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Terça-feira, 17/7/2001
Breakfast at Tiffany's
George Cantelli

É de conhecimento público, a inauguração da renomada Joalheria Tiffany, nas dependências do já então conceituado Shopping Center Iguatemi, nesta nossa capital paulista. Tal acontecimento se alardeou nas manchetes dos jornais locais e da mídia como um todo. Depois de saborear os chocolates Godiva, São Paulo ostentaria as jóias da família quatrocentona, contribuindo com a "tara" dos nossos novos ricos (aumentando seus quilinhos, em ouro e pedras, e alimentando sua libido).

Ah, os nossos novos ricos. Nem tão novos, nem tão ricos, porém, atuantes e autuados, executivos e executados. Com seus cabelos químicos, suas roupas de strech, suas peles, juridicamente protegidas de extinção ou de silicone líquido. Mas o que vale é o sonho, que a todos pertence. O sonho de se poder adquirir um solitário da Tiffany (criadora do design), esse sonho persiste. Poder ter um diamante suspenso pelas seis garras mais cobiçadas do mundo é algo para se pensar. Pensamento cultivado por tantos anos, nos corações que batem forte, da plebe à realeza.

Enfim, a inauguração. A Tiffany acaba de virar a mais nova "coqueluche" de São Paulo. Todos querem entrar e dar, ao menos, uma olhadinha na magia ali materializada. Até os que não se interessam por jóias têm a curiosidade de conhecê-la. Digo "conhecê-la", como quem fala de um ente: a Tiffany, para muitos, virou matéria orgânica. (Como aquela mulher que nunca te dá a menor bola, mas que te recebe sempre com todo carinho e atenção. Você pode ficar ali, admirando-a. Só um pouquinho.)

Infelizmente, não há nada que o poder tupiniquim não seja capaz de corromper.

Passei por uma situação, no mínimo, desagradável. Estava lá com minha amada, companheira de anos de namoro, com aquela idéia de noivado rondando minha cabeça. Era perfeito: anéis de noivado da Tiffany! Não podia ser melhor. Afinal de contas, já havia até me "programado" para comprá-los na H. Stern: por que não pagaria um pouco mais e daria um luxuoso anel à minha bonequinha? Após visitar as dependências da joalheria, e admirar algumas de suas jóias, fiz uma pequena compra de um objeto em prata muito interessante: servia, ao mesmo tempo, como marcador de livros e como lupa. Satisfeito com o produto, mas já tendo notado a falta de treinamento dos poucos "vendedores" com quem tive contato, dirigi-me ao balcão que continha as alardeadas alianças. Lá chegando, começou meu dilema.

Atrás do balcão havia uma daquelas moças elegantes com cabelo de revista (loiro, é claro!) brincando com um bebê de uma amiga. Ambas as moças eram oriundas da mais alta sociedade paulistana: finas, educadas, bonitas. (Aquele tipo de beleza que indica precisamente em que nível social você chegou. Ou quanto gastou no cabeleireiro.) Bem, apesar do berço (aparente), ambas (a vendedora e a amiga), não se importaram nem um pouco com o fato de eu estar à espera de atendimento. Finalmente as interrompi, dizendo à "vendedora-socialite" que não queria incomodá-la, mas que precisaria de sua orientação, do seu serviço, afinal. Pedi a ela que nos levasse a uma das mesas de atendimento personalizado para que eu e minha namorada pudéssemos escolher o anel e verificar o tamanho exato para cada um de nós. A vendedora simplesmente me disse que nós deveríamos fazer nossa escolha ali (de pé!), como num balcão de um bar quando você escolhe uma coxinha e diz ao rapazinho do outro lado: "Aquela ali no fundo, mais queimadinha. Não, a da direita, a maior!". Educadamente, eu disse a ela que não me parecia aceitável que fosse dessa forma, afinal, teríamos que escolher, medir, etc. Ela insistiu, dizendo ser o "procedimento padrão" da joalheria. Disse a ela que na Tiffany de Nova York não era assim e ela retrucou com ar irônico: "Claro que é, eu conheço a loja de Nova York. Os clientes só são levados ao segundo andar no caso de grandes compras."

Estava feito. Tinha sido agora "excluído" por falta de dígitos. Meus dois ou três mil reais não me davam direito a sentar para escolher um anel de noivado. Quando disse à vendedora que daquela maneira seria impossível efetuar a compra na Tiffany e que teria de me dirigir à concorrente, ela me olhou e sorriu como quem diz: "Então vá. Até logo!". Virei e saí. Estava frustrado. Fui direto à H. Stern onde me receberam com direito a cafezinho, atenção e respeito. Só não tomei uma taça de champagne para comemorar as alianças, porque não sou muito afeito a bebidas alcóolicas, mas até isso me ofereceram.

Antes de ir embora, voltei à Tiffany e relatei o ocorrido à Gerente Geral, que me pareceu muito sentida com o fato e seus desdobramentos.

Mas o que eu queria dizer é que o Brasil é um país bizarro. Sem sombra de dúvida: um local onde em se plantando tudo dá. Dá em nada. Mesmo as melhores sementes. Mesmo uma Tiffany. Até algo genuinamente bom, consegue se corromper nesta terra. Bem, vou ficando por aqui, senão começo a falar de tudo que dá errado nesta terra do pau-a-pique, digo, pau-brasil.

George Cantelli
São Paulo, 17/7/2001

 

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