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Segunda-feira, 31/5/2004
Um Elogio à Loucura
Andréa Trompczynski

Emanuelle Crialese nunca leu Guimarães Rosa, mas algumas verdades são eternas e pessoas em diferentes lugares e épocas têm semelhantes impressões. Respiro, segundo filme de Crialese, de 2002, e Sorôco, sua mãe, sua filha, conto do Rosa, dizem exatamente o mesmo. Fazem de tudo para afastar o caos, internar os loucos. E, quando finalmente conseguem, enlouquecem eles. Ou trazem o caos de volta, por não conseguirem viver sem.

Grazia (Valeria Golino) é uma bipolar típica. Com oscilações de humor imensas, da euforia para crises depressivas, dando o quê falar para as mulheres rezadeiras do povoado de pescadores em Lampedusa, sul da Sicília. A família tenta protegê-la até as últimas consequências. A mesma tristeza de Sorôco, empurrado pelo povo a internar na capital a mãe e a única filha. Mas no conto, a loucura volta através do próprio povo, que começa a cantar a música insana e disparatada que as mulheres cantavam antes e que "ninguém não entendia". No filme, é Grazia quem volta depois de fugir para não ir ver o doutor na capital que lhe trataria, e, é acolhida então na cena mais perfeita do filme (só aquele azul inconcebível do Mediterrâneo, nesta cena submersa, nem precisava uma boa história).

Quando o tema é loucura, é impossível eu não me voltar e parar um pouco para ver do que se trata. Estudei enfermagem para trabalhar numa clínica psiquiátrica, há muitos anos. Acabei internada em uma. Sou bipolar. E já vi o Sorôco em meu pai quando precisei de um internamento. Não, um bipolar não precisa de choques, não imaginem isso. As clínicas de hoje são como um Spa mais simples. Você descansa e tenta parar um pouco. Porque a velocidade do pensamento de um bipolar é tão acelerada que às vezes acontecem umas estafas. E é preciso parar um pouco para o motor esfriar. As pessoas um pouco mais velhas devem conhecer a mesma "doença" com outro nome: Psicose Maníaco-Depressiva (que, tenho certeza absoluta só mudou em algum congresso psiquiátrico internacional por unanimidade de votos depois do Norman Bates, que deixou a palavra assustadora). Para quem viu o filme Um Estranho no Ninho (ou o livro de Ken Kesey, sem dúvida, menor que o filme; quando o Kesey disse que nunca veria o filme de Milos Forman, não sabia o que estava perdendo) é a mesma doença do Randle Patrick McMurphy. Mas tem vários estágios, é claro.

Não quero falar aqui sobre a parte triste da loucura e sofrimentos que existem por causa dela, porque a parte triste também está nos não-loucos. Mas sobre a parte mágica. Sobre a capacidade que ela tem de te libertar. Sobre um olhar que uma vez vi numa esquizofrênica no meu estágio de enfermagem num hospital psiquiátrico (hospício, não há palavra melhor), olhar de liberdade. Uma inteligência que assombrou-me. Como aquele olhar do Andy Kaufman que o Jim Carrey conseguiu mediunicamente fazer tão bem no filme do também aficcionado pelos não-normais Milos Formam (afinal ele também fez o filme do louco Larry Flint).

Uma vez um professor emprestou-me O Elogio da Loucura, do Erasmo de Rotterdam com um prefácio dito que apenas fez-me devorá-lo assim que o tive em minhas mãos: "tem certeza que você está preparada para ler isso?", eu disse: "não", e ele: "ótimo, aqui está, nunca sinta-se preparada para nada, é a morte".

Mas não me rendi ao Carbolitium. E não me renderei. Aprendi a aproveitar os momentos de euforia e até mesmo os depressão, e não consigo entender como as pessoas tentam fugir tanto da solitude e da tristeza. É um sentimento que precisa ser vivido e degustado como os outros. Não anestesiado com antidepressivos (ou televisão, comida, compras).

