproduzida em sua totalidade ou em parte em artigos, teses, camisetas e, principalmente, blogs. Don't quote me, motherfucker!"

"Preciso lembrar de comprar palavras."

"'Escrever é submeter a realidade a uma deformação coerente'. A 'deformação coerente' é de M. Merleau-Ponty, falando de significação. Semiótica é tão legal quanto física quântica, não?"

"É engraçado perceber que aquela coisa idiota de acreditar em tudo o que foi impresso está se tornando verdade na Internet. Saco. E tem nego brigando por causa dessas coisas. Seria engraçado se não fosse trágico. É por isso que eu faço questão de frisar: não acredite me nada que lê. Nada. Mesmo. Principalmente aqui. As 'boas leituras' são aquelas que mudam você, é verdade, mas não mude porque você leu uma 'verdade'. Verdades não existem, caramba. Um beijo existe. Um cheiro existe. Até um livro existe. Tudo o que está escrito é mentira. Desde que inventaram de escrever. Gramática não existe. Linguagem não existe. Vai, desliga essa merda de computador."

Antes que me peçam, vou logo avisando: não pretendo divulgar a url nem o nome de nenhum desses blogs. Se você não faz parte da comunidade de webdesigners e gente de internet, principal fonte desses diários, dificilmente vai ter algum interesse em saber o que se passa na vida dessas pessoas; há que se conhecê-las minimamente para aproveitar (meu caso). E se você é voyeur profissional ou muito curioso, vai procurar os nomes citados em algum mecanismo de busca de qualquer jeito. Além do que, isto aqui não é uma coluna de serviços; eventualmente, hyperlinks serão adicionados quando se entender que isso, para usar o jargão, agrega conteúdo à página.

Playmobil

Mas para não me acusarem de fazer "panelinha", vou revelar aqui uma das bossas da turma. É costume entre os bloggers, com o fim de familiarizar o leitor, apresentar alguns dados pessoais em um esboço de perfil, que via de regra não diz rigorosamente nada ("gosto de Legião Urbana, não gosto de Engenheiros do Havaí"), incluir fotos e fazer seu Stortrooper: uma espécie de boneco de vodu virtual personalizado à imagem e semelhança de seu autor. Vão lá fazer os seus. Esse aí fui eu que fiz.

Eat my shorts, man!

Foi uma amiga minha quem notou, dois minutos antes daquele psicólogo de nome grego escrever o livro: todo mundo acha o Homer Simpson um estúpido, um bruto, um imbecil. E, no entanto, todo os homens, nos seus momentos mais espontâneos, reconhecem que adoram, acham o máximo, e querem ser (ou, pelo menos, fazer coisas) que nem ele. Tá vendo, dona Marta Suplicy, para que serviu aquela pilha incendiária de sutiãs sintéticos? Pode ter ajudado a entronizar as mulheres no mercado de trabalho e amortecido a noção masculina delas serem algo mais do que cachorros e menos do que carros, mas teve por efeito colateral esse desnorteamento completo a que os homens estão submetidos. E não me venham reclamar agora.

Ali, boma ye!

O colunista jura que não tinha visto pré-estréia, trailer ou lido qualquer coisa sobre o filme novo de Spike Lee, A Hora do Show (Bamboozled), quando redigiu a nota Mulher, Negra e Favelada. Spike volta a acertar no alvo, depois de muito tempo, nessa crítica da maneira como os negros se vendem para conseguir espaço no showbiz norte-americano. Lee distribui sopapos com o vigor de sempre: quando o roteirista Pierre Delacroix pula, soca o ar e diz que ama Mira Sorvino, de quem acabara de receber um prêmio, é um jab de esquerda em Cuba Gooding Jr., que fez o mesmo quando recebeu o Oscar por Jerry Maguire, só que com Tom Cruise no lugar de Mira Sorvino; quando Delacroix diz que Matthew Modine, de cujas mãos acabara de receber outro prêmio, é quem merecia ficar com ele, renegando-o e entregando-o, é um gancho de direita em Ving Rhames, que fez o mesmo com Jack Lemon quando ganhou o Globo de Ouro.

Aspas para meu amigo João Marcelo, também conhecido como O Mestre

"A maior prova de que a maconha devia ser legalizada no Brasil, é que, assim que isso acontecesse, imediatamente um semi-analfabeto como Marcelo D2 ia deixar de ser considerado formador de opinião."


Rafael Lima
Rio de Janeiro, 17/7/2001

 

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