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Quinta-feira, 1/4/2004
História e Lenda dos Templários
Ricardo de Mattos

Partiu do rei Davi a iniciativa de edificar uma casa para Deus. Habitando um palácio em Jerusalém - antiga cidade de Jebus onde viviam primitivamente os jebuseus -, sentiu-se tocado pelo facto da Arca da Aliança estar recolhida sob uma tenda. Ciente d'este pensar, Deus faz-se intermediar pelo profeta Natan e declina do favor alegando nunca ter pedido ou condicionado seu auxílio à construção de moradas. Por conseguinte, ao invés de uma casa, ou templo, em honra de Deus, preferiu-se construir uma em honra do Seu Nome. Todavia, Davi bateu-se em demasia contra os sobitas e filisteus, contra os amonitas e os sírios, além de outros povos. Além d'isso, ofendera a Deus ao ordenar o recenseamento de Israel para descobrir de quantos soldados poderia dispor em novas guerras. Ora, se sempre coube a Deus guiar os exércitos do povo eleito às vitórias bélicas, ao recensear Israel e assegurar-se do número de soldados, o autor dos Salmos peca por menosprezar o auxílio divino. "Tu não edificarás uma casa ao meu nome, porque és um homem guerreiro e tens derramado sangue" (1Crôn. 28,3).

O encargo da edificação do Templo foi transferido para o filho de Davi, Salomão. Por isso também diz-se "Templo de Salomão". Restou ao velho rei apenas adquirir o terreno e reunir operários, dinheiro, materiais e a própria planta para a grande obra, pois ela deveria "ser tal que seja nomeada em todos os países" (1Crôn. 22,5). O sítio escolhido por Deus para o templo foi sobre o monte Moriá, onde Abraão quase realiza o sacrifício de Isaac e onde localiza-se hoje a Cúpula da Rocha - Kubat al-Sakhra -, relicário erigido entre 688 e 691 por Abdul Malik Ibn Marwan, décimo califa da dinastia omíada. Foi ele também quem emitiu a primeira moeda muçulmana e determinou o emprego do árabe nos assuntos administrativos.

Quando Davi morreu, o príncipe já havia sido ungido o novo monarca, e dirige-se ao altar de bronze localizado em Gaabão para lá oferecer a Deus um sacrifício de mil vítimas. Durante a noite, Deus visita Salomão em sonho. Tem lugar uma das cenas bíblicas de minha predileção: "Naquela mesma noite, apareceu-lhe Deus dizendo: Pede-me o que queres que eu te dê. Salomão disse a Deus: Tu usaste com Davi, meu pai, de grande misericórdia, e a mim me constituíste rei em seu lugar. Agora, pois, Senhor Deus, cumpra-se a tua palavra, que prometeste a meu pai Davi, pois que tu me estabeleceste rei sobre o teu grande povo, que é tão inumerável como o pó da terra. Dá-me sabedoria e inteligência, a fim de que eu saiba conduzir-me bem diante de teu povo, porque quem poderá governar dignamente este povo que é tão grande? Deus disse a Salomão: Visto que isso agradou mais ao teu coração e não me pediste riquezas, nem bens, nem glória, nem a morte dos que te odeiam, nem muitos dias de vida, mas me pediste sabedoria e ciência para poderes governar o meu povo, sobre o qual eu te constituí rei, a sabedoria e a ciência te são dadas. Além disso, te darei riquezas, bens e glória, de modo que nenhum rei, nem antes de ti, nem depois de ti, te seja semelhante" (1Crôn. 1,7-13).

Impossível imaginar perfeitamente o resultado. Os textos sacros, apesar do estilo sintético, trazem detalhes tais de riqueza que nossos dedos começam a dourar conforme viramos as páginas. As madeiras mais finas revestidas do ouro igualmente empregado nos instrumentos utilizados pelos músicos; perfumes e incensos variados misturando nos ambientes; tecidos de várias origens; o sangue dos sacrifícios recolhido em recipientes dourados e prateados, assim como as armas todas da guarda pessoal. Lendas ocidentais e orientais, inventadas e transmitidas, fazem a concentração da sumptuosidade atingir paroxismos.