Geralmente é muito engraçado. Como por exemplo olhar para uma parede de azulejos e calcular quantos têm, porque o cerébro precisa estar sempre pensando. Dou muita risada. Meu filho de cinco anos perguntou uma vez o que era que tinha de diferente dentro da minha cabeça, "ah, filho, não é muito não, apenas quando uma pessoa está descascando batata, como eu agora, está pensando em descascar a batata e a mamãe está pensando em distorções no espaço-tempo, ou em como deve ser o cheiro do rio em Pasárgada e se o Bandeira está nadando lá agora com a Mãe D`água e as prostitutas bonitas", e o Juca: "puxa, que legal mãe, acho que você está certa, o rio de Pasárgada é muito mais importante que as batatas, não é?". É sim, filho.

Da Série "Jovens Mentes Ávidas"

A instalação é uma verdadeira praga aqui em Vancouver. É a maneira favorita dos jovens artistas se expressarem. Numa dessas exposições que fui por consideração à uma amiga que estava se graduando no Emile Carr Institute, quase dei um vexame. Depois de tantas instalações entramos num lugar e tinha um balcão de sanduíches e as máquinas de café. Parei alguns segundos em dúvida. Pensei que fosse também uma instalação. Só quando ela pediu o café é que percebi que era de verdade. Mas, juro, a mocinha do café parecia mesmo de papier mâché!

Da Série "Não Perca seu Tempo"

Fui pela primeira vez em uma praia de nudismo, a cool Wreck Beach. Não tirei a roupa e senti-me mal o tempo todo. Nem toda nova experiência é válida. Chegou um casal de velhinhos. Meu Deus, não acredito, será que eles vão tirar a roupa também? Tiraram. Fiquei com vergonha, lembrei da minha avó que apagava a luz para trocar de roupa na minha frente.

No Fundo é Tudo Igual

Quarta-feira o país parou. Era a final do American Idol. Igualzinho ao Show de Calouros, só que trinta vezes vezes maior e super-produzido. E nota: um programa dos monkeys americanos, que é a palavra mais usada aqui para eles. Uma cantora negra de dezenove anos ganhou, Fantasia, o nome dela, não da música. E aqui as soap-operas são como as novelas no Brasil. Pára tudo. E o hóquei. Igualzinho ao futebol. E mais: ontem o George Michael falou para o The Province, jornal daqui, que agora ele vê que os canadenses são melhores que os americanos e que está vindo morar aqui. Em Vancouver. Ai, agora minha gastrite vai piorar (todo casmurro tem que ter uma). À tarde ele estava no programa da Oprah (nota: americana) e todo mundo assistindo e falando do futuro morador ilustre, e agora mais querido porque disse que aqui é melhor que o vizinho de baixo. A rivalidade Canadá versus Estados Unidos é semelhante à nossa com a Argentina, só que de primeiro-mundo e bem mais agressiva. E o ar de desprezo deles é muito mais chic. Afora isso, até esqueço que estou aqui, de tão parecido. Vou até tirar os sapatos de tão em casa que me sinto. Ei, mãe, traz um pedaço daquele bolo de banana que você fez ontem?

Resposta

O tempo todo me perguntam se falo bem do Brasil. Não falo. Aprendi a ser sádica com o Henfil. Agora tenho um passatempo. Nos jantares me perguntam do Brasil, sorridentes. Quando chego na parte em que existem famílias inteiras morando em caixas de papelão, já não estão tão sorridentes. E quando falei, esses dias, na casa de uma família italiana, das meninas de dez anos se prostituindo na Bahia e da rota turística do sexo infantil, as senhoras coraram. Vou dizer o quê? Mentir? Ontem um cliente do Café onde trabalho tentava argumentar comigo que o Brasil era especial. Claro que ele não é brasileiro. No final, ele estava cansando e disse que talvez é a beleza das praias. E eu: as praias aqui são lindas também. Não consigo entender essa adoração mística pelo Brasil. Tá, é bonito. Mas tudo isso, não.

Andréa Trompczynski
Vancouver, 31/5/2004

 

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