Como ocorre repetitivamente na história trazida pelos livros do Velho Testamento, o Templo virou lugar de idolatria. Considerava-se suficiente adentrá-lo para encontrar o perdão das faltas todas. Já no reinado seguinte, de Roboão, ocorre a invasão e saque pelo rei Sesac - ou Xexonque - do Egipto. Informa o II Macabeus que o rei Antíoco saqueou-o e contaminou-o, construiu e permitiu construir altares para as divindades pagãs. Segundo o capítulo 52 do livro de Jeremias, no undécimo ano do reinado de Sedecias, Nabuzardan, o general caldeu de Nabucodonosor, invadiu Jerusalém e destruiu o Primeiro Templo, levando os judeus como escravos para Babilônia (cerca de 586 a.C.). Setenta anos mais tarde, quando Ciro, após ter vencido os caldeus, autorizou o retorno dos judeus para Jerusalém, foi com a finalidade de construir o Segundo Templo, conforme conta-se em detalhes nos livros de Esdras e Neemias. Há quem mencione o Terceiro Templo, não sendo este outro senão o Segundo englobado por um complexo sagrado erguido por Herodes.

Seguiu-se uma longa alternância de domínios e revoluções. Nos anos 69-70 d.C., os judeus revoltam-se contra a dominação de Roma. De alguma forma, Herodes mantinha certa estabilidade política até Caio César, o Calígula, determinar que toda cidade ostentasse uma estátua sua. Em Jerusalém, esta estátua deveria ser localizada dentro do edifício sagrado. Evidente a insubordinação dos hebreus a este desrespeito imperial e a conseqüente tomada d'armas. O futuro imperador Tito - filho de Vespasiano - é enviado para silenciá-los e destrói não só o santuário como também a cidade. Aqui inicia-se a diáspora dos judeus pelo Oriente e pelo Ocidente. Novamente é reerguida dos escombros, d'esta vez por Adriano, que lhe confere feição clássica e denomina-a Aelia Capitolina. O Segundo Templo é mantido em ruínas. No século IV Constantino declara-a cidade cristã. No século VII, Jerusalém cai em poder dos persas. Até o século X está sob domínio islâmico e a partir de 969 sob um califado egípcio. Uma apropriação relevante para a História foi a dos turcos seljúcidas no ano 1.071. Eles que tomaram a cidade e proibiram aos outros povos o acesso a ela, provocando movimentos cristãos de reconquista denominados Cruzadas. E segue-se nova instabilidade: os cruzados tomam a Cidade Santa em 1.099, tornando-a sede oriental do cristianismo; Saladino toma-a em 1.187; volve aos cristãos em 1.229 e para os muçulmanos em 1.244, com estes permanecendo até 1.247, ano de sujeição ao poder egípcio, que durou até o século XVI.

Tomada pelos primeiros cruzados a região conhecida como "Terra Santa", fundaram-se pequenos Estados feudais latinos dentre os quais o Reino de Jerusalém. Após a batalha, os cavaleiros que não retornaram à pátria ficaram presos nas terras conquistadas e novamente ameaçadas por invasões. Entre os cavaleiros, Hugo de Payns idealizou uma ordem monástica de monges soldados. A Ordem dos Templários foi reconhecida oficialmente pela Igreja no Concílio de Troyes realizado em 1.128 e n'esta mesma ocasião tiveram início as tractativas para elaboração da Regra com o auxílio de São Bernardo de Claraval. Em 1.143, o Papa Eugênio III concede a primeira versão da cruz pela qual estes monges militares são conhecidos, "a cruz de oito pontas". O livro mais completo sobre a história dos templários continua sendo o de Piers Paul Read. Recentemente lançou-se uma edição de bolso, História e Lenda dos Templários, que não passa de uma sinopse do outro, além de mencionar a abordagem dos templários por correntes esotéricas. É um volume destinado ao público popular, de superficialidade proporcional ao número de pessoas que deseja alcançar. Não é ruim, mas quem leu a obra de Read não encontrará novidade alguma.

Hoje ainda existe uma Ordem dos Templários, quer por derivação da original, quer por sebastianismo. Diz-se destinada à promoção do bem estar material e moral das civilizações e do ser humano. Certa vez, eu e minha mãe fomos convidados à afiliação e se não nos envolvemos, foi porque os esclarecimentos seriam posteriores à adesão, atitude a nós desagradável seja qual for o assunto. Tanto o livro quanto o sítio na Internet revelam o envolvimento da maçonaria.

O nome de Walter Scott (1.771/1.832) situa-se entre os primeiros do romantismo inglês. Na imagem, o escritor aparece com um de seus galgos, talvez Maida, seu predilecto, um galgo escocês merecedor d'um monumento fúnebre. Grande admirador dos cães, possuía-os às dezenas em seu castelo de Abbotsford. Um de seus primeiros, "Camp", mereceu poemas em sua homenagem apesar de morto há mais de vinte anos.

Devorador de livros desde o berço e inspirado em Goethe, iniciou seu envolvimento com as Letras ao publicar recolhas de lendas escocesas e poesias nelas mesmas inspiradas. Eu havia esquecido o quanto é agradável ler suas obras. Ricardo Coração de Leão foi o primeiro, há uma década atrás. Agora terminei Ivanhoé e só não aproveitei a ocasião para ler também Lucia de Lammermoor - inspiradora da ópera de Donizetti e também conhecido como A Noiva de Lammermoor - porque o volume foi entregue à encadernação. Com o seu Waverley nasceu o romance histórico. Não há segredo: uma trama fictícia emoldurada por factos históricos reais, mesma mistura entre os personagens. Talvez esta seja a melhor receita. Os romances históricos hodiernos baseados em personagens reais não passam de meros exercícios de erudição. Basta uma nova descoberta sobre esta ou aquela figura e logo surge um livro no qual o novo facto aparece mesmo discretamente. Observei que apesar da reconstrução de verdadeira riqueza, ao menos quanto foi-lhe permitido fazer nos primórdios do século XIX, Scott remete o leitor mais à época em que escreve, e menos a qual descreve. Tendo uma de suas obras em mãos, é mais fácil imaginar-se refestelado n'uma poltrona diante da lareira em Holland House do que nas fortalezas do romance.

Ivanhoé já mereceu duas adaptações cinematográficas. Uma antiga, em preto e branco, que eu gostaria muito de rever, e outra ridícula que mal merece menção. Os templários aparecem tal como concebidos à época, hipócritas administrando riquezas imensas, intrigantes, agindo sem lei. Papel assemelhado ao dos jesuítas, em certas obras. O vilão do romance é Brian de Bois Gilbert e apesar d'esta parcialidade, muitos detalhes acerca da Ordem são discretamente incorporados na trama, como a referência ao leão e ao medalhão com dois cavaleiros sobre um cavalo, as constantes citações da Regra. São 44 capítulos de uma narrativa mui coesa a prender a atenção do leitor, cada capítulo antecedido por epígrafes engenhosamente selecionadas. O narrador dá a entender que segue o texto do Manuscrito de Wardour, peça inexistente mas também mencionada na novela O Antiquário escrita pelo escocês. Às vivazes descrições dos torneios e do garbo da cavalaria, alia-se o humor inesperado, como a "ressurreição" d'um nobre saxónio.

Goya

Tenho em mãos dois livrinhos. O primeiro mede 14x14 cm - pouco mais que uma caixa de CD -, tem 109 páginas e traz o ensaio Tauromaquia na Cultura Ibérica escrito por Juan Manuel Oliver. Acompanham-no todas as gravuras de Goya sobre o assunto. O segundo mede 11,5x17,8cm, tem 115 páginas e traz completa a série Os Desastres da Guerra, do mesmo pintor, acompanhada de alguns excertos de Victor Hugo, Tolstoi, Voltaire, Lamennais, entre outros. As editoras d'este segundo volume planejam lançar outro contendo a série Os Caprichos. Infelizmente, quem lançou aquele sobre tauromaquia, entre outros de notável cuidado apesar do tamanho exíguo, já fechou suas portas.

Quero apenas salientar o esforço das pequenas casas editoriais - de recursos financeiros proporcionais - em reunir e imprimir reunidas as séries de gravuras do grande pintor. Tal iniciativa deveria caber às editoras maiores que, lançando estas séries e outras em volumes de formato maior e melhor acabados, talvez obtivessem maior retorno do que com as tranqueiras inexpressivas com as quais se preocupam.

Ricardo de Mattos
Taubaté, 1/4/2004

 

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